França (e Macron) assumem presidência europeia em plena campanha eleitoral

"Soberania, crescimento e uma Europa humanista" são os três pilares da presidência francesa nos próximos seis meses. Mas com as presidenciais em abril há temas, como a proposta de reforma do espaço Schengen, que surgem também a pensar na campanha.
Publicado a
Atualizado a

Uma das prioridades da presidência francesa do Conselho da União Europeia (UE), que hoje começa, é reformar o espaço Schengen de livre circulação. "Para impedir que o direito ao asilo, que foi inventado no continente europeu e que devemos honrar, seja mal usado, temos absolutamente de encontrar uma Europa que sabe como proteger as suas fronteiras e encontrar uma organização política que nos ponha numa posição de defender os seus valores", disse o presidente francês, Emmanuel Macron, explicando que os pilares dos próximos seis meses são "soberania, crescimento e uma Europa humanista". Um discurso também a pensar na campanha eleitoral, com o chefe de Estado à espera de poder beneficiar do sucesso europeu para conseguir a reeleição.

A primeira volta das presidenciais francesas está marcada para 10 de abril, com a segunda volta (que todas as sondagens dizem ser necessária) a decorrer no dia 24 desse mesmo mês. Macron ainda não anunciou oficialmente a sua candidatura, mas ninguém espera que desista da hipótese de ficar um segundo mandato no Palácio do Eliseu. Da esquerda radical à extrema-direita, são já vários aqueles que se lançaram na corrida para o tentar impedir de o conseguir.

"Esta presidência da UE reforça o estatuto internacional do presidente em comparação com outros candidatos, que não têm a mesma experiência", disse o especialista francês em Assuntos Europeus Patrick Martin-Genier à France24. Mas apesar de esta poder ser uma "sorte inesperada" para Macron, o autor de L'Europe a-t-elle un avenir? (A Europa tem futuro?) lembrou que está tudo preparado para, caso perca as eleições, o sucessor (ou sucessora) continuar o trabalho. Em 1995, a presidência francesa da UE esteve nos primeiros quatro meses nas mãos de François Mitterrand e nos dois últimos nas de Jacques Chirac - a diferença é que Mitterrand terminava o segundo mandato e não podia candidatar-se a um terceiro, enquanto Macron pode entrar na corrida.

"O presidente é extremamente europeu e vai tentar ter resultados rapidamente [...] para mostrar aos candidatos que são eurocéticos o que a Europa traz à França e a necessidade de ter uma Europa que funciona", afirmou Jean-Pierre Jouyet, antigo secretário de Estado dos Assuntos Europeus, em entrevista à agência Lusa. Foi Jouyet que levou a cabo as negociações para a última presidência francesa do Conselho da UE, que decorreu no segundo semestre de 2008, quando Nicolas Sarkozy era presidente - a imigração e o direito ao asilo foi também uma das prioridades.

As questões migratórias serão um dos pontos a tratar na Cimeira UE-África, prevista para fevereiro em Bruxelas. O encontro devia ter ocorrido em 2020 e depois durante a presidência portuguesa, no primeiro semestre de 2021, mas foi sendo adiado por causa da pandemia. "É no nosso interesse comum. Temos que fazer isto enquanto europeus, construir um futuro para a juventude africana para reduzir as desigualdades, lutar contra o tráfico que explora a miséria e os traficantes que tornaram o Mediterrâneo num cemitério de vergonha", disse o presidente, que considera as relações com África "o grande projeto político e geopolítico das próximas décadas".

Os temas migratórios são centrais na campanha presidencial à direita, de onde vêm os principais adversários do centrista Macron. Depois de ter ficado em segundo lugar em 2017, Marine Le Pen (da antiga Frente Nacional, extrema-direita) foi durante anos a favorita para voltar a enfrentar o presidente na segunda volta. Desde setembro, que o antigo jornalista Éric Zemmour (Reconquista, também de extrema-direita) estava a ganhar terreno nas sondagens, mas desde meados de dezembro são Os Republicanos que surgem como os principais adversários de Macron. A razão prende-se com a eleição de Valérie Pécresse, que já foi ministra do Ensino Superior e do Orçamento, como candidata. Pécresse adotou também uma linguagem de extrema-direita em relação à imigração.

Com uma UE "órfã" da alemã Angela Merkel, que deixou o poder após 16 anos, Macron procura também assumir a liderança dos 27. A presidência rotativa será uma forma de testar as águas com o sucessor da chanceler conservadora, o social-democrata Olaf Scholz, e a sua inexperiente equipa - a nova chefe da diplomacia, a colíder dos Verdes Annalena Baerbock, nunca ocupou uma pasta ministerial. Macron, que era ele próprio inexperiente em 2017 quando foi eleito presidente (só tinha sido durante dois anos ministro da Economia, Indústria e Assuntos Digitais), é agora um veterano.

"Os nossos amigos franceses podem contar com o nosso apoio desde o primeiro dia até ao último para preparar o campo para uma recuperação económica sustentável, na luta contra a crise climática na digitalização e numa Europa mais soberana", disse Baerbock à AFP, indicando que Alemanha e França "têm uma responsabilidade especial para uma União Europeia unida, capaz de agir e de olhar para o futuro", acrescentou.

Uma Europa "mais soberana" é precisamente outra das prioridades da presidência francesa, enumerada por Macron numa conferência de imprensa a 9 de dezembro. O objetivo é "avançar para uma Europa que é poderosa no mundo, totalmente soberana, livre nas suas escolhas e encarregue do seu próprio destino", disse o presidente francês. Macron defende há anos a ideia de uma "soberania estratégica", de forma a reduzir a dependência militar dos EUA, mas sem romper com a NATO.

"Diante de todas estas crises que estão a atingir a Europa, muitos gostariam de contar só com o Estado-Nação. Estas nações são a nossa força, o nosso orgulho, mas uma união europeia é o seu complemento indispensável", acrescentou. "Temos que agir como europeus, temos que pensar como europeus", referiu. Outra das prioridades passa precisamente pela defesa do modelo social europeu, estando prevista para março uma cimeira sobre um novo modelo de crescimento e de investimento na Europa. Macron defende novas regras orçamentais, considerando "desatualizada" a regra que impede os países europeus de terem uma dívida pública que exceda os 3% do PIB. A discussão com a Alemanha, que defende o regresso a esse limite que tinha sido suspenso por causa da pandemia de covid-19, será acesa neste ponto.

Ainda em questões económicas, Macron quer avançar com a ideia do salário mínimo europeu, uma das medidas que ficou por aprovar na Cimeira Social que se realizou no Porto, durante a presidência portuguesa da UE. Também será discutida uma diretiva sobre a transparência salarial entre homens e mulheres e as quotas de género nos conselhos de administração da empresas europeias. Outra das prioridades será a transformação digital, com dois pacotes de medidas atualmente a serem discutidas - a Lei dos Serviços Digitais e a Lei do Mercado Digital.

Em relação ao clima, a presidência francesa quer avançar com um projeto de imposto de fronteira sobre emissões de carbono para produtos importados. No que diz respeito à juventude, além de um encontro de universidades em junho, a ideia é propor um serviço cívico de seis meses para todos os jovens com menos de 25 anos, à imagem do sucesso do programa Erasmus.

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt