A força de intervenção rápida constituída por 180 militares portugueses é cada vez mais reconhecida como essencial ao processo de paz na República Centro-Africana e isso mesmo foi reafirmado pelo diplomata senegalês Mankeur Ndiaye, atual enviado especial das Nações Unidas para aquele país em conflito desde 2013. De visita a Lisboa, Ndiaye fez uma palestra no Instituto de Defesa Nacional e reuniu-se no forte de São Julião da Barra com os ministros da Defesa, João Gomes Cravinho, e dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva. A questão do apoio aéreo às tropas portuguesas terá sido um dos temas abordados, já que até agora era assegurado no âmbito da MINUSCA por helicópteros senegaleses, mas estes deixaram de estar disponíveis..Qual é exatamente a situação político-militar na República Centro-Africana neste momento e até que ponto existem ameaças à realização das eleições previstas para final do ano? A situação política na República Centro-Africana tem vindo a melhorar. Isso é evidente desde a assinatura do acordo de paz de fevereiro de 2019. Existe hoje uma forte vida política na República Centro-Africana, muito ativa, muito dinâmica, sobretudo na perspetiva das eleições de dezembro de 2020. E isso comprova-se até pelo regresso de dois antigos presidentes da República, François Bozizé, que dirigiu o país durante uma década, e Michel Djotodia, que acaba também de voltar. Esperemos agora que tanto um como o outro possam contribuir para consolidar os progressos alcançados no último ano no âmbito do acordo de paz e não, pelo contrário, levarem a cabo ações de destabilização da República Centro-Africana. Isso não seria aceitável..As forças internacionais presentes, nomeadamente as das Nações Unidas, estão em condições de assegurar a tranquilidade do processo eleitoral em todo o território? Absolutamente. Temos este mandato eleitoral, que nos foi dado pelo Conselho de Segurança, no qual trabalhamos, com um projeto de securização das eleições, mas continuamos a fazer um apelo para o financiamento das eleições. Esse financiamento está por chegar, a União Europeia prometeu 15 milhões de dólares, mas existe um vazio de uns 30 milhões, valor que é preciso conseguir para o sucesso das eleições. E trabalhamos na securização das eleições porque o Conselho de Segurança nos conferiu esse mandato reforçado para dar apoio logístico e operacional. E sobretudo assegurar que todos podem votar..Qual é a importância no processo de paz da força militar portuguesa estacionada na República Centro-Africana? Portugal está presente desde 2017 através de uma força de reação rápida de 180 elementos, incluindo mulheres, e faz toda a diferença no terreno. Os grupos armados já conhecem bem com quem estão a lidar, marcados pelo profissionalismo destes militares portugueses. A forma rápida e decisiva como atuam. É importante que outros países saibam como Portugal é importante na MINUSCA. Tenho agradecido esse papel, agradeci agora aqui em Lisboa aos ministros da Defesa e dos Negócios Estrangeiros, e tudo tenho feito para esse esforço ser conhecido..Como explicar, enquanto alto funcionário da ONU, à população portuguesa o porquê do envolvimento dos nossos militares na República Centro-Africana? Os portugueses têm de saber que o mundo lhes está agradecido pelo seu contributo para a paz na República Centro-Africana e para a segurança em geral. Portugal está a contribuir para a paz no continente africano, um continente com o qual tem fortes laços históricos. Está a contribuir para a paz num país que fica no coração de África..É simplista explicar o conflito na República Centro-Africana como um choque entre as comunidades muçulmana e cristã sob as designações de Seleka e de Anti-Balaka? Convém nunca exagerar na importância da dimensão étnica ou religiosa dos conflitos. Na República Centro-Africano trata-se de grupos armados que se formaram para explorar ilegalmente os recursos naturais e que violavam os direitos humanos, mas que chegaram à conclusão de que teriam de ceder a aceitar a paz. E assim, 14 grupos armados aceitaram o acordo de paz com o governo, um acordo obtido em condições que não foram fáceis. Temos registado melhorias, mas aqui e ali há violência, violações dos direitos humanos. No geral, a situação melhorou. O acordo tem um mecanismo de acompanhamento da sua aplicação, que existe até a nível local. E sobretudo temos um governo que é inclusivo, no qual se sentam membros dos grupos armados, uns como ministros, outros como conselheiros. E temos de fazer tudo para que o acordo funcione, a solução tem de ser política, não há solução militar na República Centro-Africana. E insistimos para que todos os envolvidos percebam e aceitem isso..ONU, União Europeia, mas também forças russas, que estão na República Centro-Africana no âmbito de um acordo bilateral participam no esforço de segurança. Como se coordenam todas estas componentes no sentido de pacificar o país? Fazemos o máximo por trabalhar com todas as forças presentes. Com todos os atores. A Rússia está presente no quadro da cooperação bilateral e contribui para a formação das forças armadas nacionais e para a securização da República Centro-Africana. A MINUSCA trabalha com todos, exige, sim, que todos hajam com transparência e no quadro do acordo de paz..Qual a importância da paz na República Centro-Africana para a paz nas imediações, sobretudo no Sahel, onde grupos jihadistas, separatistas e criminosos comuns se multiplicam e desafiam os governos? A dinâmica regional é muito importante para a paz na República Centro-Africana como para outros países. A República Centro-Africana é fronteiriça com o Chade, os Camarões, o Sudão, o Sudão do Sul, a República Democrática do Congo, o outro Congo. Por isso todos estes países são facilitadores do acordo de paz. E se a dinâmica regional no sentido da pacificação começa a funcionar, também se deve às várias comissões mistas criadas pela República Centro-Africana com os países da região.