Forças Armadas com exclusivo nas condecorações de Marcelo
O tempo é de conflito aberto entre as chefias militares e o Governo - por causa das propostas de reforma das Forças Armadas - e as condecorações que o Presidente da República (PR) irá esta quinta-feira atribuir refletem precisamente essa situação. Serão apenas quatro, e todas a pessoas coletivas: o Estado-Maior General das Forças Armadas (EMGFA), o Estado-Maior da Armada (EMA), o Estado-Maior do Exército (EME) e o Estado-Maior da Força Aérea (EMFA).
Quatro medalhas da Ordem de Cristo - a qual, segundo a lei, se destina "a distinguir destacados serviços prestados ao País no exercício das funções de soberania". Na cerimónia que hoje - Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades - decorrerá no Funchal, Marcelo Rebelo de Sousa colocará as condecorações não nos generais chefes do EMGFA e dos ramos mas antes nos respetivos estandartes.
Marcelo Rebelo de Sousa pretende com esta iniciativa sinalizar publicamente - e para o interior instituição castrense - o valor que dá às Forças Armadas como instrumento de afirmação da soberania nacional.
Uma valorização potenciada pelo facto de na lista das condecorações deste ano não constar mais ninguém: apenas o EMGFA e os três estados-maiores dos ramos. A ideia é, também, dizer ao país e aos militares em particular, que o Chefe do Estado - por inerência de funções Chefe Supremo das Forças Armadas - sublinha a importância da instituição castrense para lá dos conflitos conjunturais que a possam opor ao poder político.
O conflito do Governo com os militares - que têm do seu lado a solidariedade de dois ex-Presidentes das República, Ramalho Eanes e Cavaco Silva - parece longe de estar resolvido. O que o Executivo pretende - já com o apoio declarado do PSD de Rui Rio - é concentrar poderes de condução dos assuntos militares no EMGFA retirando-os aos ramos. E isto através de duas alterações legislativas: uma à Lei Orgânica de Bases da Organização das Forças Armadas e outra à Lei de Defesa Nacional.
A princípio, a contestação a esta reforma parecia estar, nas Forças Armadas, a ser verbalizada apenas por antigos chefes militares agora na reforma. Acontece que, há dias, os chefes militares do ativo foram ao Parlamento e todos (com exceção do CEMGFA) exprimiram reservas à reforma que o Governo pretende levar avante (as duas propostas de lei já foram aprovadas na generalidade e estão agora na comissão de Defesa a ser discutidas artigo a artigo).
O Chefe do Estado-Maior da Armada, almirante Mendes Calado, defendeu que é essencial "garantir a autonomia" administrativa dos ramos e propôs que fique claro que "a competência para comandar e administrar recursos do ramo compete ao respetivo chefe".
Já os generais chefes do Exército e da Força Aérea, respetivamente Nunes da Fonseca e Joaquim Borrego, salientaram ambos - embora em tons diferentes - que se deveriam manter as competências do Conselho de Chefes do Estado-Maior, principal órgão militar coordenador e de consulta do Chefe do Estado-Maior-General.
Borrego, nomeadamente, alertou para "a importância do equilíbrio e da valorização dos ramos", na relações hierárquicas e competências dos Chefes de Estado-Maior, devendo ainda "ser resguardadas de qualquer erosão" que "fragilize a sua ação de comando". E daí ter avisado que seria importante "clarificar a abrangência relativamente à dependência [dos ramos] do CEMGFA "para todos os assuntos militares"" como consta na proposta governamental.
Na verdade, perante os deputados só o CEMGFA, almirante Silva Ribeiro, defendeu a reforma que o Governo pretende implementar, considerando que não é "disruptiva" mas antes "o culminar de uma adaptação progressiva, iniciada em 1982".
Ao contrário do que tinham feito, antes, na comissão parlamentar de Defesa, os três chefes dos ramos que o antecederam, Silva Ribeiro considerou que se está perante um "aperfeiçoamento legislativo" para "alinhar competências" do CEMGFA que já estão atribuídas por lei para "responder em permanência perante o Governo, através do Ministério da Defesa Nacional, pela capacidade de resposta militar das Forças Armadas".
E a reforma - segundo acrescentou - também permitirá, segundo disse, "eliminar situações frequentes de interpretações divergentes" que, por vezes, perturbam a "ação militar" e "afetam o princípio fundamental da unidade de comando".
A Associação dos Oficiais das Forças Armadas foi rápida a explorar o que se passou na AR: "O ministro [da Defesa] está completamente isolado, só tem o apoio do atual CEMGFA."