Forças Armadas esperavam existência de motins durante a greve
As Forças Armadas previram a possibilidade de os seus militares serem confrontados com "distúrbios civis, sabotagem e acidentes de trânsito" durante as ações de transporte de matérias perigosas e outros bens essenciais em que fossem envolvidos, soube o DN.
A informação consta da diretiva operacional do Estado-Maior-General das Forças Armadas (EMGFA) relativa ao "apoio militar de emergência ao transporte de matérias perigosas e de outros bens essenciais", assinada pelo chefe do Estado-Maior da Armada, almirante Mendes Calado, em substituição do chefe do EMGFA (que está em visita a Timor-Leste).
"Para além dos riscos associados ao transporte de matérias perigosas, a ação dos meios militares empenhados poderá estar sujeita a ações hostis por parte dos grevistas", previu o EMGFA, estimando um "risco moderado" da sua ocorrência, adiantaram as fontes.
A chamada Operação São Cristóvão foi desencadeada na sequência da requisição civil decretada pelo governo, para garantir o cumprimento dos serviços mínimos associados à greve dos motoristas de matérias perigosas e de mercadorias. Seis dezenas de equipas de dois elementos - um condutor e um graduado como chefe de equipa - foram colocados ao dispor das autoridades, bem como um número indeterminado de viaturas próprias, caso os camiões dos transportadores civis se revelassem insuficientes para responder às necessidades.
As Forças Armadas tinham sete dezenas de condutores militares - a grande maioria no Exército - certificados para conduzir matérias perigosas, fossem combustíveis, munições ou outros produtos. Contudo, além dos 25 que o Exército formou em junho e julho no âmbito do calendário de atividades de formação programadas, outros tantos receberam treino específico nas últimas semanas junto de empresas privadas do setor, segundo fontes militares.
O EMGFA escusou-se a dar informações sobre o número de efetivos e de viaturas envolvidas na Operação São Cristóvão, remetendo as questões para o Ministério da Defesa, que não respondeu até ao fecho desta edição.
Um dos pressupostos do emprego das equipas de militares das Forças Armadas passava por só deixarem os parques de viaturas sob escolta e proteção das forças de segurança, depois de articulada essa ação com a secretária-geral do Sistema de Segurança Interna (SGSSI), Helena Fazenda, apesar de esses mecanismos de articulação ainda não estarem formalmente aprovados pelo governo.
Este ponto é importante por assumir que cabe às forças de segurança garantir a proteção dos militares das Forças Armadas empregues em território nacional fora dos quartéis e sem estar declarado o estado de sítio.
De acordo com a diretiva, no caso de não haver agentes policiais para garantir esse serviço de proteção, os condutores militares das viaturas apenas poderiam deixar os respetivos parques após autorização expressa dos responsáveis operacionais das Forças Armadas.
Com o Centro de Informações e Segurança Militares (Cismil) "no terreno", encarregue de acompanhar o evoluir dos acontecimentos "para avaliar os riscos da missão e os resultados da mesma", o emprego da Força de Reação Imediata (FRI) previa "apoios até nove horas" diárias - com uma "duração máxima contínua de quatro horas e meia".
Ao comandante da FRI foi atribuído o controlo operacional da operação, que levou à ativação do Estado-Maior dessa força e ao estabelecimento de um posto de comando no Comando Conjunto para as Operações Militares (CCOM) do EMGFA.
O Estado-Maior-General destacou também um oficial de ligação para a Entidade Nacional para o Setor Energético (ENSE), autoridade responsável por "coordenar o presente processo" - estando os militares a atuar sob a autoridade do chefe do EMGFA (CEMGFA) .
Duas das instruções constantes da diretiva operacional impunham a proibição do uso e porte de armas por parte dos militares envolvidos, bem como a obrigatoriedade de usarem o camuflado.
Por outro lado, perante distúrbios, acidentes ou incidentes protagonizados por civis, "os militares devem adotar uma atitude firme e cordial (...), reduzindo ao mínimo a interação com os grevistas e com a população que os possa interpelar, deixando esse papel para as forças policiais".
A Operação São Cristóvão consiste numa missão conjunta dos três ramos das Forças Armadas para responder à "situação de crise energética" declarada pelo governo.
Uma das instruções constantes da diretiva operacional do CEMGFA dizia respeito à forma como os militares comunicariam com os civis e, em especial, com os jornalistas.
De acordo com o documento, segundo as fontes do DN, os militares envolvidos não deveriam dar quaisquer informações sobre a operação e remeter a imprensa para o Estado-Maior-General. Contudo, "se não puder ser evitada" a pressão mediática, um dos oficiais afirmou que a diretiva indicava qual a resposta-tipo a dar por qualquer dos operacionais envolvidos: "Estamos a cumprir uma missão que foi determinada. A missão da equipa consiste em conduzir uma viatura civil de transporte de bens essenciais. Peço que coloquem todas as questões ao porta-voz do EMGFA."
Note-se que, não tendo os militares das Forças Armadas qualquer autoridade atribuída em território nacional sem estar declarado o estado de sítio, o seu diálogo com os civis equivale a uma conversa de café - daí a referida indicação para, se interpelados, os militares "deixar[em] esse papel para as forças de segurança".
As questões do apoio jurídico aos militares das Forças Armadas envolvidos também foram acauteladas pela diretiva. Por um lado, o gabinete do CEMGFA ficou encarregado de assegurar esse apoio jurídico com especial enfoque na responsabilidade civil e criminal dos operacionais. Por outro, o documento diz ser "aplicável o regime da responsabilidade civil extracontratual do Estado" na eventualidade de haver lugar a indemnizações resultantes da atuação dos militares em causa.