Força Aérea perde 12 pilotos e 60 sargentos em 2019
A saída antecipada de 12 pilotos aviadores da Força Aérea poderá ser positiva para as três centenas que ficam, dado haver quem saia da academia para funções de gabinete. Mas talvez o mesmo não se possa dizer sobre as centenas de anos de experiência acumulada dos 60 sargentos que passaram neste ano à reserva por limite de idade.
Os números relativos aos pedidos de saída dos oficiais e da passagem à reserva de 73 sargentos - embora 13 deles continuem na efetividade de serviço - foram dados pela Força Aérea, que se escusou a dizer quantos pilotos tem, por essa ser uma informação classificada.
Mas, segundo fontes militares, esse efetivo está na casa dos 300 - com a salvaguarda de muitos já estarem fora das esquadras de voo, em funções correspondentes aos postos a que foram promovidos.
Fontes ouvidas sob anonimato, por não estarem autorizadas a falar sobre a matéria, relativizaram a saída dos pilotos. "O problema é a falta de helicópteros", observou um oficial a propósito da esquadra dos EH-101, lembrando que as restrições financeiras dos últimos anos levaram vários desses operacionais a não obter com a rapidez desejada - ou conseguissem manter - as respetivas qualificações.
Certo é que a Força Aérea tem-se debatido nesta década com a falta de pilotos comandantes e, nos próximos anos, a pressão sobre o número desses operacionais tenderá a aumentar com a chegada de mais helicópteros e das novas aeronaves de transporte KC-390 - onde será preciso garantir a operação dos C-130 em simultâneo com a requalificação das tripulações para os novos aparelhos.
Contudo, reconheceu um dos oficiais ouvidos pelo DN. apesar das limitações ao nível dos pilotos o ramo "nunca falhou" na resposta às situações de alerta que exigiram a ativação dos helicópteros EH-101 nos Açores, na Madeira e no continente,
O presidente da Associação de Oficiais das Forças Armadas (AOFA) também disse não saber "quantos pilotos tem a Força Aérea - mas há esquadras que estão atrapalhadas" com falta desses profissionais, como é a dos helicópteros EH-101. Acresce que, com base nas informações que tem e coincidem com as do DN, o tenente-coronel António Mota precisou que até ao final do ano "saem mais alguns pilotos aviadores".
A atual situação "chegou a um ponto muito complicado", prosseguiu António Mota. "É a questão das condições em que se está a trabalhar - e refiro-me ao excesso de trabalho, por causa da exiguidade dos efetivos [...] ando pelas unidades e é mau de mais para ser verdade", lamentou.
Esta saída de pilotos aviadores, que algumas fontes disseram estar diretamente relacionada com a abertura de concursos em empresas privadas, também reflete o mal-estar sentido nas fileiras - desde as remunerações ao entupimento das carreiras, dos atrasos nas promoções à "desmoralização com atitudes dos superiores hierárquicos" nas esquadras, observou uma das fontes - e a expectativa, daí decorrente, de entrarem logo que possível nas companhias civis (com salários bem mais elevados e sem os constrangimentos pessoais da vida militar).
Por isso é que tem havido pilotos aviadores a recusar fazer cursos de especialização não obrigatórios, garantiram algumas das fontes, porque isso permite-lhes sair ao fim dos 12 anos pagando o menos possível de indemnização.
Estarão nesse grupo alguns dos 12 pilotos aviadores que pediram o abate aos quadros e que no próximo dia 01 de outubro atingem 12 anos de carreira, admitiram as fontes.
De acordo com o presidente da AOFA, o descontentamento dos pilotos dos EH-101 vai agravar-se com a morte do capitão Noel Ferreira, na semana passada, que combatia um incêndio ao serviço de uma empresa civil.
Noel Ferreira - que não fazia parte do referido grupo que pediu o abate aos quadros - era um dos pilotos militares de helicópteros que anualmente são autorizados a combater fogos durante o verão e ao serviço de empresas privadas. Nesse mês de férias ganham uns "13 mil a 14 mil euros", o que corresponde a cerca de "seis vezes o ordenado mensal" que auferem nas fileiras, lembrou António Mota (oficial da Força Aérea na reforma).
Só que agora, com a Força Aérea a invocar "a desculpa de dizer que não autoriza os seus pilotos a fazer aquilo porque passou a ser responsável pelos contratos com as empresas privadas" envolvidas no combate aos fogos, António Mota mostrou-se convicto de que "isso fará que eles sejam os próximos a sair".
"A Força Aérea contrata as empresas, não os pilotos", argumentou António Mota, criticando a razoabilidade da decisão. Mas, sendo assim, perguntou o presidente da AOFA, "os pilotos da Marinha e do Exército vão continuar a voar?".
No caso dos sargentos, além dos problemas de remunerações, carreiras e promoções atrás referidos, juntou-se nos últimos meses a questão das regras de avaliação e das distorções na definição das listas.
O descontentamento tem sido tão forte na categoria de sargentos que já há primeiros-sargentos a pedir o abate aos quadros ao fim dos oito anos obrigatórios de carreira, assegurou ao DN o presidente da respetiva associação, Lima Coelho.
"Em termos associativos, estamos a sentir isso", referiu o líder da Associação Nacional de Sargentos (ANS), acrescentando: "Desde [segunda-feira] foi abatido ao quadro um jovem primeiro-sargento, muito qualificado em termos de formação académica e que abandonou as fileiras com cerca de 40 anos. Era dirigente associativo desde as últimas eleições... transmitiu-nos que perante a oportunidade que surgiu, e dada a impossibilidade da carreira [há primeiros-sargentos com mais de década e meia no posto] à não atualização das remunerações desde 2010, ao não reconhecimento académico interno, pediu o abate ao quadro."
Quanto aos 60 sargentos que passaram à reserva por limite de idade, apesar de já estarem nos postos de topo da carreira (sargentos-mores e sargentos-chefes, mas também sargentos-ajudantes), o seu impacto na vida operacional das bases e das esquadras de voo será significativo, garantiu Lima Coelho.
"Pelo seu número, experiência e conhecimentos adquiridos", haverá efeitos negativos "e não serão as incorporações" a minimizar esse impacto, insistiu o presidente da ANS. "Começa a ser significativo o número de militares altamente qualificados" que estão a sair na categoria de sargentos, lamentou Lima Coelho.
Nesse caso estão chefes de equipa na linha da frente, chefes de serviços, responsáveis na área da manutenção e nas esquadras, exemplificou Lima Coelho (ele próprio sargento-mor da Força Aérea na reserva).
O líder da ANS aludiu ainda aos efeitos negativos do atual processo de reestruturação da estrutura interna da Força Aérea - "feito por um qualquer burocrata de serviço, sem atender às reais situações da Força Aérea e à necessidade de ouvir os que devem ser ouvidos" (os dirigentes das associações).
Instado a dar exemplos sobre uma mudança organizacional que disse estar "internamente a ser altamente criticada por todas as categorias", Lima Coelho indicou a extinção de "funções inerentes aos sargentos-chefes e mores, substituindo-os por jovens oficiais inexperientes e desconhecedores" ou a "redução de vagas orgânicas nas várias especialidades sem atender à proporcionalidade" entre elas.
"Isto está a causar no seio da Força Aérea grande mal-estar, que leva a que os militares não se sintam motivados a continuar nas fileiras além dos 55 anos. Os que acedem a ficar é na perspetiva de progredir mais um escalão remuneratório, e isso é muito grave", concluiu Lima Coelho.
António Mota acrescentou: "Não havendo medidas que travem esta sangria" de efetivos, "o futuro é negro" para as Forças Armadas - que neste ano "já perderam 800 efetivos. E no final do ano estarão lá fora mais de um milhar" de militares, anteviu o presidente da AOFA.