"Os meus amigos diziam que havia duas pessoas felizes com o Brexit: o Nigel Farage [líder do Partido do Brexit] e eu." A anedota é do conservador Riho Terras, o novo eurodeputado estónio que se estreou nesta semana no Parlamento Europeu, em Estrasburgo, e explicou que apesar do que os amigos pensavam não ficou feliz por ver o Reino Unido sair da União Europeia (UE). "Perdemos um bom aliado", contou numa pausa dos trabalhos. O ex-comandante das Forças de Defesa da Estónia é um de 27 representantes de 14 países que ficaram à espera do adeus oficial dos britânicos para poder tomar posse do cargo para o qual tinha sido eleito em maio.."Na minha terra toda a gente perguntava: quando vais? Quando é o Brexit? Durante sete meses, todos os dias... Era uma sensação um pouco estranha", admitiu ao DN o socialista espanhol Marcos Ros Sempere. O professor universitário, que foi durante oito anos vereador em Múrcia, foi outro dos que ficaram "congelados". Um termo usado pelo italiano Sandro Gozi, eleito em França pela lista transnacional do presidente Emmanuel Macron. "Éramos como os congelados Picard, uma famosa marca francesa", explicou, criticando a confusão causada pelos britânicos. "Temos de nos lembrar que eles decidiram, no último momento, participar nas europeias, quando não era suposto", desabafou..O plano do Reino Unido era sair da UE a 29 de março de 2019, mas a incapacidade da então primeira-ministra britânica Theresa May em fazer passar o seu acordo de saída em Westminster obrigou a adiar a data para 31 de outubro - e, já com Boris Johnson, para 31 de janeiro de 2020. Mas o adiamento obrigou também os britânicos a realizar eleições europeias em maio, quando os restantes 27 foram a votos preparados para o novo cenário no Parlamento Europeu. De 751 representantes, este iria ficar só com 705, sendo redistribuídos 27 dos 73 lugares ocupados até então pelo Reino Unido (os outros ficam reservados para um eventual alargamento). Nas contas, 14 países conquistaram eurodeputados: cinco no caso de Espanha e França, três para os Países Baixos e Itália, dois para a Irlanda e um para Finlândia, Suécia, Croácia, Eslováquia, Roménia, Dinamarca, Polónia, Estónia e Áustria. O problema é que eles tiveram de ficar à espera do Brexit.."Acho que foi errado continuarmos a adiar o Brexit, não porque eu esteja feliz com o Brexit, lamento-o profundamente, mas eles ganharam o referendo e temos de respeitar isso. Sempre achei uma causa perdida ficar à espera de um segundo referendo", referiu Gozi no seu novo gabinete, curiosamente no edifício batizado em homenagem ao ex-primeiro-ministro britânico Winston Churchill. "Por isso eu era um eurodeputado congelado, eleito mas não membro, no limbo." Com o Brexit, o italiano faz a volta completa das instituições europeias: antes trabalhou para os presidentes da Comissão, Romano Prodi e Durão Barroso, e foi subsecretário de Estado dos Assuntos Europeus durante a presidência italiana do Conselho da UE. "Sou um europeu convicto", congratulou-se..Tempo de espera."Estava à espera de que o Brexit não acontecesse. Não queria que saíssem da UE e não estava desejosa de chegar aqui, não assim. Não me preparei para isto", contou a eurodeputada Alviina Alametsä, da Finlândia, que aos 27 anos é uma das mais novas no hemiciclo (o recorde cabe à dinamarquesa Kira Marie Peter-Hansen, de 21 anos). "Mas agora que estou aqui acho que é positivo. Os finlandeses em geral não apoiam o Brexit, mas as pessoas que apoiam os direitos humanos e os valores verdes ficaram felizes porque agora têm mais alguém a defender isso", disse a eleita pela Aliança dos Verdes, olhando em volta para o edifício. Nas mãos tem a sanduíche que está a trincar antes de se ouvir o sinal sonoro de chamada para a sessão de votações no hemiciclo.."Fomos eleitos eurodeputados. Não estamos aqui só por causa do Brexit", lembrou o estónio Terras, explicando que continuou a trabalhar na empresa de tecnologia que criou após reformar-se da carreira militar. "Não esperei por nada, continuei a trabalhar como antes. Só quando Boris Johnson ganhou as eleições no início de dezembro é que comecei a pensar no tema. Porque não fazia sentido para mim sentar-me em duas cadeiras e não estar completamente focado em nenhuma delas. Estava a trabalhar a tempo inteiro na minha empresa e agora estou a tempo inteiro aqui", indicou num dos cones de silêncio disponíveis para os jornalistas, no meio do caos do local onde televisões e rádios preparam os diretos..Também Marcos Ros não deixou o seu trabalho de professor universitário, limitando-se a intensificar os contactos e a seguir os debates e as notícias europeias à espera de que chegasse o seu momento. "Também estive em contacto com a delegação socialista espanhola e todas as iniciativas que foram fazendo para não chegar aqui de surpresa, como quando acontece uma substituição de alguém que sai inesperadamente. Era uma coisa que se sabia desde julho que chegaria, que tardaria mas chegaria, e deu-me a oportunidade de me ir preparando", acrescentou o espanhol, depois de participar na primeira sessão de votação em Estrasburgo..No caso de Clara Ponsatí não bastava o Brexit para poder assumir o cargo para o qual foi eleita em Espanha. A catalã, que se autoexilou na Escócia para evitar o julgamento do processo independentista, precisava ainda de uma decisão do Tribunal Europeu de Justiça sobre se podia ou não assumir o cargo sem passar por Madrid. O ex-presidente da Generalitat Carles Puigdemont e o ex-ministro catalão da Saúde Antoni Comín, autoexilados na Bélgica, não foram autorizados a tomar posse em julho. "Em dezembro houve a decisão do tribunal a favor e aí disse, Clara, parece que vais pôr em pausa a tua vida académica e que vais para a política", explicou a eurodeputada eleita pelo Junts per Catalunya, que não está em nenhum grupo político..Ponsatí, ex-conseller da Educação, considera que a sua carreira política institucional está a começar só agora. "Era uma académica até julho 2017, quando Puigdemont me convidou para fazer parte do governo dele e eu acedi porque queria apoiar a sua tentativa de ter um referendo à independência. A minha ideia era que ia ser difícil, mas curto. Tinha claramente a ideia de que não ia entrar para a política profissional, era apenas um serviço patriótico temporário", explicou. "Foi muito difícil e uma das consequências é que desde outubro de 2017 estou exilada, não posso voltar para a minha casa, porque se o fizer vou acabar na prisão." Devia haver 705 eurodeputados após o Brexit, mas outro independentista catalão, Oriol Junqueras, foi condenado e está preso, tendo perdido o mandato. Não será substituído..Dentro de semanas, os eurodeputados terão de decidir sobre a imunidade parlamentar da própria Ponsatí e dos restantes independentistas catalães. "Vamos defender o nosso caso, de que esta é uma perseguição política e não devia ser aceite", explicou, reconhecendo contudo que há uma maioria contrária. "Mas, mesmo nesse caso, vamos continuar a servir como eurodeputados e teremos de enfrentar julgamentos de extradição", disse. "Contudo, enquanto estes casos forem vistos por juízes independentes e democráticos, confiamos que não será autorizada e poderemos continuar a servir como eurodeputados todo o mandato.".Apesar de a causa independentista ser "maior do que qualquer um de nós" e precisar "do máximo tempo que pudermos dar", Ponsatí explicou que não irá falar só sobre isso. "Vamos ser ativos noutros tópicos", explicando que estará na comissão de Indústria, Investigação e Energia..Um labirinto.Uma vez por mês, a cidade francesa de Estrasburgo torna-se o centro da política europeia, acolhendo os mais de 700 eurodeputados e as suas equipas. Para os recém-chegados, encontrar o caminho nos cinco edifícios que compõem o Parlamento Europeu (o hemiciclo fica no Louise Weiss, inaugurado em 1999) não é tarefa fácil.."Infelizmente já me perdi. Acho que quem concebeu este velho edifício e o novo edifício estava sob o efeito de drogas. Porque estão feitos para nos perdermos. Estão feitos para dizermos que estamos num labirinto, que é a mensagem oposta àquela que a Europa devia passar", lamentou-se Gozi, admitindo que também tem um problema, porque por muitas vezes que visite o edifício acaba sempre por se perder. Quando deixa o gabinete, o truque para já é tentar regressar pelo mesmo caminho. Para chegar ao hemiciclo tem de encontrar primeiro o elevador ou as escadas, descer um andar, atravessar uma ponte de vidro que faz a ligação entre o edifício Winston Churchill e o Louise Weiss, por cima de um dos braços do rio Ill.."Não me perdi uma vez nem duas vezes. Perco-me sempre que tento ir ao meu gabinete sozinha sem a minha assistente", reconheceu também Ponsatí. "Não sei quantas sessões será preciso até poder movimentar-me sozinha. É um edifício muito bonito, mas não é fácil movermo-nos. Espero que outras questões do Parlamento Europeu sejam mais fáceis de gerir do que os edifícios", referiu, sentada no bar destinado aos eurodeputados, ao lado do hemiciclo. Também Alametsä admitiu que já se perdeu, mas que espera dar conta do recado em breve. Para já, ainda não tem assistente, por isso não pode contar com esse apoio extra..Mais sorte tiveram até agora Riho Terras e Marcos Ros. "Ainda não me perdi. Como ex-militar consigo orientar-me nos mapas, por isso isto para mim não é um desafio", afirmou o estónio. Já o espanhol tem outro trunfo na manga: "Não me perdi, mas só por uma coisa. Vai soar muito pretensioso, mas sou arquiteto e quando entro num edifício faço um mapa na cabeça. É um edifício complicado, mas não me perdi.".Um no meio de centenas.Os eurodeputados britânicos deixaram Bruxelas numa sessão emotiva, com os colegas de bancada a cantar Auld Lang Syne (música popular de despedida que é muitas vezes cantada para comemorar o início do Ano Novo nos países de língua inglesa) no final da sessão de 29 de janeiro. Mas não houve música para os novos representantes europeus na estreia em Estrasburgo, na passada segunda-feira, dez dias após tomarem posse. Apesar do atraso de sete meses em relação aos que já andam a percorrer estes corredores desde junho, querem deixar a sua marca.."Nós, militares, dizemos que mesmo só um soldado no campo de batalha não deixa de ser um soldado. Se não temos um, não podemos ter centenas ou milhares. Eu sou esse um", explicou Terras. O sétimo eurodeputado da Estónia ("foram os senhores belgas que fizeram os cálculos, por isso acho que devem estar certos") explicou que a força não está na nacionalidade, mas no grupo político. "Podemos aumentar a nossa influência através da nossa pertença partidária. E eu sou membro da maior família política, o PPE [Partido Popular Europeu], que é o único que tem representantes de todas as nações europeias. Sou líder de delegação e isso coloca-me entre os 27 que decidem as coisas no PPE. Por isso acho que é através dessa influência que uma só pessoa, de um pequeno país, pode fazer mais", indicou..Da sua parte, apesar da carreira militar, optou por não estar na subcomissão de Defesa, dentro da dos Assuntos Externos. "Se alguém perguntar a minha opinião, claro que a irei dar se houver um debate no plenário sobre o tema, mas há três estónios na comissão, incluindo dois ex-chefes da diplomacia", indicou, dizendo que o tema é importante no quadro da NATO, mas que a UE tem a sua influência em matéria económica. Está por isso na Comissão da Energia e quer ser a voz dos agricultores do seu país..Do local para o europeu.A finlandesa Alviina Alametsä admitiu que as coisas são diferentes a nível local, onde já trabalhou, tendo sido vereadora em Helsínquia. "Trabalhei desde 2017 na iniciativa de criação de clínicas abertas para a saúde mental, para o tratamento de depressão e coisas do género. E no ano passado abriu a primeira. É muito rápido passar iniciativas a nível local e vê-las aplicadas. Aqui demora mais tempo, é a principal diferença", indicou, explicando que quer ver a UE a estabelecer políticas claras em relação às alterações climáticas, de igualdade de género e em saúde mental. Como membro da Comissão de Assuntos Externos, quer que seja dado destaque à "diplomacia climática", com a UE a pressionar países como China, EUA e Rússia para darem também o seu contributo para a redução das emissões de carbono..Sobre se conseguirá ter impacto, disse que vai tentar. "Parte da minha personalidade, a forma como fiz as coisas acontecer em Helsínquia, foi por ter um plano concreto. Encontrei-me com os peritos, com todos os grupos políticos, tentei ter o apoio de todos os partidos e depois avançar. É mais fácil assim. E é o que vou tentar fazer também aqui. Penso que é possível, mas tenho 27 anos, acho que vou ter tempo", explicou..Marcos Ros, cuja experiência política também era até agora a nível local, admitiu que as coisas levam mais tempo, mas no final às vezes ouve-se que uma diretiva ou uma resolução foram aprovadas por causa da influência de um eurodeputado. "Ainda não sei se um eurodeputado em mais de 700 pode ter força, mas eu tenho uma delegação espanhola socialista, um grupo socialista, há alianças que se tecem. Ou seja, partindo de um, pode chegar-se muito longe. Entendo que só um não pode chegar a nada, mas no final é uma questão de negociar, falar, tecer alianças", indicou, dizendo que é "apaixonante" e que há muitas mais coisas a acontecer do que o que parece. "De fora parece que o Parlamento Europeu debate quatro coisas, mas quando entras descobres que há uma infinidade de debates, propostas, atividades, encontros... e isso é o que mais surpreende, a quantidade de atividade permanente.".Como único representante de Múrcia no Parlamento Europeu, Ros quer ser a voz dos murcianos no hemiciclo, mas também do mar Menor. "É um ecossistema, uma lagoa salgada que é a mais importante no Mediterrâneo e que está deteriorada", explicou, apontando o dedo a três décadas de gestão da direita. "Gostaria de ser a voz do mar Menor aqui e conseguir que a Comissão Europeia, que o Parlamento, se envolva na regeneração, tanto no investimento de fundos, como na criação de diretivas se for possível e sobretudo na aplicação de sanções", disse..Listas transnacionais.A batalha que Gozi disse ter pela frente prende-se com a política transnacional. "Nunca teremos uma verdadeira democracia europeia sem um verdadeiro movimento político transnacional", explicou, lembrando que a proposta que fez em 2016, três semanas após o referendo do Brexit, na altura em nome do governo italiano, já ia no sentido de os lugares dos eurodeputados britânicos irem para listas transnacionais. "Perdemos a batalha no Parlamento Europeu, porque o PPE e o bloco nacionalista destruíram o projeto, mas quando Macron decidiu fazer em França o que não pudemos fazer no resto da Europa, isto é, uma lista transnacional com sete nacionalidades, disse que era essa a minha aposta.".Apesar de o grupo Renovar a Europa ter perdido 11 membros, o italiano acredita que ainda continua a ser chave em Estrasburgo. "Estamos até agora satisfeitos com o nosso papel, porque a agenda política da presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, é largamente baseada e influenciada pela nossa delegação e também estamos a trabalhar para tentar atrair novos membros." Em relação ao seu impacto, admitiu que ainda tem muito que aprender e que o legado será o resultado do trabalho coletivo..A jornalista viajou a convite do Parlamento Europeu