Se não se conhecesse Florence Welch de outros Carnavais, poderia pensar-se que integra a categoria das "amigas da onça". Porquê? Simples: só na canção de despedida deste álbum, a confessional (são praticamente todas...) No Choir, é que ela nos explica que tem grande dificuldade em escrever sobre a felicidade, estado que entende - e está no seu direito - que não dispõe de "acontecimento" para inspirar cantigas. Pelo menos as que quer mostrar e registar. Muito agradecidos mas, por essa altura, o aviso é redundante - para trás, já ficaram temas tão "levezinhos" como os distúrbios alimentares e outras fomes, a perda de uma pessoa muito amiga, o alcoolismo e outras dependências, a solidão, a violência (mais coletiva ou mais íntima), o desafio a um Deus que "tem de ser grande", entre outras matérias que nos vão deixando em alerta. Já se percebeu: quem quiser esgrimir argumentos perante a ideia feita de que música pop anda de mãos dadas com a frivolidade passa a dispor de mais, com High as Hope, de um desmentido formal a essa convicção..Erro será presumir que Miss Florence constrói com este disco - o primeiro desde que completou 30 anos, o que pode tornar-se mais importante do que parece - a sua versão do "muro das lamentações". Menos exuberante e épica do que em capítulos anteriores, a cantora - e agora também coprodutora - não abandona uma construção de cantiga que já lhe vale como um emblema: parte várias vezes da voz, poderosa, acutilante, irresistível, para depois, em crescendo, deixar entrar os instrumentos, até ao galope final. Evoca-se um título de filme (muito bom, de Sydney Pollack) para fixar uma imagem: A Flor à Beira do Pântano. Ou seja, pelo meio das angústias, dos dramas, dos reveses, a dama vai plantando beleza, acabando - insiste-se: muito à força de garganta, reinventando harmonias vocais, contrapontos e coros como já não se vê muito - por seduzir a partir do improvável. Uma variante certeira da harmonia no caos. Quem ouvir Hunger ou Sky Full of Song, curiosamente as duas canções já destacadas do álbum, saberá de imediato o que o espera. E é muito bom..Além da chegada de Florence Welch à "sala das máquinas" (leia-se "produção"), há dois nomes grandes com colaborações, desiguais, neste disco: o saxofonista Kamasi Washington e o baterista, adepto da eletrónica, Jamie xx. Ainda assim, mesmo com a longa lista de participações, este é outra vez um disco pensado e concretizado na primeira pessoa. O que nos permite reencontrar, em pleno, alguém que canta, de forma transparente, para espantar os males - os dela e os nossos..Florence and the Machine.High as Hope, Ed. Virgin.PVP: 16,99 euros
Se não se conhecesse Florence Welch de outros Carnavais, poderia pensar-se que integra a categoria das "amigas da onça". Porquê? Simples: só na canção de despedida deste álbum, a confessional (são praticamente todas...) No Choir, é que ela nos explica que tem grande dificuldade em escrever sobre a felicidade, estado que entende - e está no seu direito - que não dispõe de "acontecimento" para inspirar cantigas. Pelo menos as que quer mostrar e registar. Muito agradecidos mas, por essa altura, o aviso é redundante - para trás, já ficaram temas tão "levezinhos" como os distúrbios alimentares e outras fomes, a perda de uma pessoa muito amiga, o alcoolismo e outras dependências, a solidão, a violência (mais coletiva ou mais íntima), o desafio a um Deus que "tem de ser grande", entre outras matérias que nos vão deixando em alerta. Já se percebeu: quem quiser esgrimir argumentos perante a ideia feita de que música pop anda de mãos dadas com a frivolidade passa a dispor de mais, com High as Hope, de um desmentido formal a essa convicção..Erro será presumir que Miss Florence constrói com este disco - o primeiro desde que completou 30 anos, o que pode tornar-se mais importante do que parece - a sua versão do "muro das lamentações". Menos exuberante e épica do que em capítulos anteriores, a cantora - e agora também coprodutora - não abandona uma construção de cantiga que já lhe vale como um emblema: parte várias vezes da voz, poderosa, acutilante, irresistível, para depois, em crescendo, deixar entrar os instrumentos, até ao galope final. Evoca-se um título de filme (muito bom, de Sydney Pollack) para fixar uma imagem: A Flor à Beira do Pântano. Ou seja, pelo meio das angústias, dos dramas, dos reveses, a dama vai plantando beleza, acabando - insiste-se: muito à força de garganta, reinventando harmonias vocais, contrapontos e coros como já não se vê muito - por seduzir a partir do improvável. Uma variante certeira da harmonia no caos. Quem ouvir Hunger ou Sky Full of Song, curiosamente as duas canções já destacadas do álbum, saberá de imediato o que o espera. E é muito bom..Além da chegada de Florence Welch à "sala das máquinas" (leia-se "produção"), há dois nomes grandes com colaborações, desiguais, neste disco: o saxofonista Kamasi Washington e o baterista, adepto da eletrónica, Jamie xx. Ainda assim, mesmo com a longa lista de participações, este é outra vez um disco pensado e concretizado na primeira pessoa. O que nos permite reencontrar, em pleno, alguém que canta, de forma transparente, para espantar os males - os dela e os nossos..Florence and the Machine.High as Hope, Ed. Virgin.PVP: 16,99 euros