Finalmente, o Museu Gulbenkian como a diretora o pensou

Três novas exposições, a partir de hoje, marcam o arranque da programação do Museu Gulbenkian segundo Penelope Curtis.
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"A nova fórmula será uma mistura entre estável e em mudança, antigo e novo, português e estrangeiro, pago e gratuito", resume Penelope Curtis sobre a nova programação, a sua, do Museu Gulbenkian, a partir das duas coleções da Fundação - histórica e moderna - apresentada ontem, a propósito da abertura, hoje, de três novas exposições: a de escultura do século XX que fecha o ciclo Portugal em Flagrante, o projeto do artista húngaro Támas Kaszas e o trabalho de Manuela Marques em diálogo com a coleção do fundador.

"Foi um trabalho exaustivo para todos nós", afirma Penelope Curtis, chamada a unir as duas coleções do Museu, a do Fundador e a Moderna, no outono de 2015. "Decidimos abrir tudo ao mesmo tempo para terem uma perspetiva geral".

Ao todo serão nove exposições por ano, em diferentes escalas: "Duas grandes, duas médias e quatro projetos". E também nova bilhética (10 euros para ver as coleções do museu, 14 para ver também as exposições temporárias).

Panorama da coleção moderna

É pela coleção moderna que a conversa com os jornalistas arranca. "Não vai parecer sempre igual, mas está sempre aqui a coleção moderna", afirma. "Queremos fazer duas coisas: uma apresentação mais informativa para o novo visitante, estrangeiro ou português, e um recurso para escolas e universidades", explica.

A história começa em 1900, com alguns empréstimos do Museu do Chiado e da Escola de Belas Artes, e vem até aos dias de hoje, dividida em três níveis: o piso -1 é uma apresentação histórica, a partir da coleção de obras em papel; o piso 1 está reservado à pintura; a nave central, inaugurada hoje, é dedicada à pintura. Sempre de forma cronológica. "Também vamos mostrar algumas peças da coleção do fundador, porque ele tinha escultura do início do século XX", explica Penelope Curtis. No final da exposição encontram-se duas das mais recentes aquisições do Museu: uma obra do português Miguel Palma, outra da brasileira Lúcia Nogueira.

A exposição na nave central dá um novo discurso sobre a história da escultura, incluindo a pública, que, na impossibilidade de trazer para dentro do Museu Gulbenkian, é referida em fotografia, como se percebe na imagem da estátua de Calouste Gulbenkian, de Leopoldo de Almeida (1965) e na do monumento de Pedro Cabrita Reis A Azeredo Perdigão, advogado do filantropo arménio e presidente da Gulbenkian quando o Centro de Arte Moderna foi fundado, em 1983.

Mantém-se o nome Portugal em Flagrante. "Achamos que é uma maneira de falar mais abertamente sobre a relação entre as estruturas políticas e a arte e o movimento dos artistas, cá e lá fora. Um dos subtemas é que, frequentemente, os artistas portugueses estão em Londres ou em Paris", nota a diretora. "Em alguns casos, algumas peças estrangeiras serão mostradas ao lado dos artistas portugueses para estabelecer essas ligações". "Temos uma panorama completo, da Primeira República até agora", considera a diretora do museu. Com a exposição, desmontaram-se, para a diretora, britânica, referências usadas na arte britânica, francesa ou alemã de antes, durante ou pós-guerra. "A história portuguesa não tem isso".

Espaço Projeto: o que muda mais

"Onde vão ver mais mudanças é no Espaço Projeto", afirma Penelope Curtis. "Com a estabilidade da coleção moderna sentimos necessidade de ter um espaço que mudasse mais depressa e mostrasse artistas mais jovens, e estrangeiros, por isso abrimos a série com um jovem artista húngaro, Támas Kaszás, que faz um projeto sobre sustentabilidade e a maneira como vivemos agora, na relação da galeria com o jardim e cultura no sentido mais lato, a atmosfera em que vivemos".

Kaszás (n. 1976) terminou ontem de manhã a montagem da exposição. "Ainda está fresca", diz, literal, Penelope. Parte das plantas usadas na obra Famine Food foram recolhidos no jardim da Gulbenkian. Trata-se de alimentos que se encontram na natureza. São usados em tempos de guerra ou fome e depois abandonados por estarem relacionados com esse trauma, com explica a curadora, Rita Fabiana.

Esta é a primeira exposição do artista em Portugal, mas não a sua primeira experiência por cá, após a participação no denominado Projeto 270, uma quinta na Costa de Caparica, que resultou na obra Disco Batata que também está no antigo Centro de Arte Moderna. "Ele [Kaszás] tem a sua própria terra no Danúbio", remata a diretora. Este projeto, Alegria e Sobrevivência, fica até 15 de maio. Segue-se a britânica Emily Wardill (n. 1977) que vive e trabalha em Lisboa desde 2012. A exposição é realizada em parceria com o museu norueguês Bergen Kunsthall, permitindo a encomenda de uma novo trabalho fílmico.

Diálogo entre presente e passado

"Embora tenhamos mais estabilidade, também vamos ter mais mudanças na coleção do fundador", afirma Penelope Curtis, introduzindo um novo formato que acontecerá três vezes por ano: Conversas. "Entre a coleção histórica e contemporânea, potencialmente entre Este e Oeste", explica. "A primeira é com a artista portuguesa Manuela Marques, que vive em França, onde é mais conhecida, em relação com os objetos que Gulbenkian, ele próprio, comprou de Versalhes. Ele adorava objetos de proveniência real", frisa.

Manuela Marques e Versailles. A face escondida do sol está na galeria de exposições temporárias do piso inferior do museu da coleção do fundador, até 22 de maio. A artista, vencedora do prémio BES Photo 2011, mostra o resultado das suas pesquisas no palácio da corte francesa, às segundas-feiras, dia em que o monumento se encontra encerrado ao público.

No piso superior há "uma intervenção ligeira no museu, temporária", continua Penelope Curtis. As fotografias da artista Manuela Marques misturam-se com as peças de época, algumas trazidas de propósito. "É também uma maneira de mostrar material das reservas", afirma Penelope Curtis. Estão identificados com painéis magenta, pontuando o percurso pela coleção do século XVIII do museu, entre peças que pertenceram a Versalhes e outro mobiliário de luxo.

Livros raros são alguns dos objetos trazidos para a exposição, como nota João Carvalho Dias, curador da exposição com Nuno Vassalo e Silva. Na coleção de Calouste Sarkis Gulbenkian existe, por exemplo, uma biografia de Maria Antonieta que continha no interior uma carta manuscrita pelo rei Luís XVI.

O próximo artista a entrar nestas conversas é o suíço Helmut Federle (n.1944), com Cerâmica Islâmica Abstrata, que "conversa" com a coleção do fundador.

Duas temporárias por ano

Na galeria principal, onde se pode ver Almada Negreiros: Uma Maneira de Ser Moderno (até 5 de junho), a programação de Penelope Curtis prevê duas exposições temporárias por ano, no Inverno, com peças de empréstimo, e no verão. "Queremos repetir a experiência de Linhas do Tempo, com uma exposição gratuita, para que qualquer pessoa possa vir, e aí usaremos a coleções do Museu". A próxima, a partir de 13 de julho (e até 2 de outubro), explora a relação entre filme, fotografia e escultura antiga, com seis filmes de artistas contemporâneos, entre eles Rosa Barba e Fiona Tan, imagens recentes e de arquivo e esculturas do acervo do museu. Chama-se, para já, The Very Impress of The Object, e Penelope Curtis é a curadora.

No inverno, Do Outro Lado do Espelho, com curadoria de Rosa Figueiredo e Leonor Nazaré, explora o espelho na pintura e na arte contemporânea, da Renascença aos dias de hoje, a partir das coleções da casa e de empréstimos de instituições europeias, como os Museus Thyssen e o Reina Sofia, em Espanha, ou a Leeds Art Gallery.

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