Fillon dali não sai e dali ninguém o tira a não ser talvez Alain Juppé
Foi enquanto François Fillon discursava ontem, perante grupos de apoiantes da sociedade civil, que Bernard Accoyer, secretário-geral d"Os Republicanos, partido que apoia o candidato, decidiu antecipar para amanhã a comissão política que estava marcada para terça, com o intuito de "avaliar a situação".
Até quando irá resistir François Fillon? Nas eleições presidenciais francesas tudo parece depender da resposta a esta pergunta. Apesar de cada vez mais pressionado para atirar a toalha ao chão e sair de cena, o candidato da direita tradicional mostra-se, pelo menos para já, imperturbável na decisão de continuar na corrida, contra tudo e contra todos. Fillon parece mesmo ter adotado como mantra os versos "daqui não saio, daqui ninguém me tira".
Mesmo que em política seja sempre demasiado cedo para escrever epitáfios, a última semana deverá, ao que tudo indica, ter sido fatal para as aspirações de François Fillon. Ficou a saber-se que será constituído arguido - no caso dos alegados empregos fictícios que terá oferecido à mulher e aos filhos - e viu muitos à sua volta abandonarem o barco, inclusivamente o diretor de campanha. Patrick Stefanini ainda estará hoje na organização do comício que Fillon irá dar na praça do Trocadéro, em Paris, mas amanhã passará a pasta a Vincent Chriqui.
Depois de saber a decisão dos três juízes de instrução que o convocaram para estar presente em tribunal no dia 15 de março, Fillon disse estar a ser vítima de um "assassinato político". O ataque à Justiça não foi bem recebido, chegando a haver comparações com Donald Trump. Ontem, no Twitter, Xavier Bertrand, presidente da região dos Hauts-de-France e ministro do Trabalho quando Fillon era primeiro-ministro, deu mais uma pequena facada no candidato, ao fazer saber que não irá marcar presença no comício de hoje porque "numa República não se deve achincalhar a Justiça".
Bruno Le Maire - principal conselheiro de Fillon em política externa e ex-ministro da Agricultura - também bateu com a porta, explicando que o fazia por uma questão de princípio. Fillon tinha dito que desistiria das eleições se fosse colocado sob investigação formal, mas acabou por dar o dito pelo não dito. O mesmo Bruno Le Maire veio ontem afirmar, numa entrevista ao Le Figaro, que Alain Juppé deveria substituir Fillon na corrida ao Eliseu. O ex-primeiro-ministro (1995--1997) foi derrotado por Fillon nas primárias, mas começam a ser cada vez mais as vozes a defender que só essa substituição poderá salvar a direita tradicional.
Uma sondagem da Odoxa mostra que Juppé poderia baralhar por completo as contas para as presidenciais (que se disputam a 23 de abril e a 7 de maio). Neste momento, com Fillon pelas ruas da amargura - aparece em terceiro lugar na primeira volta e soma apenas 19% dos votos (ver infografia) -, o centrista Emmanuel Macron, de 39 anos, parece bem encaminhado para tornar-se o próximo presidente de França. Todos os estudos de opinião dizem que o ex-ministro da Economia levará a melhor sobre a líder da Frente Nacional, Marine Le Pen, na segunda volta. Mas tudo pode mudar. Uma eventual desistência de Fillon conjugada com uma entrada em cena de Juppé tornaria muito mais apimentada a corrida eleitoral. De acordo com a sondagem da Odoxa, Juppé venceria a primeira volta e disputaria o duelo decisivo com Macron. As contas parecem simples para a direita tradicional: o sacrifício de Fillon é a única saída para alimentar a esperança do regresso ao Eliseu.
Ontem, em pouco mais de meia hora de discurso, Fillon fez uso de várias figuras históricas francesas, como no momento em que citou o general Charles de Gaulle: "Há um pacto vinte vezes secular entre a grandeza de França e a liberdade do mundo". O candidato jogou também ao ataque, dizendo-se "em cólera contra os cínicos e os derrotistas". Fillon não quer "mais maledicência" porque, "apesar de todos os problemas, [do regime] das 35 horas e dos défices, França continua a ser a quinta potência do mundo". Reiterou que quer um Estado forte e prometeu um "choque positivo" nos primeiros três meses de mandato, para dar "pujança" à criação de emprego. Até quando irá resistir François Fillon? Até ao fim? Ou só até amanhã? "Esta campanha é um estranho combate", resumiu o candidato no discurso em Paris.