Três homens e um destino: a luta que já era acesa antes do fogo
O interior do país é, por estes dias, um terreno pouco fértil para fazer apostas eleitorais. E entre os concelhos afetados pelos incêndios deste verão há um em que a luta se avizinha escaldante: Figueiró dos Vinhos, aquele onde há quatro anos o PS ganhou por 19 votos, para surpresa do próprio candidato, Jorge Abreu, que chegara a cabeça-de-lista pela mão de Carlos Lopes, político local já tarimbado.
Ora acontece que o presidente tomou o gosto à função, e parte para a recandidatura, tendo como adversário aquele de quem foi número dois - o próprio Carlos Lopes, ex-deputado que há quatro anos não se pôde candidatar à conta de um processo judicial. "Ele pensava que eu ia perder, e que depois podia aparecer como o salvador do partido. Mas enganou-se", aponta Jorge Abreu, orgulhoso do trabalho de recuperação financeira que diz estar a fazer ao leme da autarquia, baixando para metade a dívida de sete milhões e meio de euros. Junta-se a este combate Filipe Silva, cabeça-de-lista pela coligação PSD-CDS, esperançoso em traduzir para a câmara a tradicional votação laranja do eleitorado, quando se trata de eleições legislativas. "O problema é que aqui as pessoas sempre souberam fazer essa distinção, quando é para autárquicas", riposta Jorge Abreu, embora certo de como esta vai ser uma luta renhida.
O presidente e candidato do PS fala de um concelho em requalificação, enquanto aponta projetos, obra feita ou em vias de o ser. Do outro lado, é como se falássemos de terras diferentes. Filipe Silva - que tal como Carlos Lopes é funcionário da autarquia - aponta o dedo à falta de emprego e captação de investimento. "Por isso estou determinado em ganhar a câmara. Temos um bom programa, uma excelente equipa, o concelho estagnou e nós é que somos a alternativa." Presidente da maior junta de freguesia do concelho - Figueiró dos Vinhos e Bairradas - o cabeça-de-lista da coligação PSD-CDS acumula ainda a direção dos Bombeiros. "Desta vez decidimos juntar forças para poder levar a bom porto o nosso projeto", disse ao DN.
Carlos Lopes começou a desenhar a candidatura independente há muito tempo, sendo que muitos dos seus apoiantes vêm da área do PS. Jorge Abreu acha normal que isso aconteça, Filipe Silva sustenta que "a candidatura independente é tudo menos independente. É de dissidentes. E traz algum ajuste de contas com o partido. Como não tem nada a perder, oferece tudo. E nós temos de ser responsáveis, não podemos chegar junto do eleitorado e enganar as pessoas". De novo, parece termos chegado a outro concelho, sem nunca sair do centro da vila. Carlos Lopes exibe orgulhoso mais de mil assinaturas e acredita que tem "todas as condições para ganhar as eleições. É resultado do que foi a adesão espontânea por parte de uma franja significativa da população". Embalado pela recetividade, revela um número que o satisfaz sobremaneira: "Temos listas em todo o concelho, 53 homens e 50 mulheres". Ele que era um motor do PS no concelho e influente dirigente do Norte do distrito, recusa a ideia de revanche. Mas lá admite que deixou de se rever em determinados princípios. "Percebi que aos poucos estava a ser dispensado e não gosto de estar a mais onde não sou necessário. Também fui percebendo que para contribuir para a terra não é necessário ter filiação partidária."
Carlos Lopes desvaloriza o afastamento do partido em que militou mais de 20 anos e concentra baterias nesta eleição. "Estou muito preocupado com a unidade, com a paz social, com a crispação que se vive no concelho de Figueiró dos Vinhos. É um concelho pequeno demais para que haja tanta crispação. E eu, com este estatuto de independente estou mais à vontade para fazer as pontes necessárias." Antigo chefe de gabinete da autarquia, ao tempo de outro veterano socialista, Fernando Manata, Lopes assume esse discurso apaziguador e fala sempre no coletivo: "Estamos preocupados com o marasmo de Figueiró. Temos de ter aqui uma nova abordagem e nova visão do investimento e da promoção do concelho. E tenho muito receio de que a situação conjuntural que agora vivemos venha a converter-se em estrutural."
Só há um ponto em que todos os candidatos convergem: o combate à desertificação. "Estou muito preocupado com a perda acentuada e progressiva da nossa população", diz Carlos Lopes, enquanto fala de 400 eleitores perdidos nos últimos quatro anos. Filipe Silva gostava de ver os jovens da terra a regressarem depois dos estudos, como ele fez. E Jorge Abreu está convicto de que já está a inverter essa curva. "Veja bem que além de herdar a pior situação financeira de sempre, nesta minha estreia como autarca calhou-me a maior tragédia de sempre, com os incêndios. Mas estamos a dar a volta e vamos transformar a tragédia numa vantagem para o concelho."
Na vila, ninguém aponta vencedores, até pela experiência dos anos passados. Em 2013 Jorge Abreu ganhou a câmara por 19 votos e viu-se obrigado a fazer um jogo de cintura com o CDS, na assembleia municipal. Como mais votado nas urnas não fora Fernando Manata (candidato do PS), mas sim Margarida Lucas (PSD), seria preciso o voto favorável dos centristas para o eleger presidente. Ora, do lado de lá... nada feito. Foi então que o PS se chegou à frente com Carlos Silva, o líder nacional da UGT, residente no concelho. E que acabou por ser presidente da AM, cargo a que agora se recandidata. Falta ainda contar a última parte, pois que a CDU também entra na corrida. Fá-lo com Fernando Valdez, jornalista aposentado, vindo diretamente da capital para o interior do país. E que dali levará uma grande história para contar.