Menos testes de rastreio são uma preocupação para especialistas
Portugal registou ontem 511 casos e duas mortes. De acordo com o boletim diário da Direção-Geral da Saúde (DGS), há uma semana que o número de casos tem vindo a aumentar e há seis dias que o valor do R(t) - ratio de transmissão da doença se mantém acima de 1. No boletim diário, que tem em conta os dados avaliados pelo Instituto Nacional de Saúde Ricardo Jorge (INSA), este índice estava ontem a 1.02 a nível nacional, mas nas estimativas da equipa da Faculdade de Ciências de Lisboa que faz a modelação da evolução da doença desde o início da pandemia o R(t) já é superior. "Na minha estimativa - elaborada por um método mais rápido do que o do INSA, que tem um atraso de cinco a sete dias, o que quer dizer que o R(t) do boletim de hoje reporta aos dias 13 ou 14 de maio - já está em 1.10".
Para o professor, a subida do R(t) para mais de 1 é sempre um sinal de alerta e não pode estar a este valor mais de 15 dias. Neste momento, pelos dados do INSA está há seis dias acima de 1 e na modelação da Faculdade de Ciências há oito.
Carlos Antunes sublinha que tanto a incidência da doença como o R(t) têm vindo a ter uma subida gradual desde o dia 4 de maio, o que pode ter a ver com o início desta fase de desconfinamento no dia 1 de maio e não propriamente com os festejos do Sporting há uma semana.
Destaquedestaque"O número de de testes de rastreio à covid-19 tem vindo a cair desde o dia 26 de abril , depois de ter atingido um máximo de 98 744 testes no dia 21. No dia 17 de maio, foram feitos 41 263".
A grande preocupação neste momento é que a subida do R(t) não está a ser acompanhada por uma monitorização ao mesmo ritmo. Ou seja, "com uma testagem em massa ao nível da que se fez logo a seguir à primeira fase do desconfinamento".
Nos gráficos publicados no site da DGS, o número de testes de rastreio à covid-19 tem vindo a cair desde o dia 26 de abril, depois de ter atingido um máximo de 98 744 testes no dia 21 abril. No dia 26, foram feitos 53 464 testes, no dia 30, 64 169, no dia 10 de maio, 39 391, e a 17 de maio, dados mais recentes, 41 263. E Carlos Antunes sublinha: "Os testes PCR mantém-se mais ao menos ao mesmo nível de antes, mas os testes rápidos de antigénio feitos em escolas, em empresas e em outros locais diminuíram muito e não nos podemos esquecer que foi a testagem em massa que permitiu que a incidência da doença não subisse logo na primeira fase do desconfinamento".
O professor relembra ainda a proposta que a equipa da Faculdade de Ciências fez na reunião de 12 fevereiro, a última em que esteve o seu colega, Manuel Carmo Gomes, e também a que serviu de preparação para o desconfinamento. "Nessa reunião, propusemos a testagem em massa como alternativa ao confinamento, mas não é isso que está a ser feito. Há casos, nomeadamente os assintomáticos, que podem estar a escapar à notificação e estar a gerar cadeias de transmissão que se podem multiplicar e só virem a ser apanhadas mais à frente".
Por isso, o alerta do professor vai no sentido de não ser hora para reduzir a monitorização da doença através da testagem, embora o processo de vacinação esteja a correr bem e com impacto na redução de internamentos e na mortalidade . "A testagem é a única forma que temos para isolar os casos e quebrar as cadeias de transmissão. Ao fazermos isso, estamos a controlar a situação", argumentou.
Aliás, Raquel Duarte, a pneumologista do Centro Hospitalar de Vila Nova Gaia, convidada pelo Governo para elaborar a proposta para um desconfinamento mais prolongado, já apresentada ao Executivo e que está a ser debatida, tem vindo a defender que a testagem é um dos vetores fundamentais para se darem passos no caminho da normalidade, a par da vacinação e das regras de proteção individuais.
Quantos aos festejos do Sporting, há uma semana, Carlos Antunes considera que "é cedo para se saber ao certo o seu impacto, mas estimo que este seja baixo. Em termos de percentagem da população, nomeadamente dos 20 aos 39 anos, estimamos que, na taxa de incidência, o impacto possa ser da ordem dos 40 a 80 casos por 100 mil habitantes. Ora, isso corresponde a uma percentagem de 0,08% ou de 1% da população, o que seria mais ao menos entre 4 a 8 casos por cada dez mil pessoas nos festejos".
No entanto, salvaguarda, "nunca se chegou a saber o número de pessoas que terá estado nos festejos e a minha estimativa foi feita com base em cerca de 40 a 50 mil pessoas, mas se tivéssemos o dobro, 100 mil, estaríamos a falar de 40 a 80 pessoas infetadas e este número já se deveria estar a revelar nesta altura, após cinco a sete dias do evento, essencialmente na região de Lisboa, mas esta média até está abaixo da registada em Lisboa e Vale do Tejo em casos diários, atualmente nos 120. Portanto, é um número que se dilui neste universo". Daí, "ser importante manter-se o rastreio em massa ao mesmo nível de abril".
A DGS apelou aos participantes nos festejos que se mantivessem em casa e que fizessem auto testes, mas, no entender de Carlos Antunes, esta não é a melhor solução. "Deveriam ter sido montados postos de testagem para os participantes. As autoridades de saúde locais e o próprio clube deveriam ter pensado nisso. Era a forma de se quebrar precocemente as cadeias de transmissão que pudessem surgir", apontou.
Até agora, o efeito "não é notório nem se prevê que o seja". Neste momento, disse o professor, "ainda não tenho os dados da faixa etária mais jovem da região de Lisboa e Vale do Tejo, dos 20 aos 29 e dos 30 aos 39, para verificar se há algum sinal de subida, mas no global penso que o efeito não será significativo". Para Carlos Antunes a situação que se vive agora, em termos de subida do R(t) e da incidência da doença - que segundo os dados do INSA estava ontem em 51,3, mas que, e nas estimativa do professor já em 54 - ainda não é uma preocupação grave, mas há que estar atento para não se perder o controlo da doença".