Farfetch entrou em colapso? Perguntas e respostas sobre o primeiro "unicórnio" português

Há uma luta pela sobrevivência na empresa cotada em Wall Street e liderada pelo português José Neves. O mercado online está a dar sinais de quebra. Até o ministro da Economia já veio falar sobre os problemas da Farfetch.
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O que é a Farfetch?
Roupas, sapatos, malas, carteiras, óculos e relógios. A Farfetch é uma plataforma online com origem portuguesa e sede em Londres, que revende artigos de boutiques de todo o mundo. Exibe apenas marcas consideradas de luxo: Gucci, Balenciaga, Hugo Boss, Dior, Dolce & Gabbana, entre muitas outras. Há quem lhe chame a Amazon da moda, em alusão à plataforma americana que começou por vender livros pela internet e hoje é um gigante global de comércio.

A Farfetch terá mais de quatro milhões de clientes registados em 190 países e trabalha com mais de 500 boutiques. Além disso, desenvolve serviços de comércio eletrónico para marcas mundiais de vestuário. Foi fundada em 2008 pelo portuense Luís Neves, economista que herdou do avô uma fábrica de calçado. "A ideia da Farfetch surgiu em plena Semana da Moda, em Paris, quando José Neves se apercebeu de que o comércio eletrónico começava a ser uma opção para as empresas em crescimento", escreveu o Jornal de Negócios. "Assim que regressou a Portugal, reuniu-se com engenheiros e começou a delinear a empresa".

Porque é que se fala tanto da Farfetch?
Começou como start-up (negócio inovador com grande potencial de crescimento) e tornou-se muito falada em Portugal como o nosso primeiro "unicórnio", expressão usada no mundo dos negócios para designar uma empresa que atinge um valor de mercado superior a mil milhões de dólares.

Em 2018 entrou para a Bolsa de Nova Iorque e fez-se notada a nível internacional pelo negócio inovador que propunha. "Um comprador em Londres poderia ter uma botas de uma pequena loja de Paris e um cliente de Pequim poderia encomendar uma carteira a oito mil quilómetros de distância, em Veneza", resumiu The New York Times. O ponto alto da empresa de José Neves deu-se em 2021, com uma valorização de mais de 20 mil milhões de dólares (cerca de 18 mil milhões de euros), largamente impulsionada pelo boom do comércio digital durante os confinamentos da pandemia. De repente, começaram as perdas.


Porque é que têm surgido notícias negativas sobre esta empresa?
"Aconteceu o que alguns já vaticinavam: vai em quatro trimestres consecutivos de prejuízos, está a despedir pessoas, as ações desvalorizaram 95% do valor da oferta pública inicial e o seu valor de mercado está abaixo dos 400 milhões", resumiu há poucas semanas em artigo de opinião no DN José Gomes Mendes, professor na Universidade do Mindo e antigo secretário de Estado do Planeamento.

Quer isto dizer que não se cumpriu a promessa de José Neves de que "2023 está preparado para ser um grande ano para a Farfetch". Pelo contrário. No verão anunciou a intenção de dispensar 17% dos seus trabalhadores e já este mês, segundo o Público, decidiu aumentar a cifra para 25%. Oficialmente, a empresa tem nos seus quadros 6.728 funcionários em Portugal, no Reino Unido, em Itália e nos EUA. A maior parte está mesmo no nosso país: 3.342 pessoas.

Tem havido uma sucessão de más notícias, a mais alarmante das quais saiu a 28 de novembro, quando o diário britânico The Telegraph escreveu que a Farfetch está a estudar a saída da bolsa de Nova Iorque, o que a acontecer trará "danos reputacionais imensos", segundo o advogado Pedro Sá, citado pelo Observador. Naquele mesmo dia, o primeiro "unicórnio" português tomou uma decisão invulgar: cancelou a apresentação de resultados trimestrais.

Na última sexta-feira The New York Times dizia que a Farfetch "tem estado a lutar pela sobrevivência", depois de uma semana horrível em que as ações da empresa estiveram a valer menos de um dólar, até um mínimo de 53 cêntimos.

Que diz a empresa?
O silêncio tem sido a regra adotada por José Neves. Não há comentários oficiais sobre os desaires que chegam ao conhecimento público, o que significa que a empresa pode querer proteger-se, incluindo de um processo judicial, conhecido no início do mês, que corre termos num tribunal de Maryland, nos EUA: uma ação coletiva por alegadas "informações falsas" da Farfetch, o que terá lesado vários investidores.

Internamente também há muitas as incertezas e é idêntica a ausência de informação. Estranhamente, a Farfetch antecipou o pagamento dos salários de dezembro dos seus funcionários em Portugal (espalhados por Braga, Guimarães, Porto e Lisboa), segundo o jornal Público. Um funcionário, sob anonimato, declarou: "Ninguém diz nada. Pedem-nos que continuemos a trabalhar normalmente. Mas como é possível quando ninguém sabe se amanhã tem emprego?".

A salvação é possível?
O ministro da Economia, António Costa Silva, comentou a situação na semana passada. Disse estar a "acompanhar com atenção" e lembrou que as empresas têm "altos e baixos", esperando que a "situação possa ser estabilizada e a Farfetch possa regressar àquilo que foi antes". A estação britânica Sky News noticiou que a empresa pode vir a recorrer a uma intervenção do fundo americano Apollo Global Management (AGM), que chegou a mostrar interesse na aquisição do Novo Banco em Portugal.


A Farfetch é a única empresa do seu segmento a apresentar problemas?
Não. É já extensa a lista de lojas online de produtos de luxo que registaram perdas de muitos milhões ou fizeram despedimentos em massa. É o caso da britânica Matches, da alemã Mytheresa ou da canadiana SSense. O declínio dos grupos de comércio eletrónico é reflexo do difícil ambiente pós-pandemia, escreveu o Financial Times. O setor arrefeceu em parte por causa do aumento da competição entre plataformas de artigos de luxo, o que fez disparar o preço da publicidade digital, que é o chamariz mais eficaz para estas empresas. Além disso, com a quebra na procura, as marcas de luxo procuram controlar melhor a sua imagem e o seu valor, o que as afasta de plataformas de revenda como a Farfetch, que vivem dos descontos praticados.

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