Fantasma da instabilidade ressuscita cenário do regresso do "centrão" ao poder
"Miniciclos" políticos. É assim que o Presidente da República se tem referido à hipótese de, na sequência das próximas eleições legislativas, marcadas para 30 de janeiro, à presente instabilidade se somar mais instabilidade - e até, quem sabe, num cenário de particular dramatismo, continuar a ser impossível aprovar o Orçamento do Estado para 2022, com necessidade de novas eleições legislativas.
O ano político vai começar com as eleições e isso condicionará todo o resto do ano, nomeadamente a tal questão (pendente) da aprovação do OE 2022 - e também a máxima exploração dos fundos do PRR (Plano de Recuperação e Resiliência).
Os cenários são dois: um dos dois maiores partidos vence com maioria absoluta; ou um dos dois maiores partidos vence com maioria relativa (o cenário para que todas as sondagens para já apontam).
No caso de uma maioria absoluta monopartidária, o problema da estabilidade resolve-se por si mesmo; o problema será se o PS ou o PSD vencerem com maioria relativa. Terão depois base de apoio no parlamento para uma governação duradoura? Neste contexto, vão ganhando volume as conversas defendendo um entendimento estratégico de centro, entre o PS e o PSD - e Rio já o verbalizou.
A linha discursiva que o líder do PS apresentará na campanha das legislativas foi claramente apresentada pelo próprio há dias, num encontro da JS. Por um lado, a geringonça morreu ("em 2019 isso já foi assim-assim; em 2020 ainda mais assim-assim; e em 2021, manifestamente, não existiu"); por isso, não sendo agora possível ao PS pensar que conseguirá governar assente à esquerda, só sobra uma solução: "A forma de termos maioria é sermos nós a maioria" porque "não podemos andar de eleições de dois em dois anos e não podemos andar a governar porque nos fazem o favor de nos viabilizarem o Orçamento durante dois anos".
Não tendo ainda usado a expressão "maioria absoluta" - uma expressão maldita no PS porque é automaticamente ligada ao consulado do proscrito José Sócrates -, Costa tem andado lá perto: "maioria estável" ou "maioria duradoura" ou "maioria mais um".
As eleições legislativas revestem-se para o líder socialista de um particular dramatismo, muito maior do que o de 2019, onde sempre foi claro pelas sondagens que venceria e num tempo em que sabia que haveria à esquerda uma maioria que lhe permitiria formar governo.
Agora o cenário é diferente: há sondagens que dão o PS taco a taco com o PSD; e não é claro se a maioria dominante será à esquerda ou à direita. As conversas sobre a eventual necessidade de um entendimento central entre o PS e o PSD vão aumentando de volume mas, até agora, o líder socialista tem fugido à questão. É certo, na verdade, que o seu discurso ferozmente antibloco central se deixou de fazer ouvir; mas também não é menos verdade que até agora ainda não admitiu a hipótese de alinhar nesses entendimentos (formais ou informais) com o PSD de Rui Rio. António
Costa já disse que se o PS perder as eleições então deixará a liderança do PS. Na pole position para lhe suceder está o ministro da TAP, Pedro Nuno Santos.
Desde as autárquicas (outubro) que a vida política de Rui Rio tem sido uma espécie de montanha-russa emocional. As eleições locais correram-lhe bem: o PSD reduziu substancialmente a vantagem para o PS em presidências de câmara e, somando-se a isto, conquistou Lisboa - uma conquistou que surpreendeu tudo e todos, constituindo um fortíssimo revés para as empresas de sondagens.
Depois, abriu-se a crise orçamental e o PR convocou eleições legislativas antecipadas. Rio, a terminar mais um mandato de dois anos à frente do PSD, tentou adiar o processo eleitoral interno para depois das legislativas - mas o conselho nacional do partido não o permitiu. Por causa destas derrotas internas, a candidatura de Paulo Rangel, ao avançar, parecia reunir élan vencedor.
Só que Rio foi à luta, virando a proximidade das legislativas a seu favor e argumentando que, na verdade, sendo ele líder já desde 2018, era quem estava melhor preparado para ser primeiro-ministro. Contra grande parte do aparelho e falando ao coração dos militantes de base, venceu Rangel, nas diretas mais renhidas de sempre na história do PSD. Assim, agora com fama de líder que não se deixa abater à primeira contrariedade e que é capaz de dar a volta às maiores adversidades, Rui Rio ganha indiscutível embalagem para discutir a vitória nas legislativas.
A António Costa já deixou um desafio (ainda sem resposta): o partido que vencer, governa; e o segundo maior partido apoia-o, para que haja alguma estabilidade orçamental e para que o processo de aplicação dos milhões do PRR entre em velocidade cruzeiro. Entretanto, o grupo parlamentar foi limpo de rangelistas e passistas. O PSD parece unido em torno do objetivo de vencer. Poderão existir entendimentos pós-eleitorais com o CDS e a IL. Quanto ao Chega já não é assim tão claro.
Na direção do BE há a consciência de que o partido pagará eleitoralmente o facto de ter contribuído para a queda do governo do PS. Mas, do outro lado da balança, ganhou peso o argumento de que o BE não podia simplesmente dizer que sim a tudo o que o PS exigia. Assim, o cenário dominante em perspetiva parece ser o de um regresso à situação de oposição plena, sem qualquer perspetiva de influência no poder. Já não será mau se o partido se conseguir manter como a terceira maior força (atualmente com 19 deputados). Passar para quarta força, atrás do Chega, provocará um abalo de consequências inimagináveis.
O PCP - força motriz na CDU, coligação com o PEV - tinha grandes expectativas nas autárquicas: aumentar o número de presidências de câmara. Só que perdeu (eram 24 e passaram para 19). O partido chegou à conclusão, lógica, de que ir alinhando com o PS só o fazia perder votos. Daí ter sido a força decisiva a chumbar o OE 2022 - o facto que deu origem às legislativas antecipadas. Agora o jogo é, como sempre entre os comunistas, resistir a uma decadência eleitoral que nos últimos anos parece inexorável. Estão 12 lugares de deputados em causa. É possível que esta seja a última batalha de Jerónimo.
Se o golpe foi fatal ou não - é o que falta saber. Francisco Rodrigues dos Santos punha todas as fichas numa coligação pré-eleitoral com o PSD, que lhe permitiria eleger alguns deputados sem na verdade ir a votos - mas a direção social-democrata recusou. Agora o que está em causa pode ser mesmo o CDS-PP passar de cinco deputados para nenhum, enfrentando portanto o risco de extinção. Para protagonizar esta batalha, o líder do partido conseguiu, com o seu domínio do aparelho, adiar o congresso interno para depois das legislativas. Resta saber se o seu oponente, Nuno Melo, ainda quererá disputar a liderança então.
Uma das coisas que os dirigentes do PAN mais fazem questão de desmentir é a apresentação do partido como sendo de esquerda. Não - é um partido que se quer para lá dessa divisão clássica, apresentando-se antes como animalista, ambientalista e humanista. Colocar-se nesta posição permite ao PAN um discurso simples: tanto poderá viabilizar um governo do PS como do PSD - dependendo apenas das promessas que receber em troca. Com Inês Sousa Real à frente, o PAN vai tentar crescer. Em 2015 obteve um eleito e em 2019 quatro. Poderá conquistar uma decisiva posição de charneira no futuro xadrez parlamentar?
O resultado ideal para a Iniciativa Liberal seria o que lhe permitisse alinhar numa aliança de governo com o PSD. Na verdade, na questão fiscal, por exemplo, até há superfície de entendimento possível entre os dois partidos. João Cotrim Figueiredo, presidente do partido e deputado único eleito em 2019, já afirmou que vê esse entendimento com bons olhos - mas esclarecendo ao mesmo tempo que não aceita que seja alargado ao Chega. A decadência do CDS-PP poderá oferecer à IL uma oportunidade de crescimento, exceto porventura em setores católicos mais conservadores. O partido é liberal - inclusivamente nos costumes.
Todas as sondagens dizem que o Chega crescerá nas próximas legislativas. Falta saber até onde - e para quê. A fasquia foi colocada alta: tornar-se no terceiro maior partido, ultrapassando o Bloco de Esquerda. O que também falta saber é se a eventual formação de uma maioria à direita, com o PSD evidentemente na liderança, valorizará ou não o peso eleitoral que o Chega vier a conquistar. Porque pode muito bem acontecer que o partido não tenha outro remédio senão viabilizar, sem nada em troca, um governo de Rio - ou isso ou entregar de novo o poder ao PS. O Chega está a aproximar-se da orla do poder, o que coloca sempre dilemas.
Em 2019, Joacine Katar Moreira conseguiu o que antes Rui Tavares tinha falhado: ser eleita deputada pelo Livre. Mas depressa partido e deputada entraram em rutura. Assim, não restou agora ao fundador e líder histórico do partido - condição de facto mas que não gosta de assumir - ser ele o cabeça-de-lista do Livre em Lisboa, o lugar que Joacine ocupou em 2019 e pelo qual foi eleita. O problema de Tavares é que a principal bandeira do Livre sempre foi a da defesa do diálogo entre as forças de esquerda. E agora Tavares avança numas eleições que resultaram, justamente, do falhanço do diálogo à esquerda.