Famílias não esperam pela introdução de novas vacinas e número de vendas mantém-se

Farmácias garantem não ter sentido quebras nas vendas e médicos dizem que os pais continuam a procurar as vacinas, aprovadas em Orçamento de Estado de 2019, mas ainda com o futuro por definir. Com a iniciativa, várias famílias poderiam poupar até 600 euros na vacinação das crianças. Nesta quarta-feira, a ministra da Saúde irá a Parlamento debater o tema.
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Desde a aprovação do Orçamento do Estado para este ano que o assunto tem estado debaixo dos holofotes, mas sem grandes avanços. A maioria parlamentar deu o aval para introduzir três novas vacinas no Plano Nacional de Vacinação (PNV), já há vários anos recomendadas por pediatras, embora ainda não comparticipadas pelo Estado. Falamos das vacinas contra o rotavírus, a meningite B e o HPV para rapazes. A proposta está em estudo na Direção-Geral da Saúde, mas os pais portugueses parecem não querer esperar pela conclusão. Contactámos farmácias e médicos para saber se a compra das vacinas em questão diminuiu e a resposta é unânime: o volume de vendas mantém-se.

A proposta seguiu para o Parlamento pela mão do PCP, apesar de a Direção-Geral da Saúde não se ter mostrado certa desta aposta, deixando a política e a ciência de costas voltadas. A maioria dos partidos votou a favor, mas a ideia passou com o voto contra do PS e a abstenção do CDS.

Só em abril, meses após o início da discussão, a Diretora-Geral da Saúde falou pela primeira vez no Parlamento. Graça Freitas sublinhou o seu ceticismo relativamente à introdução destas três novas vacinas e pediu que se concluísse um estudo independente antes de se avançar, cujas conclusões foram prometidas para os meses seguintes.

De acordo com o Expresso, Graça Freitas e a ministra da Saúde reuniram-se nesta terça-feira de manhã para discutir a possível comparticipação - em vez de incluir a imunização no PNV. Nesta quarta-feira, Marta Temido irá à Assembleia da República discutir o assunto. Em declarações ao mesmo jornal, a diretora-geral da Saúde disse que "a proposta de comparticipação das três novas vacinas foi feita no Parlamento há cerca de duas semanas e será uma ajuda importante para as famílias".

Entretanto, nada parece ter mudado no processo de decisão das famílias portuguesas. O DN começou por fazer uma ronda por 16 farmácias nacionais, oito do Porto e outras oito de Lisboa. Apenas cinco responderam e todas elas confirmam que a tendência de compra não se alterou desde dezembro de 2018, oscilando entre pequenos picos de aumento e de descida ao longo do ano, como em todos os outros, dizem.

Os especialistas que se sentam todos os dias no consultório para receber pais e filhos corroboram a conclusão. O presidente da Associação Portuguesa de Medicina Geral e Familiar (APMGF) garante que os pais não estão à espera do desfecho da discussão sobre a introdução das novas vacinas para as administrar aos filhos. "Até porque ainda não está decidido que entrem no PNV e em que condições. Os pais podem continuam a comprar", reitera Rui Nogueira, em entrevista ao DN. A única dúvida que colocam aos médicos é "sobre a utilidade e a pertinência da vacinação".

Preço das vacinas "contraria o princípio da vacinação"

A norma entre os médicos é recomendar a administração. Todos os anos a Sociedade Portuguesa de Pediatria elabora um documento em que recomenda determinadas vacinas que não se encontram incluídas no Plano Nacional de Vacinação, entre elas estas três.

"Não temos nenhuma razão para dizer que não (não recomendar), mas também não temos nenhuma razão forte para dizer que sim (para obrigar) ", esclarece Rui Nogueira. Até porque o preço destas três vacinas é elevado e nem todas as famílias estão preparadas financeiramente para as adquirir. As referentes ao vírus HPV, com duas disponíveis no mercado, rondam os 70 e os 145 euros. A contra a meningite B tem um custo aproximado de 95 euros por dose (nunca menos de duas). Já a contra o rotavírus é a mais elevada, com um preço médio da totalidade das doses de 150 euros. Com a iniciativa, várias famílias poderiam poupar até 600 euros na vacinação das crianças.

O representante da APMGF diz que os preços praticados atualmente criam assimetrias agudas entre as crianças portuguesas e "contrariam o princípio da vacinação", que é a universalidade."As crianças que acabam por ser vacinadas são aquelas com mais recursos, o que cria uma grande desigualdade entre elas. Isto aliado ao facto de as crianças que estão mais em risco serem aquelas que vêm de famílias mais desfavorecidas. Criamos aqui uma situação muito ingrata, quando a prioridade deveria ser eles."

Para o médico, a solução não tem de passar exclusivamente pela introdução destas vacinas no PNV. "O que deve haver é uma intervenção política de controlo de custos de maneira a que o preço das vacinas não seja obsceno. Se entra no Plano Nacional é outra coisa. Tem de haver um controlo de preços, que estão completamente desfasados da realidade das famílias portuguesas."

A única razão para um médico forçar a administração de uma vacina "é no caso de doenças graves, como a meningite", explica o representante da associação. "Fica muito difícil admitir a possibilidade de não vacinar."

Especialistas mostram-se céticos

Apesar de estas vacinas serem uma arma contra doenças sem grande representatividade em Portugal, o facto de estarem recomendadas pela Sociedade Portuguesa de Pediatria e ao mesmo tempo terem preços bastante elevados foi suficiente para levar o PCP a avançar com a proposta de incluir a imunização no PNV. E Rui Nogueira concorda com a medida. "É muito difícil deixar na mão dos pais a decisão de vacinar ou não. Há dados suficientes que contrariam estas vacinas? Então, têm de nos dar esses dados. Se a vacina está disponível, se não há dados de risco, então ela deve ser usada", sustentou.

Mas parece ser uma exceção. Há pediatras que mesmo recomendando as vacinas levantam dúvidas sobre o tema quando analisam o possível custo-benefício desta decisão.

Em entrevista ao DN, em abril, o coordenador da Comissão de Vacinas da Sociedade de Infecciologia Pediátrica e da Sociedade Portuguesa de Pediatria admitia que "grande parte das crianças que vão ao pediatra serão vacinadas" pelo menos com uma destas vacinas. "Se as crianças ficam a ganhar [com a introdução das mesmas no PNV]? Ficam", disse. Mas Luís Varandas diz que a análise não deve ser linear. "A título individual, decide a família, mas a nível de saúde pública não é a família que decide, é o Estado que tem de o fazer",reiterou. Já "se os pais podem pagar estas vacinas, obviamente que devem escolher serem administradas".

Na mesma altura, Mário Cunha, coordenador de virologia do IPO de Lisboa, perguntava se "não haverá aqui uma pressão da indústria" que produz estas vacinas. Por lidar diariamente com homens infetados com HPV e por saber que "este problema não é novo" entre a população, estranha que esta proposta surja agora. O PCP, já questionado sobre esta possibilidade, garantiu não estar a ser pressionado para que esta imunização avance para o Programa Nacional de Vacinação.

A diretora-geral da Saúde é clara a explicar o facto de estas vacinas nunca terem sido equacionadas para entrar no PNV. Em abril, durante a primeira audição parlamentar sobre o assunto, levou consigo a Comissão Técnica de Vacinação (CTV), uma estimativa orçamental e várias dúvidas para os deputados presentes, mesmo os mais decididos. De acordo com a estratégia equacionada pela CTV, no total, "a entrada das três vacinas no mesmo ano poderia ter um custo direto na ordem dos 15 milhões de euros por ano, o que representa quase metade do que custa todo o PNV", disse Graça Freitas.

Na mesma audiência explicou o impacto que as vacinas teriam nos vírus que combatem. Segundo o estudo relativo ao HPV, o único concluído até àquele momento pela comissão técnica, "estima-se que em Portugal a fração de cancros em homens que pode ser atribuída ao HPV não chega aos 3%", estando na ordem dos 160 a 180 casos por ano. "Não se pode esperar que a vacina faça milagres nos rapazes", pois "90% dos casos começam a aparecer depois dos 45 anos", alertou.

Relativamente à vacina contra a meningite B, Graça Freitas disse que esta apresenta "limitações". O que, alerta, não significa que não sejam seguras, eficazes ou menos "boas".Numa entrevista ao DN, explicava: "Todas as vacinas contra o meningococo B (ao contrário da do meningococo C, já incluída no PNV) - porque esta bactéria é complexa - apresentam limitações. E não é por culpa da tecnologia, é por culpa da bactéria". "Não é possível com a tecnologia atual produzir melhor", pois "não há vacinas à vontade do ser humano, há vacinas adaptadas aos micro-organismos", sublinhou.

Quanto à vacina contra o rotavírus, disse que "a carga da doença em países desenvolvidos não é relevante, portanto terão de ser apresentadas opções à tutela".

O que se sabe com certeza até agora é que o Orçamento do Estado deste ano já prevê as despesas caso as três vacinas sejam aprovadas. Mas este debate pode terminar com a rejeição de todas elas, só com a introdução de uma ou duas, ou mesmo com a comparticipação e não inclusão no Plano Nacional de Vacinação. A decisão final terá se de ser deliberada em plenário, face aos estudos da DGS.

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