Falta de alternativas impede Europa de cortar no gás russo

Gás natural atingiu ontem novo máximo histórico. Europa continua abastecer-se com gás russo, através da Ucrânia. Cortar no gás russo ameaçaria segurança energética por falta de alternativas, alertam analistas.
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O preço de referência europeu do gás natural, observado no índice holandês TTF, atingiu ontem os 194,715 euros por megawatt hora (MWh), um novo máximo histórico, na sequência da escalada dos preços energéticos após a invasão da Ucrânia pela Rússia. O disparo de mais de 50% no preço para abril de 2022 dos contratos futuros acabou por abrandar (sessão fechou nos 165,5 euros), mas o elevado nível de incerteza gera temores nos mercados, sobretudo porque a Rússia é o principal fornecedor de gás natural da Europa, que não incluiu nas sanções aplicadas um corte no gás russo.
A subida nos preços do gás natural já se verificava há algum tempo, influenciada pela transição energético e também pelo aumento de investidores em produtos energéticos, mas atualmente o maior acelerador dos preços é a guerra na Ucrânia.

Ao Dinheiro Vivo, o CEO da DIF Broker e da Optimize, Pedro Lino, explica que a subida dos preços do gás natural, no TTF, deve-se à"grande dependência dos países europeus do gás natural russo". "As últimas notícias é que a Rússia continua a abastecer a Europa, também via Ucrânia, e isso tem a ver com o facto de não haver muitas alternativas", diz, explicando que a inexistência de outros fornecedores - com a mesma capacidade da Rússia - justifica a ausência do gás natural na lista de sanções.

O especialista em mercados financeiros comenta que os Estados europeus estão a procurar "diversificar fornecedores", incluindo aumentando a entrega de gás natural do Qatar, mas isso ainda está por concretizar. Um corte repentino e absoluto no fornecimento do gás russo "podia colocar em causa a segurança energética da Europa".

E se fosse a Rússia cortar no fornecimento? "Isso seria a bomba atómica", responde Pedro Lino, admitindo que, "provavelmente", essa hipótese poderá ser acenada em resposta às sanções da Europa.

"A Europa cometeu um erro crasso nos últimos anos, ao ponto de permitir que a Rússia fosse o principal fornecedor de gás natural, acabando por colocar a Europa numa situação de dependência da Rússia", afirma Henrique Tomé, da corretora XTB.

Para este analista da XTB, os preços dos produtos energéticos sobem "de forma significativa" por causa das sanções aplicadas pelos países ocidentais à Rússia. Uma tendência que não deverá alterar-se tão cedo e que verifica-se em todos os produtos energéticos (petróleo e eletricidade), devendo alastrar-se aos bens alimentares e agravar a inflação.

"O cenário de guerra no leste da Europa só veio a agravar ainda mais preocupações antigas", realça.

"Enquanto estivermos num clima de incerteza e sem termos a certeza de até quando é que irá durar a invasão russa na Ucrânia, os preços das matérias-primas, e não estamos a falar apenas de produtos energéticos, poderão continuar a registar fortes valorizações e expostos a picos de elevada volatilidade nos preços", argumenta Henrique Tomé.

Reservas podiam acalmar preços
Para Pedro Lino, no caso do gás natural, esta tendência de agravamento dos preços poderia ser suavizada se os países da Europa utilizassem as reservas estratégicas que têm.
"Provavelmente garantiam preços mais baixos no mercado", diz.

"Claro que isso seria um risco", refere, no entanto, lembrando que as reservas dos países não estão todas ao mesmo nível.

Outra forma de minimizar esta escalada de preços poderia ser através da intervenção dos supervisores, que "deviam impedir que existisse uma especulação nestes produtos energéticos".

"Uma coisa são as empresas que precisam de comprar para entregar produto físico, isso devia ser acautelado. Caso contrário, os preços sobem apenas por especulação e não pela procura real, um risco que estamos a ver agora", sublinha.

Dependência de Portugal?
O governo português já fez saber que o país não depende "em nada" do gás ou do petróleo russo, tendo em conta eventuais constrangimentos. O CEO da DIF Broker e da Optimize, refere que a dependência portuguesa estará na ordem "dos 5% a 10%". No entanto, tanto Pedro Lino como Henrique Tomé, da XTB, apontam que o país pode sofrer ainda assim.

Afinal, os preços das matérias-primas seguem sempre termos internacionais. "Ou seja, mesmo os outros gases seguem uma tendência de alta, menos íngreme mas alta", salienta. Por isso, a fatura também "chegará a Portugal, não na mesma magnitude que no centro da Europa, mas haverá aumentos de preços".

Ontem, o comissário europeu da Economia, Paolo Gentiloni, admitia, em entrevista à Lusa, que os preços energéticos na Europa deverão manter-se altos todo o ano, certo que "a contribuição da energia para a inflação veio para ficar e que isto é parte das consequências orçamentais desta crise".

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