Façam o favor de não me acordar
Soou o apito inicial e o retângulo, que neste caso é branco, pede uma crónica sobre futebol e a nossa seleção. Sinto-me como um jogador que não treinou o suficiente, que não se sente pronto para alinhar de início. Mesmo assim não me escondo da bola e grito pelo passe. Gosto muito de futebol. Posso não perceber muito, mas vivo-o apaixonadamente. Não sei se esta ou aquela tática é melhor do que a outra ou se este ou aquele jogador deveria ter saído mais cedo ou descaído mais para a linha. Sei quando estamos a jogar mal ou quando estamos a jogar bem e o resto pouco me importa. Como qualquer criança, ou pelo menos grande parte, também eu sonhava em jogar no meu clube de coração e um dia poder representar a seleção. Para além do sonho, gosto de pensar que tinha também o talento, apesar de o meu pai me dizer sempre que só me faltava uma cadeira para me sentar no meio do terreno, tal era a minha capacidade de desmarcação e mobilidade. Hoje, nas minhas futeboladas com amigos, quando sai um passe teleguiado ou um golo de levantar um estádio, volto a sonhar. Sonho que está um olheiro ali numa janela do quinto andar em Telheiras com vista para o campo e vai descer e dirigir-se a mim e ficar surpreso por saber que tenho 33 anos e corro como um puto de 18 e arranjamos um BI falso e lá vou eu assinar um contrato profissional. E todas as semanas repito o sonho. É um sonho que me faz correr. O que me entristece é por vezes não ver esse sonho nos jogadores da nossa seleção. Entristece-me porque às vezes parecem apenas miúdos mais interessados nas madeixas e nos penteados, nos carros e nos brincos de diamantes e nas pochetes Louis Vuitton. Parecem miúdos que já não sonham porque já têm tudo com que sonharam. E por não sonharem não nos deixam sonhar. Eu odeio que não me deixem sonhar. Detesto acordar a meio de um bom sonho. E eu sonho com um Portugal campeão europeu. Um Portugal cheio de jogadores que jogam como uma verdadeira equipa. Por isso joguem à bola e façam o favor de não me acordar.