Fábrica com 110 anos trabalha a prata em pleno miolo urbano

Na esquina em que termina a Rua de Santos Pousada e começa o Campo de 24 de Agosto, no Porto, trabalha-se a prata há um século e uma década numa oficina que já prepara a sexta geração de ourives.
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"Não há aqui nenhum segredo", diz à Lusa Manuel Alcino, sócio gerente da Alcino e Filhos, Lda., para admitir que a marca fundada pelo bisavô em 1902 está a atravessar "uma das piores fases de sempre".

No ofício da prata, uma das piores fases de sempre pode traduzir-se na abertura de uma loja própria anexo a um hotel de luxo em plena Avenida dos Aliados, como fez a Alcino e Filhos em dezembro do ano passado, ou passar a exportar para economias emergentes, seja Angola ou o Brasil, mas Manuel Alcino admite que, "apesar de o valor da prata enquanto metal nobre ter quadruplicado nos últimos três anos", a arte continua a ser um "bom investimento".

Parte do apelo que justifica a clientela "elucidada e que não liga muito a marcas" reside no fabrico das peças que "nunca são iguais" e munidas de um "caráter muito pessoal", conta à Lusa o sócio gerente da ourivesaria, entre elefantes, girafas, santos e santas de prata.

"Fazemos muita arte sacra, mas também trabalhamos com designers, arquitetos e escultores em projetos em que os desafiamos ou nos desafiam a fazer", explica Manuel Alcino, revelando que um dos principais clientes é um colega da escola primária do próprio pai e prémio Pritzker em 1992.

"Com o arquiteto Siza Vieira fizemos o sacrário da Igreja do Marco de Canaveses. Quando lhe pedem que faça algo em prata, normalmente pede-nos que executemos o que desenha", diz à Lusa, para contar que a oficina é responsável por diversas peças que ao longo dos anos foram ornando as igrejas do Grande Porto.

Entre a arte sacra que fabricaram incluem-se peças de altar para a igreja de Cedofeita e a igreja do Foco, ambas na cidade invicta, ou "uma coroa importantíssima, em ouro e diamantes, para coroar a Nossa Senhora do Bom Despacho", na Maia.

Mas a obra mais valiosa que possuem no currículo é "uma fonte que está agora em Lisboa, na Ourivesaria da Moda, na Rua da Prata, com dois metros de altura e perto de 150 quilos" em argênteo. "Estaremos a falar, grosso modo, de 150 mil euros em prata, mais o trabalho", conta o ourives.

A oficina colabora com as várias escolas de design da região, entre a Faculdade de Belas Arte da Universidade do Porto, a Escola de Superior de Arte e Design (ESAD) de Matosinhos ou a Universidade Católica, de modo a acolher estágios e permanecer atenta a novos valores que vão saindo para o mercado de trabalho.

Uma parte "essencial" do trabalho da firma passa por acompanhar as novas tecnologias, até porque a oficina, "apesar de tradicional", faz questão de aplicar inovações como a soldadura ou o corte da prata a laser.

Mas Manuel Alcino garante que a modernização não põe em causa a pureza do trabalho artesanal da oficina, na medida em que "é só mais uma ferramenta, como o desenho por computador".

Neste mundo da prata a crise manifesta-se noutros moldes e os que acolhem o metal derretido para o fabrico de peças de decoração permitiram uma empresa familiar duradoira ao longo de várias gerações e sem fim imediato à vista.

"Sinceramente, acho que sim, que está assegurado", diz à Lusa Manuel Alcino. "Já existe uma sexta geração, por isso não é algo que nos preocupe".

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