A decisão de extinguir a Empordef foi formalizada em 2014, através de uma resolução assinada por Paulo Portas. Mas o atual presidente da holding assegura ao DN que o fundamento invocado para justificar aquela decisão política assentou em "argumentos falsos e mentiras técnicas"..João Pedro Martins garante que a Empresa Portuguesa de Defesa (Empordef) "não tinha capitais negativos nos três anos anteriores" a 2014 - o argumento jurídico correspondente ao ponto 3 do artigo 35.º do regime jurídico do setor público empresarial - invocado para a liquidar..Mas como, se as contas da holding têm sido auditadas? O financeiro responsável pela liquidação da Empordef, há pouco mais de um ano em funções e que falava à margem de uma cerimónia realizada na terça-feira nos estaleiros do Arsenal do Alfeite e presidida pelo ministro João Gomes Cravinho, afirma que as únicas contas fechadas em 2014 eram as de 2013..João Pedro Martins conclui assim, independentemente dos números finais depois apurados, que as contas dos anos anteriores terão sido presumidas como negativas para justificar a vontade política do governo PSD-CDS em encerrar a Empordef e ceder a privados as posições do Estado em algumas das empresas da holding, como afirmam há anos figuras como a eurodeputada socialista Ana Gomes..Questionado sobre se, como fez Ana Gomes, fez alguma queixa junto da Procuradoria-Geral da República (PGR), João Pedro Martins não respondeu..O DN questionou há várias semanas a PGR sobre a existência de processos relacionados com a Empordef, mas a PGR continua sem responder..João Pedro Martins foi nomeado com a missão expressa de liquidar a Empordef, na sequência da resolução assinada em 2015 por Pedro Passos Coelho. Essa decisão surgiu na sequência da extinção dos Estaleiros Navais de Viana do Castelo (ENVC), que o ex-ministro da Defesa João Pedro Aguiar-Branco considerou ser a única medida possível para evitar que a empresa tivesse de devolver 290 milhões de euros qualificados como ajudas de Estado pela Comissão Europeia..O ministro que lhe sucedeu, Azeredo Lopes, manifestou reservas quanto a essa decisão - a ponto de inverter a privatização total da tecnológica EID. Contudo, optou por não reverter a referida resolução do Conselho de Ministros e manter a liquidação da Empordef..Diferentes fontes do setor ouvidas pelo DN ao longo dos últimos anos têm argumentado que o fecho dos ENVC, com a posterior cedência do espaço e das infraestruturas à empresa privada West Sea (do grupo Martifer), não implicava liquidar a holding - ainda para mais porque os resultados financeiros da Empordef não o justificavam, insiste João Pedro Martins..Mesmo no caso dos ENVC, que apresentavam oficialmente um buraco de 780 milhões de euros quando o atual presidente tomou posse, a situação seria diferente. Segundo João Pedro Martins, as contas finais dessa empresa traduziram-se num défice acumulado de 424 milhões de euros. Esta redução teve que ver com "a correta escrituração do valor dos auxílios de Estado e recuperar pelo Estado com a venda de ativos", precisou aquele financeiro..O outro aspeto sobre o qual João Pedro Martins aceita falar é sobre a subavaliação feita no passado ao património gerido pela Empordef - em que um dos maiores exemplos reside nos terrenos de Alverca, onde estão as instalações da OGMA: foram avaliados em pouco mais de cem mil euros, quando "o valor de mercado são 80 milhões de euros" e as Finanças acabam de os avaliar em 60 milhões..Com a Empordef a ser alvo de uma inspeção por parte das Finanças, responsável pela nomeação do administrador Paulo Santana, João Pedro Martins declara - citando valores por baixo - que os cerca de 50 milhões de euros de património mais o valor das participações sociais da holding "ultrapassam largamente a dívida de 209 milhões de euros" inscrita nas contas e que transitaram dos ENVC (passivo bancário, pagamentos a fornecedores).."E acabamos o ano com dez milhões de euros" em caixa. "O grupo nunca esteve falido", exclama aquele financeiro..O Ministério da Defesa, sobre o facto de a Empordef continuar a existir depois de terminado o prazo máximo de três anos determinado pelo Código das Sociedades Comerciais e qual a legalidade das decisões tomadas pela sua administração, diz ao DN que esse mesmo diploma "estabelece que os liquidatários se mantêm em funções até à extinção da sociedade, não havendo quaisquer dúvidas quanto à sua legitimidade"..E "uma vez que ainda não ocorreu o encerramento da liquidação, a sociedade mantém a personalidade jurídica, ou seja, continuam a ser-lhe aplicáveis, com as necessárias adaptações, as disposições que regem as sociedades não dissolvidas", acrescenta o gabinete de Gomes Cravinho..Guerra aberta entre administradores.Em pano de fundo na atual situação da Empordef, e ao longo dos últimos meses, segundo diferentes fontes civis e militares do setor ouvidas pelo DN, está uma guerra aberta entre João Pedro Martins - que se escusou a falar sobre o caso - e o administrador indicado pelas Finanças, Paulo Santana..Além do eventual choque de personalidades, parece estar em causa o destino das empresas participadas pela Empordef após a extinção da holding: continuam na tutela do Ministério da Defesa - via idD, cujos estatutos lhe permitem assumir participações noutras empresas -, ou transitam para a Direção-Geral do Tesouro e Finanças (DGTF)?.A DGTF tem uma área responsável pela gestão de participações do Estado, sejam de natureza estratégica ou com reduzida utilidade para a prossecução de interesse público e, em geral, de fraca expressão económica..A Parpública surge como outra alternativa externa à Defesa, dado ser uma sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos que também gere participações sociais do Estado..Ora, pelo menos, algumas das empresas da Empordef já dão ou aprestam-se para dar lucros, como a OGMA, cujos dividendos deste ano aumentaram 50%, a Edisoft ou a EID - a qual vai assinar um novo contrato para fornecer rádios ao Exército no valor de 16,7 milhões de euros..Dado como certo no setor é que a Empordef, face à sua história recente e passados mais de três anos sobre a decisão de a liquidar no prazo de 90 dias, é uma marca sem futuro..Outro fator de atrito nesta área das empresas de Defesa, que envolve muitos milhões de euros, é o cluster da Aeronáutica, Espaço e Defesa (AED)..Aqui a rivalidade aparenta ser entre a AED e a idD, que se dedica - além da desmilitarização de material militar - a apoiar empresas portuguesas a internacionalizarem-se e que "tem acesso privilegiado" e institucional ao Ministério da Defesa, ao contrário daquele cluster presidido também por um general, José Cordeiro, observou uma das fontes..A idD é presidida pelo major-general Henrique Macedo, que liderou a recente delegação portuguesa presente na primeira feira de Defesa realizada no Egito..Segundo fontes do setor, existirão também atritos entre a Empordef e a idD - aos quais é atribuída a recente descoberta da existência de minas antipessoais na idD e que o Estado português se comprometeu a destruir há muitos anos, ao abrigo de um tratado internacional sobre a matéria..Note-se que um dos objetivos inerentes ao atual processo de revisão da Lei de Programação Militar - assumido pela tutela e pelo chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas (CEMGFA), almirante Silva Ribeiro - passa por reforçar as ligações entre as empresas portuguesas, os centros de investigação e a instituição militar..Permitir o desenvolvimento dessas empresas e servir de montra aos seus produtos, canalizando ainda muitos dos investimentos militares para a indústria portuguesa, estão na base de uma opção que tem nos Estaleiros de Viana do Castelo um dos seus principais cartazes: geridos pela West Sea, é aí que vão ser construídos os futuros navios de patrulha oceânica, o polivalente logístico e o reabastecedor que vai substituir o velhinho Bérrio.