Exportações cresceram em agosto, mas retoma já está a travar a fundo

Com os confinamentos parciais a serem decretados um pouco por toda a Europa, clientes estão já a pedir para serem adiadas as entregas de encomendas. Indústria de vestuário é a mais afetada.
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As exportações de têxteis e vestuário regressaram a terreno positivo no mês de agosto, com um aumento de 0,2% para 355,3 milhões de euros, embora, no acumulado do ano, estejam 13,5% abaixo do período homólogo. E embora se espere que os dados de setembro sejam, ainda, igualmente positivos, nas fábricas os efeitos da retração dos consumidores já se começam a fazer sentir, com os clientes a procurarem atrasar a entrega das encomendas já colocadas. "Estamos a começar a viver um filme parecido com o de março e abril. Mesmo sem um confinamento global, há medidas parciais em vários países e tudo o que seja fechar as economias tem consequências imediatas nos circuitos produtivos", diz o presidente da Associação Têxtil e Vestuário de Portugal.

O segmento do vestuário, em especial de adulto, é o mais afetado. "As únicas peças que estão a vender bem é a roupa de conforto, as sweat-shirts e os chamados fatos de treino. Há uma procura enorme de produtos de tricotagem para esse tipo de peças", explica Mário Jorge Machado. Os adiamentos de encomendas são transversais a todos os países e marcas. "A instabilidade é enorme e não dá segurança a quem tem de tomar decisões. As encomendas entradas em setembro ultrapassaram uma série de recordes, mas na última semana de outubro já se sente uma diminuição significativa de encomendas. Está tudo a travar a fundo, vamos ter umas semanas difíceis pela frente", afirma.

O setor reuniu-se, nesta semana, com o secretário de Estado da Internacionalização, Eurico Brilhante Dias, ao qual fez chegar as suas preocupações. "A indústria têxtil e do vestuário tem de ser olhada com uma atenção especial, para não colapsar", diz César Araújo, presidente da ANIVEC, a associação do vestuário, sublinhando que, "a seguir ao turismo, este é o setor que mais sofre. Ninguém compra roupa!". A simplificação do apoio extraordinário à retoma progressiva, que substituiu o lay-off simplificado, e o seu prolongamento até junho do próximo ano, é uma das medidas pedidas, bem como a sua associação a um programa de formação profissional e à isenção do pagamento das contribuições à Segurança Social. As empresas pedem, ainda, soluções ao nível dos seguros de crédito e formas de acelerar a digitalização e o uso de tecnologias 3D nas empresas, de modo a estarem mais preparadas para abordarem os mercados à distância.

"O lay-off simplificado não devia ter terminado. O governo entusiasmou-se e acabou a transmitir uma mensagem aos agentes que não corresponde à realidade. A retoma nunca existiu e hoje a situação económico-financeira das empresas está, ainda, mais degradada", defende César Araújo.

No calçado, que teve "seguramente, o pior primeiro semestre dos últimos 30 ou 40 anos", a partir de junho começaram a chegar sinais de "alguma retoma". O que levou mesmo a que muitas fábricas nem fechassem em agosto, remetendo as férias dos trabalhadores para mais tarde, de modo a dar resposta às solicitações dos clientes. Não admira por isso que as exportações de calçado tenham regressado a terreno positivo em agosto, com um crescimento homólogo de 1,89% para 168 milhões de euros, graças, sobretudo, aos mercados extracomunitários que cresceram quase 25%.

Por aqui, ainda não há sinais de alarme ao nível dos cancelamentos ou adiamentos, há receios, sim, da falta de capacidade para responder às encomendas em tempo útil. É que mais de metade das empresas têm já trabalho até janeiro e fevereiro do próximo ano, segundo o último inquérito da associação do calçado, a APICCAPS, aos seus associados, mas a taxa de absentismo nas empresas ronda hoje os 25%, o que equivale a dizer que, diariamente, há dez mil pessoas em falta nas fábricas de calçado portuguesas. Maioritariamente, trata-se de faltas relacionadas com a assistência à família.

"São números esmagadores e que trazem uma preocupação adicional, para um setor conhecido internacionalmente pela sua capacidade de resposta rápida e produção de pequenas séries, mas, também, pelo seu nível de compromisso e de entrega dentro dos prazos", diz Paulo Gonçalves, diretor de comunicação da APICCAPS.

Os seguros de crédito é outra das grandes preocupações. "Sendo um setor altamente exportador, os seguros de crédito são absolutamente decisivos e os instrumentos atuais têm-se mostrado insuficientes relativamente às necessidades da indústria", frisa, ainda, Paulo Gonçalves.

Na metalurgia e metalomecânica, a campeã das exportações da indústria, agosto foi, também, mês de crescimento, com um aumento de 4% em termos homólogos. Rafael Campos Pereira, vice-presidente da AIMMAP, reconhece que este é, habitualmente, um mês "fraco" ao nível do comércio internacional, já que coincide com o período de férias, mas nem por isso desvaloriza o ganho obtido. E acredita que setembro trará novo crescimento.

E se no acumulado do ano as exportações totais do Metal Portugal estão, ainda, em terreno negativo, tal deve-se às dificuldades dos mercados europeus, sendo Espanha e Alemanha os principais destinos das vendas da metalurgia e metalomecânica nacional. Nos mercados extracomunitários, as exportações, no acumulado do ano, estão a crescer 13,8%. E as perspetivas para o fim do ano são animadoras. O inquérito realizado às empresas mostra que 45% preveem manter ou aumentar as exportações neste ano e que 47% apontam, também, no mesmo sentido em termos de volume de negócios. Números que são, ainda, mais expressivos quando o horizonte temporal é março de 2021.

A atestar a resiliência da metalurgia e metalomecânica está o facto de o setor, que conta com 15 mil empresas registadas, das quais duas mil pequenas, médias e grandes empresas, e que dão emprego a mais de 240 mil pessoas, não ter perdido postos de trabalho. "Vamos até fechar o ano com um ligeiro aumento", diz Rafael Campos Pereira, sublinhando que a AIMMAP "não perdeu um único sócio", o que prova que não houve encerramentos entre os associados.

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