Exercícios militares e sanções económicas: China castiga Taiwan pela visita de Pelosi

Pequim baniu a importação de frutas e peixes provenientes da ilha. Taipé denunciou a entrada de 27 caças chineses na sua Zona de Defesa Aérea. Analistas garantem que China "não pode parecer fraca aos olhos do seu povo".
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Frutos e peixe. Estas foram as primeira "vítimas" da retaliação chinesa contra Taiwan após a visita à ilha, que Pequim considera província rebelde, de Nancy Pelosi, a presidente da Câmara dos Representantes dos EUA. Ainda o avião que transportava aquela que é a terceira figura do Estado norte-americano e uma delegação de congressistas não tinha levantado voo a caminho da Coreia do Sul, etapa seguinte do seu périplo asiático, e já as autoridades chinesas tinham anunciado a suspensão da importação de citrinos de Taiwan, alegando a deteção "repetida" de pesticidas em excesso, além de terem banido a importação de certas espécies de peixes vindos da ilha, afirmando ter sido encontrado o vírus da covid em embalagens.

Menos visível que uma ação militar, este cerco económico a Taiwan atinge ainda o chá e o mel, além da areia, que Taipé importa da China para a construção civil. E não é a primeira vez que Pequim limita a importação de produtos taiwaneses, sobretudo agrícolas - em março de 2021 baniu os ananases, alegando conterem pesticidas.

"Quando as tensões diplomáticas e comerciais sobem, os reguladores chineses tornam-se mais rígidos, procurando razões para justificar um embargo comercial", explica à AFP Even Pay, analista do Trivium China.

As consequências na economia de Taiwan não se farão esperar, ou não fosse a China o seu terceiro maior parceiro comercial, com as exportações da ilha para a China continental e para Hong Kong a chegarem perto dos 190 mil milhões de dólares em 2021.

Antes ainda das sanções económicas, Pequim anunciou que vai retaliar, após a visita de Pelosi, com exercícios militares com fogo real, alguns deles a menos de 20km das costas de Taiwan.

Segundo os analistas, a China não se pode dar ao luxo de parecer fraca após a presidente da Câmara dos Representantes, conhecida pelas duras críticas a Pequim, ter desafiado as suas ameaças, numa visita que a Casa Branca tentou desvalorizar, garantindo que não viola em nada o apoio dos EUA à política de "uma só China". "Pequim não pode parecer fraca aos olhos do seu povo", disse à AFP James Char, investigador da S. Rajaratnam School of International Studies, em Singapura.

Tendo isso em mente, o ministro chinês dos Negócios Estrangeiros, Wang Yi, à margem de uma reunião da Associação de Nações do Sudeste Asiático (ASEAN), no Vietname, afirmou: "Isto é uma completa farsa. Os EUA violam a soberania da China sob o pretexto da chamada democracia... aqueles que ofendem a China serão punidos".

Segundo Taipé, 27 caças chineses entraram esta quarta-feira na sua Zona de Defesa Aérea. Com a hipótese de uma escalada no Estreito de Taiwan em vista, o G7 criticou a decisão da China de realizar exercícios militares junto a Taiwan: "Não tem justificativa para usar esta visita como pretexto para uma atividade militar agressiva no Estreito de Taiwan", afirmaram em comunicado os chefes da diplomacia dos EUA, Canadá, Japão, Alemanha, França, Reino Unido e Itália

Depois da partida de Pelosi, a principal autoridade americana a visitar Taiwan em 25 anos, a presidente de Taiwan, Tsai Ing-wen, manteve o tom de desafio perante as ameaças de Pequim. "Perante as crescentes e deliberadas ameaças militares, Taiwan não recuará (...) Vamos manter a linha de defesa da democracia", garantiu a política do Partido Democrático Progressista, pró-independência, cuja chegada ao poder em 2016 marcou novo afastamento, após uma aproximação entre os dois lados do Estreito de Taiwan, separados desde 1949, quando os nacionalistas de Chiang Kai-shek se refugiaram na ilha após serem derrotados pelos comunistas de Mao Tsé-tung.

Washington reconheceu em 1979 o governo de Pequim como representante da China, mas manteve o apoio económico e militar a Taiwan, tendo reiteradamente afirmado o compromisso em defender a ilha de um eventual ataque da China, caso esta tente uma reunificação não-negociada.

A "reunificação" da China, se necessário pela força, é uma meta prioritária para o presidente chinês, Xi Jinping, que, na semana passada, disse ao homólogo americano Joe Biden, por telefone, que evitasse "brincar com fogo".

Após o encontro com Tsai, Pelosi afirmou: "A nossa delegação chegou a Taiwan para deixar claro, de forma inequívoca, que não abandonaremos o nosso compromisso com Taiwan e que estamos orgulhosos de nossa amizade duradoura".

Antes de deixar a ilha, a presidente da Câmara dos Representantes, de 82 anos, reuniu-se com dissidentes chineses, entre eles Wu'er Kaixi, um dos líderes estudantis dos protestos pró-democracia da praça de Tiananmen em 1989, violentamente reprimidos.

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