O padre Adelson Araújo dos Santos esteve na preparação e participou no Sínodo sobre a Amazónia, em outubro passado, de onde saiu a recomendação para a possibilidade de se abrir uma exceção ao celibato obrigatório dos padres. Uma proposta que, caso fosse aceite, iria permitir a ordenação sacerdotal de homens casados como forma de combater a falta de padres nesta região..O mundo esperava pela posição do Papa Francisco. O padre brasileiro Adelson Araújo dos Santos foi um dos apresentadores da esperada exortação apostólica pós-sinodal do Sumo Pontífice, "Querida Amazónia", divulgada nesta quarta-feira. Mas fora do documento ficou a recomendação feita pelos bispos que participaram no Sínodo da Amazónia e que tanta polémica suscitou, com a ala mais conservadora da Igreja Católica a considerar que poderia ser aberto um precedente que rompia com séculos de tradição..Na exortação "Querida Amazónia", o Papa Francisco não se refere à proposta que permitiria abrir uma exceção ao celibato obrigatório, mas "exorta" a todos os bispos, "especialmente os da América Latina", à promoção da "oração pelas vocações sacerdotais" e pede mais missionários para a Amazónia..Professor de Teologia Espiritual na Universidade Pontifícia Gregoriana, Adelson Araújo dos Santos considera, em resposta escrita enviada ao DN, que o silêncio do Papa Francisco não significa necessariamente que o assunto está encerrado. Pelo contrário. O Sumo Pontífice poderá levar esta proposta a outros níveis de decisão.."Acredito que o processo sinodal de discernimento continua e que, cedo ou tarde, a Igreja se abrirá a novas propostas de reforma ministerial e pastoral", defende o padre jesuíta, de 55 anos, que nasceu em Manaus, Amazónia..Havia a expectativa de que o Papa Francisco iria abrir uma exceção ao celibato obrigatório dos padres, proposta pelos bispos que participaram no Sínodo da Amazónia, em outubro do ano passado, como forma de colmatar a falta de padres nesta região do mundo. É um retrocesso nas posições do Papa Francisco? Talvez tenha sido uma falsa impressão, criada pela polémica que se criou em torno do assunto do viri probati, nos meios mediáticos. Dentro do sínodo, o facto é que, em votação, os padres sinodais aprovaram 120 propostas encaminhadas ao Papa, sendo uma delas a que tratava desse assunto. Obviamente, todos sabíamos que ele poderia ou não acatar essa e as demais propostas ou não, uma vez que o sínodo é um espaço consultivo e não deliberativo. Na verdade, o seu silêncio sobre este tema na sua exortação não significa, necessariamente, que ele a tenha vetado definitivamente. Ao contrário, pode ser que ele prefira tratá-la em outra esfera de decisão, em outro momento, etc..Ficou de alguma forma desiludido com esta posição do Papa Francisco na sua exortação apostólica "Queria Amazónia? Se me coloco no lugar dos indígenas da Amazónia, ou se me preocupo com a situação ambiental e o futuro do nosso planeta, esta exortação não me desilude em nenhum aspeto, pois o Papa é uma das poucas lideranças mundiais que, mais uma vez, denuncia os modelos económicos e políticas de governos responsáveis por tanta destruição, violência e desrespeito aos povos originários e os seus direitos, pondo em risco a sua própria sobrevivência e a de toda a biodiversidade amazónica. Quanto às questões de ordem mais eclesiais, acredito que o processo sinodal de discernimento continua e que, cedo ou tarde, a Igreja se abrirá a novas propostas de reforma ministerial e pastoral..Também foi colocada de parte a abertura do sacerdócio às mulheres. Os padres sinodais falavam mais de diaconato feminino permanente. A exortação papal não toca no assunto. Então, faço a mesma interpretação que fiz em relação ao viri probati e mantenho a esperança de que, em algum momento, o assunto seja retomado, já que tão pouco foi dito que ele não está aprovado pelo Papa..Acha que os bispos que participaram no Sínodo da Amazónia ficaram desiludidos com a exortação? Pelos contactos que tenho com vários bispos da Amazónia, muitos estão felizes pela defesa explícita que o Papa faz da região e dos seus povos, permanecendo esperançosos que num tempo oportuno outras questões tratadas no sínodo venham a ser reabertas..Considera que a exortação apostólica vai descansar a ala mais conservadora da Igreja Católica? Não existe melhor forma de ser conservador do que conservar a obediência ao único Vigário de Cristo na Terra, neste momento. E caminhar na unidade em torno da figura de Pedro, mesmo com diversidade de carismas, culturas, opiniões, desde que guiadas pelo "bom espírito", como dizia Santo Inácio, e nunca pela soberba, vaidade e medo de perder privilégios e poder..No documento, o Papa Francisco recomenda a todos os bispos, "especialmente os da América Latina", que promovam a "oração pelas vocações sacerdotais" e pede mais missionários para a Amazónia. Pensa que este é o caminho para a falta de padres na Amazónia e em outras regiões remotas do mundo? Tratando-se de uma "exortação", as palavras do Papa retomam de modo feliz o próprio mandamento que Jesus nos deu: "Pedi ao Senhor da messe, operários para a sua messe." Talvez estejamos a rezar pouco, talvez nos falte acreditar mais na beleza da nossa própria vocação e do quanto a figura e a proposta de Jesus pode ainda hoje continuar a atrair tantos jovens a uma vida de dedicação total a Ele..Este é um problema que passa pela falta de vocação sacerdotal? Como é que isto se pode combater? O trabalho vocacional mais eficaz é aquele alimentado pelo testemunho de coerência, fidelidade e santidade dado pelos que já abraçaram antes esta ou aquela vocação. Ademais, é preciso que a Igreja acolha os jovens, assuma a sua forma de expressar a sua fé e os ajude a amadurecer a sua experiência de Deus. Daí, naturalmente, brotam mais vocações..Na exortação apostólica "Querida Amazónia", o Papa Francisco refere-se às "operações económicas, que danificam Amazónia e não respeitam o direito dos povos nativos ao território", como sendo uma "injustiça e crime". Com esta posição do Santo Padre, pensa que os governos vão mudar as suas políticas para combater a desflorestação nesta região do planeta? Os países são, via de regra, estados laicos, sendo regidos por suas próprias leis e constituições. No entanto, dada a liderança mundial que exerce o Papa Francisco e a confiança que inspira nas pessoas, é de se esperar que também os governantes levem em consideração o que ele diz, sobretudo quando se tratar de políticos que se dizem católicos, como acontece na maioria dos países da Pan-Amazónia, por exemplo..Que outras questões abordadas pelo Papa Francisco nesta exortação lhe merecem especial relevância? Nos quatro sonhos que o Papa compartilha connosco na sua exortação "Querida Amazónia" [sonho social, cultural, ecológico e eclesial], vemos claramente os mesmos temas trabalhados pelos padres sinodais, que nos chamavam a todos a um processo de conversão integral, cultural, ecológico e pastoral. Para mim, tudo isto implica numa grande mudança de mentalidade, que começa já na educação e formação que damos às nossas crianças, jovens, seminaristas, paroquianos, estudantes, etc. Por isso, formação e educação devem ser prioridade na criação deste novo modo de nos relacionarmos com os outros e com o mundo criado por Deus, do qual não somos mais que guardiões.