Ex-diretor do fisco diz que cenário de falha informática é "plausível"
O antigo diretor-geral da Autoridade Tributária, José Azevedo Pereira, admitiu hoje que o não tratamento pelo fisco de 20 declarações enviadas por entidades financeiras sobre transferências para paraísos fiscais ter-se-à devido a uma falha informática, que terá feito com que os dados dessas declarações não tenham sido transmitidos na íntegra. Ou seja, a informação entrou no sistema, mas não passou depois para um segundo nível, aquele que é trabalhado pela AT em termos de ações inspetivas.
Azevedo Pereira, que está a ser ouvido na comissão parlamentar de Orçamento e Finanças, dirigiu o fisco entre setembro de 2007 e julho de 2014. O antigo responsável diz que é preciso esperar pelo relatório da Inspeção Geral de Finanças para perceber ao certo o que aconteceu, mas admite como "plausível" o cenário de uma falha informática. "O sistema da Autoridade Tributária é provavelmente o mais complexo do país", afirmou, explicando assim a questão em termos técnicos: "A informação chega a um primeiro armazém, onde não está preparada para ser trabalhada, depois é transferida para um segundo armazém, para o sistema central" de dados da Autoridade Tributária - e é nesta fase que é alvo da atenção do fisco.
Um exemplo do que pode ter corrido mal nessa transferência de dados: "a máquina tem 1000 linhas para transferir, transfere 450, chega aos fim das 450 e diz que a operação foi concluída com sucesso". Segundo este responsável, pelo menos durante o tempo em que esteve à frente da AT não haveria um mecanismo informático que permitisse perceber que ficou informação pelo caminho.
Azevedo Pereira tem sublinhado repetidamente que apenas uma das 20 declarações em causa deu entrada no período em que dirigiu o fisco. E garante que "os dados que chegaram em condições de serem tratados foram tratados".
Três pedidos formais a Núncio
Na audição que decorre no parlamento, Azevedo Pereira disse que teve "três contactos formais" com o ex-secretário de Estado Paulo Núncio, propondo a divulgação da informação relativa a transferências financeiras para paraísos fiscais, não tendo obtido nenhuma resposta afirmativa.
"A Autoridade Tributária preparou a informação nos termos que tinham sido determinados [pelo anterior secretário de Estado, Sérgio Vasques] e propôs a publicação ao secretário de Estado Paulo Núncio", que começou por solicitar uma "alteração na estrutura da informação, por forma a isolar a informação relativa à [zona franca da] Madeira". A informação voltou depois a ser submetida a Paulo Núncio, já com as mudanças exigidas, que não a "despachou durante algum tempo". O próprio Azevedo Pereira precisou: "Esta primeira informação não voltou no meu tempo, não me foi devolvida".
"No ano seguinte [2012] voltámos a submeter informação com teor idêntico. Foi submetida em novembro de 2012" e devolvida pela tutela em "meados de junho de 2014" com o despacho de "visto". Azevedo Pereira diz que "ficou claro que este tipo de informação não era uma informação que se devesse publicar".
Azevedo Pereira diz que nunca recebeu nem deu indicações para abrandar ou suspender o controlo sobre as transferências para off shores. Nem para que houvesse qualquer tipo de seleção ou exclusão: "Não recebi nenhuma instrução por parte de membros do governo que pudesse levar à exclusão de um contribuinte ou de um grupo de contribuintes dessa análise". Aliás, se "houvesse uma tentativa de seleção ou exclusão de algum contribuinte isso tornar-se-ia visível".