Governo deixou cibersegurança "quase na falência"
O fundador e ex-diretor do Centro Nacional de Cibersegurança (CNCS) , revela que o governo "nunca deu" a esta estrutura "a importância que as circunstâncias recomendavam como necessárias". Torres Sobral, um almirante na reserva que dirige atualmente a Entidade Fiscalizadora do Segredo de Estado, na Assembleia da República, não estranhou a demissão do último diretor do CNCS, Pedro Veiga, considerando até "expectável, face aos constantes constrangimentos orçamentais". Conforme o DN noticiou a falta de verbas para aquisição de equipamento e recrutamento de peritos de alto nível foram o motivo central para Pedro Veiga, professor da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa.
O CNCS é a autoridade nacional com a missão de detetar e responder a ciberataques que ponham em causa o funcionamento das infraestruturas críticas (como hospitais, aeroportos, centrais elétricas) e os interesses nacionais.
"No último ano do meu mandato (2016) fomos atingidos em pleno pelas cativações. O governo chegou a cativar 60% das verbas próprias do CNCS, das quais estavam dependentes vários projetos e fundamentais para a compra de equipamentos. Não havia dinheiro para nada e entrámos quase em falência", conta este oficial superior de Marinha, que quebra pela primeira vez o silêncio, desde a sua saída do CNCS, também em conflito com o governo. Torres Sobral acrescenta que foram "divergências com o rumo" que o governo estava a a ter em relação ao Centro, que levaram à sua exoneração.
Recorde-se que, um dos planos do Centro, durante o comando de Torres Sobral, que acumulava aquele cargo com a chefia do Gabinete Nacional de Segurança (que dirigiu 12 anos), era dotar o Estado de sistemas de defesa contra ciberataques. Pretendia-se, numa primeira fase, instalar sensores nas redes informáticas dos ministérios das áreas de soberania - Negócios Estrangeiros, Justiça e Administração Interna - que permitiam em tempo real detetar e travar ciberataques. Numa segunda fase, conforme o DN explicou em maio de 2017, o projeto - designado Panorama - seria alargado a outros ministérios e infraestruturas críticas, como os setores da Energia, Transportes e Banca.
Na altura em que confirmou este projeto, em maio de 2017, o ainda diretor, Pedro Veiga, adiantou ao DN, que "o concurso será lançado em breve e em setembro/outubro contamos começar a instalar os primeiros sensores". Nunca tal chegou a acontecer. Segundo sabe o DN, apenas a rede do ministério da Administração Interna está monitorizada por este programa.
Antes de Pedro Veiga, dirigiu o CNCS José Carlos Martins, que o governo foi buscar à Presidência da República, onde dirigia a equipa de segurança informática, para coordenar as operações do Centro. Foi nomeado em setembro de 2014 e saiu, já com este governo, em março de 2016, pediu demissão invocando "motivos pessoais".
O professor tentou ultrapassar as limitações financeiras propondo ao governo que passasse para o CNCS a responsabilidade de gestão do domínio Internet Portugal [PT], nas mãos de uma associação privada, que sucedeu à Fundação para a Computação Científica Nacional. No seu entender esta medida "era fundamental para um conhecimento mais perfeito da estrutura de cibersegurança de um país que essa infraestrutura fosse detida pelo Centro de Cibersegurança".
Pedro Veiga salientou que estão em causa 2.5 milhões de euros anuais que "se tivessem revertido para o Estado, permitiam recrutar os recursos humanos que fazem tanta falta". O ex-diretor do centro garante que a situação era do conhecimento do Ministro da Ciência, Manuel Heitor que acusa de ter prometido e não cumprido aceitar o plano de Pedro Veiga para reforçar financeiramente o CNCS.
O gabinete da ministra Maria Manuel Leitão Marques, que tutela este serviço, refuta que tenham sido problemas financeiros a motivar a saída de Pedro Veiga. "Reforçámos o orçamento para recursos humanos do gabinete em 20%. O problema é a competição com o privado", sublinha fonte oficial do governo. Por outro lado, alega que o programa Panorama "está a funcionar". Questionado sobre se mais algum ministério, além do MAI, foi integrado, a tutela invoca o facto de se tratar de "matéria classificada" para não responder.