Eutanásia. Rangel volta a insistir no referendo. Direção do PSD recusa
"Não mudou nada." Com três palavrinhas apenas, uma fonte da direção do PSD assegurou ao DN que não há qualquer disponibilidade de Rui Rio para rever a sua posição contrária à realização de um referendo sobre a morte assistida.
A decisão do Tribunal Constitucional (TC) anteontem, que chumbou parcialmente a lei aprovada no Parlamento em 29 de janeiro, deu fôlego ao eurodeputado do PSD Paulo Rangel para voltar a pôr na agenda pública a questão do referendo.
Num artigo no Público, Rangel fez um "apelo ao PSD e ao seu grupo parlamentar: há uma oportunidade única para relançar o referendo. Não o digo apenas porque sempre o defendi ou porque há uma moção aprovada em congresso que o reclamou mas sim porque esta decisão [do TC], ao balizar a questão jurídica, torna flagrante a necessidade de uma escolha política, que diz de tal modo respeito à interioridade das pessoas que justifica e merece a validação ou não validação em referendo."
A aposta de Rangel poderá agora contagiar outros dirigentes do partido que gostariam de ver este tema discutido. Acontece que a direção do partido não concorda, argumentando com o tal "não mudou nada".
Chumbada a lei no TC, o processo regressa ao Parlamento. E do que se trata aí é de mudar a lei para ir ao encontro da decisão dos juízes do Tribunal Constitucional - PS, BE e PAN já afirmaram que o querem fazer.
Quanto ao referendo, afinal é uma ideia que até já foi chumbada no Parlamento, em 23 de outubro, numa votação forçada pela existência de uma petição dinamizada por movimentos católicos.
No que toca ao PSD, porém, o que essa votação revelou foi a que a posição de Rui Rio contra a realização de uma consulta popular é bastante minoritária dentro do grupo parlamentar. Na votação de 23 de outubro, Rio foi um dos nove deputados do PSD que votaram, ao lado de PS, BE, PCP, PEV, PAN e das duas deputadas não inscritas (Joacine Katar Moreira, ex-Livre, e Cristina Rodrigues, ex-PAN) contra o referendo. Nove deputados - num total de 79.
O acórdão do TC, aprovado por 7 votos contra 5, aponta pistas para ultrapassar as reservas à definição de "lesão definitiva de gravidade extrema" dando o exemplo das soluções da lei espanhola.
Na decisão é sublinhada a necessidade de uma lei para a despenalização da morte medicamente assistida ter de ser "clara, de modo a permitir um juízo igualmente claro quanto à respetiva legitimidade constitucional", para não pôr em causa a "inviolabilidade da vida humana", consagrada na Constituição. Segundo os juízes, os partidos podiam ter utilizado "outros conceitos, muito mais comuns na prática (médica ou jurídica), que, sem perder plasticidade, seriam prontamente apreensíveis quando associados ao pressuposto relativo ao sofrimento intolerável".
O texto refere o exemplo da "lesão incapacitante ou que coloque o lesado em situação de dependência", definida na Lei de Bases dos Cuidados Paliativos, base II, alínea i).Esta lesão era definida como "a situação em que se encontra a pessoa que, por falta ou perda de autonomia física, psíquica ou intelectual, resultante ou agravada por doença crónica, demência orgânica, sequelas pós-traumáticas, deficiência, doença incurável e ou grave em fase avançada, ausência ou escassez de apoio familiar ou de outra natureza, não consegue, por si só, realizar as atividades da vida diária".
A seguir, são citadas as justificações da lei da eutanásia em Espanha - ainda em processo de conclusão - e que é citada no original, em castelhano. Aí, é definido um "sofrimento grave, crónico e impossibilitante" que tem, no doente, um impacto "sobre a sua autonomia física e atividades da vida diária, de maneira que não pode valer-se a si mesma, assim como sobre a sua capacidade de expressão e relação, associado a um sofrimento físico ou psíquico constante e intolerável", havendo, "com segurança ou grande probabilidade, que tais "limitações persistam no tempo sem possibilidade de cura e melhoras apreciáveis".
Os juízes analisarem se os conceitos de "sofrimento intolerável" e "lesão definitiva de gravidade extrema de acordo com o consenso científico" tinham ou não "caráter excessivamente indeterminado", dando razão ao Presidente da República apenas relativamente ao segundo conceito. O TC entendeu também tomar posição sobre a questão de fundo - apesar de o PR não o ter pedido - considerando que a inviolabilidade da vida humana consagrada na Constituição não constitui um obstáculo inultrapassável para se despenalizar em determinadas condições a antecipação da morte medicamente assistida.