Eutanásia. Partidos ainda analisam decisão do TC, com lei espanhola em cima da mesa
O tema da morte medicamente assistida promete ter desenvolvimentos nas próximas semanas, com o início das conversações entre os partidos e, previsivelmente, o agendamento da reapreciação do decreto. Para já, os grupos parlamentares que subscreveram a proposta aprovada na Assembleia da República continuam a analisar o acórdão do Tribunal Constitucional que, há pouco mais de duas semanas, declarou inconstitucionais vários pontos do diploma.
Mas o PAN quer dar um passo em frente e iniciar "muito em breve" conversações entre os vários partidos na origem dos cinco projetos de lei que foram depois convertidos no texto comum que viria a ser aprovado - PS, Bloco de Esquerda, PAN, PEV e Iniciativa Liberal . "Queremos que as conversas se iniciem o mais rapidamente possível", diz o deputado e coordenador do partido, André Silva, acrescentando que em relação às soluções para ultrapassar a declaração de inconstitucionalidade continua "tudo em aberto".
Pelo PS, a deputada Isabel Moreira diz também que o acórdão - um documento "complexo" - está ainda a ser analisado. O mesmo refere José Manuel Pureza, do Bloco de Esquerda. "Este tempo tem sido dedicado a perceber o alcance do acórdão, há uma decisão com uma maioria e uma fundamentação com outra maioria", diz ao DN o deputado bloquista, acrescentando que a seguir à Páscoa será então o tempo de perceber a sensibilidade de cada grupo parlamentar sobre o caminho que deve ser seguido para ultrapassar as inconstitucionalidades apontadas pelo TC. A intenção já expressa pelos vários partidos vai no sentido de chegar a uma proposta conjunta de alteração.
A questão do agendamento parlamentar do decreto chumbado por Marcelo Rebelo de Sousa já foi falada em conferência de líderes parlamentares, com o Presidente da Assembleia da República (AR), Eduardo Ferro Rodrigues, a referir que o assunto deve ser abordado em "próxima reunião". De acordo com o regimento da AR, os decretos que são alvo de veto do Presidente da República devem ser reapreciados a partir do 15.º dia posterior à receção da mensagem do Presidente da República (que neste caso foi recebida a 15 de março). Ou seja, há um prazo mínimo para a reapreciação, que foi já ultrapassado, mas o regimento não determina um prazo máximo para a discussão e votação. No entanto, e dada a fase atual do processo, não será provável que uma proposta de alteração suba a votos ainda neste mês de abril.
Um dos caminhos que está a merecer a atenção dos partidos, na reformulação do decreto vetado, é a lei espanhola. E não é por acaso - a sugestão foi deixada pelos próprios juízes do Palácio Ratton no acórdão conhecido a 15 de março.
Dando parcialmente razão aos argumentos invocados pelo Presidente da República, o Tribunal Constitucional considerou como excessivamente indeterminado o conceito de "lesão definitiva de gravidade extrema", associado a "sofrimento intolerável", um dos conceitos chave do decreto aprovado na Assembleia - o conceito que permite a prática da morte medicamente assistida para lá dos casos de doenças fatais. Mas é o próprio acórdão a sugerir pistas para resolver o problema de inconstitucionalidade, nomeadamente na lei da eutanásia já aprovada em definitivo em Espanha.
O diploma espanhol não é muito diferente do português, mas é bastante mais fechado na definição dos termos em que é despenalizada a morte medicamente assistida, estabelecendo que pode recorrer à eutanásia quem sofra de uma "doença grave e incurável" ou "doença grave, crónica e incapacitante". Termos que são definidos no preâmbulo do diploma. A enfermidade grave e incapacitante refere-se a "limitações na autonomia física e atividades da vida diária da pessoa, na sua capacidade de expressão e relação, associadas a um sofrimento físico e psíquico constante e intolerável para o próprio, com a certeza ou grande probabilidade de que estas limitações venham a persistir no tempo, sem possibilidade de cura ou melhoria assinalável".
Um conceito bastante mais determinado que o equivalente que é usado no diploma português, que deixa aos médicos a definição concreta do que seja uma "lesão definitiva de gravidade e extrema".
Para o TC é "possível, desejável e exigível uma maior densificação" deste conceito. O acórdão refere, aliás, que o legislador podia ter utilizado "outros conceitos, muito mais comuns na prática (médica ou jurídica)". Os juízes do TC dão como exemplo a "lesão incapacitante ou que coloque o lesado em situação de dependência" definida na Lei de Bases dos Cuidados Paliativos, e aí explicitada como "a situação em que se encontra a pessoa que, por falta ou perda de autonomia física, psíquica ou intelectual, resultante ou agravada por doença crónica, demência orgânica, sequelas pós-traumáticas, deficiência, doença incurável e ou grave em fase avançada, ausência ou escassez de apoio familiar ou de outra natureza, não consegue, por si só, realizar as atividades da vida diária". E sublinham que esta é uma definição próxima da que ficou consagrada na lei espanhola.
susete.francisco@dn.pt