138 votos a favor. Eutanásia novamente aprovada no Parlamento
A despenalização da morte medicamente assistida foi novamente aprovada, esta tarde, na Assembleia da República, com 138 votos a favor, 84 contra e cinco abstenções.
Uma votação muito semelhante à que se registou a 29 de janeiro, quando a eutanásia foi aprovada em votação final global com com 136 votos a favor, 78 contra e 4 abstenções. Desta vez, mais dois deputados votaram a favor e mais seis votaram contra - o que se explica pela presença de um maior número de parlamentares no hemiciclo.
Votaram a favor do texto 101 deputados do PS, os 19 parlamentares do Bloco de Esquerda, três do PAN, dois do PEV, um da Iniciativa Liberal e as duas deputadas não inscritas, Joacine Katar Moreira e Cristina Rodrigues. Votaram igualmente a favor 13 deputados do PSD, entre os quais o líder do partido, Rui Rio.
Na bancada social-democrata houve ainda três abstenções, a que se somaram duas no PS.
A restante bancada social-democrata votou contra, tal como os cinco deputados do CDS e o deputado único do Chega. Sete deputados do PS também votaram contra o diploma.
A nova versão do texto, que explicita os conceitos visados pelo Tribunal Constitucional, volta agora a Belém e é possível que Marcelo Rebelo de Sousa, depois da declaração de inconstitucionalidade do decreto, volte a submeter o texto à apreciação dos juízes do Palácio Ratton. Recorde-se que, em março, uma maioria de sete juízes contra cinco declarou o diploma inconstitucional, questionando nomeadamente o conceito de "lesão definitiva de gravidade extrema de acordo com o consenso científico". Uma formulação que, para o TC, "não permite, ainda que considerado o contexto normativo em que se insere, delimitar com o indispensável rigor as situações da vida em que pode ser aplicado".
A imprecisão dos conceitos usados no texto tinha já sido o fundamento do pedido de fiscalização da constitucionalidade de Marcelo Rebelo de Sousa. "Considerando que recorre a conceitos excessivamente indeterminados, na definição dos requisitos de permissão da despenalização da morte medicamente assistida, e consagra a delegação, pela Assembleia da República, de matéria que lhe competia densificar, o Presidente da Republica decidiu submeter a fiscalização preventiva de constitucionalidade o decreto da Assembleia da República", referia então uma nota da Presidência.
Em março o diploma voltou ao Parlamento, tendo sido alterado num grupo de trabalho com membros dos cinco partidos que avançaram com os projetos de lei iniciais que vieram a dar origem a um texto único - PS, Bloco de Esquerda, PAN, PEV e Iniciativa Liberal.
As alterações consistem no aditamento de um novo artigo que clarifica os conceitos de morte medicamente assistida, suicídio medicamente assistido, eutanásia, doença grave ou incurável, lesão definitiva ou de gravidade extrema, sofrimento, médico orientador e médico especialista. Uma solução muito próxima da lei espanhola, um processo legislativo que chegou a correr a par do português, mas que entretanto já teve desfecho: em junho a morte medicamente assistida passou a ser legal, tornando a Espanha no quinto país europeu a admitir a antecipação da morte.
O diploma que regressará agora às mãos do Presidente da República define como "morte medicamente assistida" a que "ocorre por decisão da própria pessoa, em exercício do seu direito fundamental à autodeterminação e livre desenvolvimento da personalidade, quando praticada ou ajudada por profissionais de saúde".
O "suicídio medicamente assistido" é definido como a "autoadministração de fármacos letais, pelo médico ou profissional de saúde devidamente habilitado para o efeito".
A doença grave ou incurável é definida como "doença grave, que ameace a vida, em fase avançada e progressiva, incurável e irreversível, que origina sofrimento de grande intensidade".
No que diz respeito à "lesão definitiva de gravidade extrema", passa a considerar-se "lesão grave, definitiva e amplamente incapacitante que coloca a pessoa em situação de dependência de terceiro ou de apoio tecnológico para a realização das atividades elementares da vida diária, existindo certeza ou probabilidade muito elevada de que tais limitações venham a persistir no tempo sem possibilidade de cura ou de melhorias significativas".
Os deputados dos cinco partidos definiram ainda "sofrimento intolerável" como "um sofrimento físico, psicológico e espiritual, decorrente de doença grave ou incurável ou de lesão definitiva de gravidade extrema, com grande intensidade, persistente, continuado ou permanente e considerado intolerável pela própria pessoa".
Também as definições de "médico orientador" e "médico especialista" foram precisadas. No primeiro caso, especificou-se que é quem "tem a seu cargo coordenar toda a informação e assistência ao doente, sendo o interlocutor principal do mesmo durante todo o processo assistencial, sem prejuízo de outras eventuais obrigações que possam caber a outros profissionais". Este é "indicado pelo doente". O especialista é o clínico "da patologia "que afeta o doente e que não pertence à mesma equipa do médico orientador".
Ontem, na discussão do novo texto, os partidos voltaram a enunciar os argumentos, pró e contra, que se repetem desde o início da discussão. Mas nas bancadas do PSD e do CDS ouviram-se novas críticas quanto ao timing desta aprovação, com o líder parlamentar social-democrata, Adão Silva, a apontar o "frenesim de última hora" e a aprovação à "25ª hora" - leia-se em vésperas de dissolução da Assembleia da República - de uma matéria que qualificou como "transcendental". Adão Silva, que é favorável à despenalização da morte medicamente assistida, absteve-se na votação desta tarde.
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