O brasileiro Roberto Azevêdo anunciou na quinta-feira a sua renúncia ao cargo de diretor-geral da Organização Mundial do Comércio (OMC) um ano antes do final do mandato. Ao mesmo tempo que disse à Valor Económico não haver um momento certo para decisões deste género, explicou-a da seguinte forma: "Com esta decisão evito que a organização fique presa a dois processos simultâneos: a preparação da próxima reunião ministerial e o processo de substituição do diretor-geral.".Azevêdo cessa funções no dia 31 de agosto. Quando se recandidatou, em 2017, estaria longe de adivinhar o sismo nas relações internacionais causado pela vitória de Donald Trump nas eleições presidenciais..A política de America first do candidato republicano, e na qual denunciou tratados ou acordos internacionais que considerou não serem do interesse norte-americano (do Acordo de Paris sobre as alterações climáticas ao financiamento da NATO, da saída da UNESCO e do Conselho de Direitos Humanos da ONU e até ameaçando com cortes para o orçamento das Nações Unidas e, mais recentemente, da Organização Mundial de Saúde)..Na política comercial, e com o objetivo de corrigir défices com os principais parceiros de negócios, a mesma estratégia foi seguida, aqui com alguns resultados concretos: um novo acordo comercial com o México e o Canadá que substituiu a NAFTA e acordos revistos com Japão e Coreia do Sul..Em paralelo, o empresário norte-americano fez da OMC um alvo, até porque falta chegar a acordo com os dois maiores blocos comerciais, a China e a União Europeia..Em janeiro, durante o último Forum Económico Mundial em Davos, na Suíça, Trump voltou a dizer que a Organização Mundial do Comércio "tem sido muito injusta para com os Estados Unidos há muitos, muitos anos" e ameaçou com uma "estrutura totalmente nova para o acordo", referindo-se quer à OMC quer à China.."A Organização Mundial do Comércio - como sabem, já há algum tempo que tenho uma disputa com eles, porque o nosso país não tem sido tratado de forma justa.A China é vista como uma nação em desenvolvimento. A Índia é vista como uma nação em desenvolvimento. Eles obtiveram enormes vantagens pelo facto de serem considerados em vias de desenvolvimento e nós não", afirmou..A China passou a fazer parte da OMC em 2001. Sem essas vantagens, alegou Trump, "a China não seria a China, e a China não estaria onde está neste momento".."O Roberto e eu temos uma relação tremenda, e vamos fazer algo que eu penso que será muito impressionante", anunciou, como só Trump o faz, no final de uma reunião que o presidente teve com o diretor-geral da OMC em Davos..Não houve notícias subsequentes de medidas "impressionantes" -- os EUA já a tinham tomado quando, em dezembro, bloquearam a nomeação de novos juízes no sistema de resolução de litígios. Sem o quorum de três elementos, os países ficam sem recursos legais e vinculativos no quadro do comércio internacional.."O mecanismo de resolução de litígios é a jóia da coroa da OMC", disse o antigo presidente desse órgão Peter Van den Bossche. "A lei da selva, a lei do mais forte prevalecerá nas relações comerciais internacionais e isso irá prejudicar-nos a todos", comentou ao Politico..No ano passado, o órgão de resolução de litígios reconheceu que os EUA ajudaram a Boeing, numa ação que a UE e a Airbus tinham acionado, mas os queixosos não tiveram direito a indemnizações..Washington e Pequim assinaram um acordo comercial parcial, mas as tensões não só não baixaram como têm sido amplificadas com a crise económica e sanitária devido à pandemia que teve origem na China..Republicanos como o senador Josh Hawley querem que os EUA saiam da OMC. Argumentam que os EUA perderam dois milhões de postos de trabalho desde 2001, ano de entrada da China na OMC, e que Pequim não cumpriu a sua parte do acordo, que passava por abrir o mercado..A demissão "surge num momento muito mau para a instituição, uma vez que o sistema comercial se desestabilizou profundamente", disse Sébastien Jean, do think tank de dedicado à economia global CEPII, à AFP.."O mandato de Azevêdo caracterizou-se pela impotência de travar as tendências desestabilizadoras" do sistema comercial mundial, comentou o francês..A conferência ministerial da OMC é o momento cimeiro em representantes de todos os 164 estados-membros tentam finalizar processos de negociações. Decorre de dois em dois anos e ia decorrer em junho no Cazaquistão, mas foi adiada devido à pandemia do novo coronavírus..Saída estratégica.Um funcionário da OMC explicou ao Politico que Azevêdo considerou mais sensato aproveitar o período de pandemia para nomear um sucessor para que este esteja em plenas funções durante a conferência ministerial.."O processo de seleção [do diretor-geral] suga todo o oxigénio que temos", comentou o funcionário. "A conferência ministerial estaria morta ou seria inconsequente. Esse seria o pior cenário possível para uma organização que precisa de conceber um futuro e um plano de reforma da OMC.".Se há quem saiba da necessidade de uma reforma na instituição é Azevêdo. Aos 62 anos, o diplomata conta com duas décadas de experiência na OMC, tendo sido nomeado embaixador do Brasil na organização sedeada em Genebra em 2008. Em 2013 candidatou-se com sucesso como um homem do interior da OMC, sucedendo ao francês Pascal Lamy. O sexto diretor-geral obteve apoios tanto entre os países ricos, como os emergentes e os pobres..Azevêdo reclamou os louros de ter garantido o primeiro acordo multilateral de sempre da organização estabelecida em 1995 nascida das cinzas do GATT (Acordo Geral de Tarifas e Comércio). Em 2013, na conferência ministerial de Bali, foi aprovado o Acordo de Facilitação do Comércio, o qual uniformiza os procedimentos aduaneiros para simplificar o fluxo de mercadorias em todo o mundo..Um "momento histórico", disse então o diplomata, tendo destacado a importância para os países mais pobres. Outros momentos altos do seu primeiro mandato foi o fim dos subsídios para a exportação de produtos agrícolas e o primeiro acordo de redução de direitos aduaneiros da OMC incluído no Acordo sobre Tecnologias da Informação..Nesse período a OMC recebeu mais cinco estados-membros: Afeganistão, Iémen, Cazaquistão, Libéria e Seicheles..No entanto, nem Azevêdo conseguiu dar novo fôlego à ronda de Doha, as negociações iniciadas em 2001 para a reforma da OMC, nem ao dossiê dos subsídios à pesca..O que se segue?.Há quem como David Fickling, colunista da Bloomberg, aqui em texto no Washington Post , augure o fim da OMC, e que tal pode não ser necessariamente mau..Numa perspetiva mais ao gosto institucional, como defende a UE (com a permanência dos EUA e o funcionamento do órgão de resolução de conflitos), o próximo passo é encontrar um novo diretor-geral. Para tal é necessário que nenhum dos 164 estados se oponha..O comissário europeu do Comércio, Phil Hogan, afirmou que num "momento crítico e incerto para o comércio" não há tempo a perder: "Faz sentido prosseguir agora com o processo de sucessão, em vez de esperarmos até ao próximo ano.".Em comunicado, o dirigente irlandês destacou a importância da organização para dar resposta à pandemia. "Os desafios comerciais decorrentes do impacto do covid-19 exigem um planeamento imediato para o futuro. O papel da OMC é responder coletivamente a esta pandemia, para que possamos alcançar uma melhor coordenação e eliminar as desnecessárias e conexas barreiras comerciais"..E concluiu : "Um novo diretor-geral ajudará os membros a desempenharem um papel integral na definição do futuro.".A escolha do futuro chefe da OMC deverá ser palco para mais uma disputa entre Washington e Pequim. Embora ninguém acredite que haja candidatos próprios, é de esperar que cada um apoie pessoas diversas. No ano passado, a Organização Mundial da Propriedade Intelectual, agência da ONU (também com sede em Genebra), foi palco de uma renhida luta entre EUA e Ocidente e a China, com o candidato apoiado por Washinton a ser o eleito..Segundo a Bloomberg, já há três candidatos africanos para suceder ao diplomata brasileiro: o diretor-geral adjunto da OMC Yonov Frederick Agah, da Nigéria; Abdelhamid Mamdouh, ex-diretor da Divisão de Comércio de Serviços e Investimento da OMC, do Egito; e Eloi Laourou, embaixador na ONU, do Benim.
O brasileiro Roberto Azevêdo anunciou na quinta-feira a sua renúncia ao cargo de diretor-geral da Organização Mundial do Comércio (OMC) um ano antes do final do mandato. Ao mesmo tempo que disse à Valor Económico não haver um momento certo para decisões deste género, explicou-a da seguinte forma: "Com esta decisão evito que a organização fique presa a dois processos simultâneos: a preparação da próxima reunião ministerial e o processo de substituição do diretor-geral.".Azevêdo cessa funções no dia 31 de agosto. Quando se recandidatou, em 2017, estaria longe de adivinhar o sismo nas relações internacionais causado pela vitória de Donald Trump nas eleições presidenciais..A política de America first do candidato republicano, e na qual denunciou tratados ou acordos internacionais que considerou não serem do interesse norte-americano (do Acordo de Paris sobre as alterações climáticas ao financiamento da NATO, da saída da UNESCO e do Conselho de Direitos Humanos da ONU e até ameaçando com cortes para o orçamento das Nações Unidas e, mais recentemente, da Organização Mundial de Saúde)..Na política comercial, e com o objetivo de corrigir défices com os principais parceiros de negócios, a mesma estratégia foi seguida, aqui com alguns resultados concretos: um novo acordo comercial com o México e o Canadá que substituiu a NAFTA e acordos revistos com Japão e Coreia do Sul..Em paralelo, o empresário norte-americano fez da OMC um alvo, até porque falta chegar a acordo com os dois maiores blocos comerciais, a China e a União Europeia..Em janeiro, durante o último Forum Económico Mundial em Davos, na Suíça, Trump voltou a dizer que a Organização Mundial do Comércio "tem sido muito injusta para com os Estados Unidos há muitos, muitos anos" e ameaçou com uma "estrutura totalmente nova para o acordo", referindo-se quer à OMC quer à China.."A Organização Mundial do Comércio - como sabem, já há algum tempo que tenho uma disputa com eles, porque o nosso país não tem sido tratado de forma justa.A China é vista como uma nação em desenvolvimento. A Índia é vista como uma nação em desenvolvimento. Eles obtiveram enormes vantagens pelo facto de serem considerados em vias de desenvolvimento e nós não", afirmou..A China passou a fazer parte da OMC em 2001. Sem essas vantagens, alegou Trump, "a China não seria a China, e a China não estaria onde está neste momento".."O Roberto e eu temos uma relação tremenda, e vamos fazer algo que eu penso que será muito impressionante", anunciou, como só Trump o faz, no final de uma reunião que o presidente teve com o diretor-geral da OMC em Davos..Não houve notícias subsequentes de medidas "impressionantes" -- os EUA já a tinham tomado quando, em dezembro, bloquearam a nomeação de novos juízes no sistema de resolução de litígios. Sem o quorum de três elementos, os países ficam sem recursos legais e vinculativos no quadro do comércio internacional.."O mecanismo de resolução de litígios é a jóia da coroa da OMC", disse o antigo presidente desse órgão Peter Van den Bossche. "A lei da selva, a lei do mais forte prevalecerá nas relações comerciais internacionais e isso irá prejudicar-nos a todos", comentou ao Politico..No ano passado, o órgão de resolução de litígios reconheceu que os EUA ajudaram a Boeing, numa ação que a UE e a Airbus tinham acionado, mas os queixosos não tiveram direito a indemnizações..Washington e Pequim assinaram um acordo comercial parcial, mas as tensões não só não baixaram como têm sido amplificadas com a crise económica e sanitária devido à pandemia que teve origem na China..Republicanos como o senador Josh Hawley querem que os EUA saiam da OMC. Argumentam que os EUA perderam dois milhões de postos de trabalho desde 2001, ano de entrada da China na OMC, e que Pequim não cumpriu a sua parte do acordo, que passava por abrir o mercado..A demissão "surge num momento muito mau para a instituição, uma vez que o sistema comercial se desestabilizou profundamente", disse Sébastien Jean, do think tank de dedicado à economia global CEPII, à AFP.."O mandato de Azevêdo caracterizou-se pela impotência de travar as tendências desestabilizadoras" do sistema comercial mundial, comentou o francês..A conferência ministerial da OMC é o momento cimeiro em representantes de todos os 164 estados-membros tentam finalizar processos de negociações. Decorre de dois em dois anos e ia decorrer em junho no Cazaquistão, mas foi adiada devido à pandemia do novo coronavírus..Saída estratégica.Um funcionário da OMC explicou ao Politico que Azevêdo considerou mais sensato aproveitar o período de pandemia para nomear um sucessor para que este esteja em plenas funções durante a conferência ministerial.."O processo de seleção [do diretor-geral] suga todo o oxigénio que temos", comentou o funcionário. "A conferência ministerial estaria morta ou seria inconsequente. Esse seria o pior cenário possível para uma organização que precisa de conceber um futuro e um plano de reforma da OMC.".Se há quem saiba da necessidade de uma reforma na instituição é Azevêdo. Aos 62 anos, o diplomata conta com duas décadas de experiência na OMC, tendo sido nomeado embaixador do Brasil na organização sedeada em Genebra em 2008. Em 2013 candidatou-se com sucesso como um homem do interior da OMC, sucedendo ao francês Pascal Lamy. O sexto diretor-geral obteve apoios tanto entre os países ricos, como os emergentes e os pobres..Azevêdo reclamou os louros de ter garantido o primeiro acordo multilateral de sempre da organização estabelecida em 1995 nascida das cinzas do GATT (Acordo Geral de Tarifas e Comércio). Em 2013, na conferência ministerial de Bali, foi aprovado o Acordo de Facilitação do Comércio, o qual uniformiza os procedimentos aduaneiros para simplificar o fluxo de mercadorias em todo o mundo..Um "momento histórico", disse então o diplomata, tendo destacado a importância para os países mais pobres. Outros momentos altos do seu primeiro mandato foi o fim dos subsídios para a exportação de produtos agrícolas e o primeiro acordo de redução de direitos aduaneiros da OMC incluído no Acordo sobre Tecnologias da Informação..Nesse período a OMC recebeu mais cinco estados-membros: Afeganistão, Iémen, Cazaquistão, Libéria e Seicheles..No entanto, nem Azevêdo conseguiu dar novo fôlego à ronda de Doha, as negociações iniciadas em 2001 para a reforma da OMC, nem ao dossiê dos subsídios à pesca..O que se segue?.Há quem como David Fickling, colunista da Bloomberg, aqui em texto no Washington Post , augure o fim da OMC, e que tal pode não ser necessariamente mau..Numa perspetiva mais ao gosto institucional, como defende a UE (com a permanência dos EUA e o funcionamento do órgão de resolução de conflitos), o próximo passo é encontrar um novo diretor-geral. Para tal é necessário que nenhum dos 164 estados se oponha..O comissário europeu do Comércio, Phil Hogan, afirmou que num "momento crítico e incerto para o comércio" não há tempo a perder: "Faz sentido prosseguir agora com o processo de sucessão, em vez de esperarmos até ao próximo ano.".Em comunicado, o dirigente irlandês destacou a importância da organização para dar resposta à pandemia. "Os desafios comerciais decorrentes do impacto do covid-19 exigem um planeamento imediato para o futuro. O papel da OMC é responder coletivamente a esta pandemia, para que possamos alcançar uma melhor coordenação e eliminar as desnecessárias e conexas barreiras comerciais"..E concluiu : "Um novo diretor-geral ajudará os membros a desempenharem um papel integral na definição do futuro.".A escolha do futuro chefe da OMC deverá ser palco para mais uma disputa entre Washington e Pequim. Embora ninguém acredite que haja candidatos próprios, é de esperar que cada um apoie pessoas diversas. No ano passado, a Organização Mundial da Propriedade Intelectual, agência da ONU (também com sede em Genebra), foi palco de uma renhida luta entre EUA e Ocidente e a China, com o candidato apoiado por Washinton a ser o eleito..Segundo a Bloomberg, já há três candidatos africanos para suceder ao diplomata brasileiro: o diretor-geral adjunto da OMC Yonov Frederick Agah, da Nigéria; Abdelhamid Mamdouh, ex-diretor da Divisão de Comércio de Serviços e Investimento da OMC, do Egito; e Eloi Laourou, embaixador na ONU, do Benim.