EUA falam em "tentativa quase desesperada" da Rússia para atingir objetivos
O Kremlin está "quase desesperado" para endurecer o seu pulso numa guerra em que as suas tropas têm estado cada vez mais "frustradas e desanimadas" devido à sólida resistência, apesar da inferioridade ucraniana em soldados e em armas, disse um alto funcionário da Defesa dos EUA. A Rússia está agora a intensificar as operações militares aéreas e marítimas enquanto atinge zonas residenciais para forçar ganhos territoriais, onde a "destreza" da defesa montada por Kiev está a impedir a invasão. Só nas últimas 24 horas o Pentágono contou 300 missões aéreas russas, mas também uma resposta da força aérea ucraniana. O presidente ucraniano rejeitou entretanto um ultimato para entregar Mariupol, acusou Moscovo de querer "destruir" o seu país e disse que qualquer compromisso alcançado nas negociações com o invasor teria de ser submetido a referendo.
"Não conseguiram nada daquilo que avaliamos como sendo os seus objetivos", disse sob anonimato o referido funcionário do Pentágono aos meios de comunicação. Até ao momento, as tropas russas apoderaram-se apenas de cidades mais pequenas, como Kherson, Berdyansk e Melitopol, e estão bloqueadas, sem conseguirem tomar grandes centros populacionais como Kharkiv, Mariupol e Kiev. Segundo o funcionário norte-americano, as tropas russas permanecem sem avanços significativos a cerca de 15 quilómetros a noroeste e a cerca de 30 quilómetros a leste da capital.
Desta forma estará em prática o que vários analistas e comentadores chamam de plano B de Putin. Os russos estão a utilizar cada vez mais bombardeamentos e mísseis de longo alcance - oriundos de território russo e bielorrusso - para bombardear cidades à distância, tornando a guerra "muito mais perigosa para os civis", acrescentou a fonte do Pentágono.
As conclusões dos Estados Unidos não diferem daquelas que os serviços secretos britânicos deram a conhecer ao Ministério da Defesa. Com a Ucrânia a defender o seu espaço aéreo com eficácia, a Rússia foi obrigada a lançar ataques a partir do seu próprio espaço aéreo. E que a Rússia tinha sido forçada a "mudar a sua abordagem operacional e está agora a seguir uma estratégia de desgaste". Significa isto que "é provável que envolva o uso indiscriminado do poder de fogo, resultando no aumento das baixas civis, na destruição das infraestruturas ucranianas, e na intensificação da crise humana".
A violência em crescendo ficou simbolizada num ataque, no domingo à noite, ao centro comercial Retroville, em Kiev. Segundo as autoridades ucranianas morreram pelo menos oito pessoas. Os russos dizem ter utilizado "armamento de precisão de longo alcance" para destruir uma loja que escondia "sistemas de rockets de lançamento múltiplo" e munições. O porta-voz do Ministério da Defesa russo acusou a Ucrânia de utilizar infraestruturas civis como um escudo para atacar as tropas russas com artilharia e sistemas de rockets.
A mudança de estratégia russa, diz o Pentágono, "poderá ser simplesmente uma tentativa de melhorar a sua posição [da Rússia] à mesa de negociações porque neste momento não parece que tenham grande vantagem para negociar". Até porque, alega, "em vez de desmoralizar os ucranianos", "este tipo de violência apenas os motivou mais, o que significa que estão a resistir mais".
A resistência passou pela recusa de Volodymyr Zelensky em depor armas e entregar Mariupol, que continua sob cerco russo e onde centenas de milhares de pessoas sobrevivem sem condições. "A Ucrânia não pode aceitar nenhum ultimato da Rússia. Em primeiro lugar, eles terão que destruir-nos a todos, só então os seus ultimatos serão respeitados", declarou o presidente ucraniano. O comando militar do Kremlin decretara um ultimato às autoridades de Mariupol até as 05h00 de ontem para que respondessem a oito páginas de exigências.
O ministro da Defesa Oleksiy Reznikov expicou que os defensores de Mariupol "desempenham um papel enorme na destruição dos planos do inimigo e na melhoria" da defesa ucraniana. "Hoje, Mariupol está a salvar Kiev, Dnipro e Odessa. Todos devem compreender isto", acrescentou. Já a vice-primeira-ministra Iryna Vereshchuk disse que Moscovo deveria permitir aos moradores deixarem a cidade.
"O que está a acontecer agora em Mariupol é um crime de guerra em massa, destruindo tudo, bombardeando e matando toda a gente", comentou o chefe da diplomacia europeia Josep Borrell.
Os esforços diplomáticos prosseguem e o primeiro-ministro israelita Naftali Bennett disse que houve "avanços". Segundo o Jerusalem Post, Bennett assegurou que, no âmbito dos avanços, a Rússia renunciou a depor Zelensky e a desmilitarizar a Ucrânia, enquanto as autoridades ucranianas se comprometeram a não aderirem à NATO, como o presidente repetiu em entrevista ao portal Suspilne. "Não nos aceitam porque têm medo da Rússia. Outras garantias de segurança serão necessárias", disse. Na mesma entrevista disse que qualquer "compromisso" nas negociações com a Rússia para encerrar o conflito será submetido a um referendo. "Expliquei a todos os grupos de negociação: quando eles falarem sobre todas essas mudanças, que podem ser históricas (...), iremos fazer um referendo."
A organização Save the Children alerta que há até seis milhões de crianças na Ucrânia "em grave perigo" tendo em conta que o exército russo está a atacar um número crescente de escolas e hospitais.
"Estamos extremamente alarmados com relatos de que bombas e intensas explosões danificaram mais de 460 escolas em todo o país, e mais de 60 estão agora em ruínas completas. A escola deveria ser um porto seguro para as crianças, não um lugar de medo, ferimentos ou morte", escreveu o diretor da Save the Children naquele país, Pete Walsh.
O comunicado recorda que pelo menos 59 crianças foram mortas, de acordo com a ONU, com notícias a indicarem que o número poderá atingir os 100. "As regras da guerra são muito claras: as crianças não são um alvo, nem os hospitais nem as escolas. Temos de proteger as crianças na Ucrânia a todo o custo. Quantas mais vidas terão de ser perdidas até ao fim desta guerra?".