EUA dizem que Pequim tem de responder por "genocídio" uigur, após relatório da ONU que deixou China irada

O relatório das Nações Unidas, há muito esperado, aponta que a China pode ter cometido "crimes contra a humanidade", mas não chega a chamar o tratamento de Pequim aos uigures como "genocídio"
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Os Estados Unidos disseram nesta quinta-feira que um relatório, há muito aguardado, da ONU reafirmou a opinião norte-americana de que a China está a realizar um genocídio contra o povo uigur, enquanto Pequim rotula furiosamente o organismo mundial de ser cúmplice do Ocidente.

O secretário-geral da ONU, António Guterres, defendeu o relatório divulgado pela Alta Comissária para os Direitos Humanos sobre a região ocidental de Xinjiang e pediu à China que siga as recomendações do texto para acabar com as práticas "discriminatórias" contra os uigures e outros povos maioritariamente muçulmanos.

O relatório histórico - divulgado minutos antes de a chefe de direitos humanos da ONU, Michelle Bachelet, deixar o cargo - detalhou uma série de violações de direitos, incluindo tortura, trabalho forçado e detenção arbitrária, trazendo o selo da ONU para muitas das alegações feitas há muito tempo por grupos ativistas, nações ocidentais e a comunidade uigur no exílio.

O relatório aponta que a China pode ter cometido "crimes contra a humanidade", mas não chegou a chamar o tratamento de Pequim aos uigures de "genocídio", um termo usado desde janeiro de 2021 pelos Estados Unidos e desde então adotado por legislaturas de várias outras nações ocidentais.

O secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, no entanto, disse que a substância do relatório "aprofunda e reafirma a nossa grave preocupação com o genocídio em marcha e os crimes contra a humanidade que as autoridades do governo da RPC [República Popular da China] estão a perpetrar contra os uigures".

"Continuaremos a responsabilizar a RPC e pediremos à RPC que liberte os detidos injustamente, preste contas sobre os desaparecidos e permita aos investigadores independentes um acesso total e irrestrito a Xinjiang, Tibete e a toda a RPC", disse Blinken em comunicado, usando a sigla para a República Popular da China.

Pequim rejeitou duramente o relatório - que esteve mais de um ano em elaboração - e manteve firme oposição à sua divulgação, compartilhando um documento de mais de 100 páginas do governo da província de Xinjiang defendendo as suas políticas.
"O chamado relatório crítico que você mencionou é planeado e fabricado em primeira mão pelos EUA e algumas forças ocidentais, é totalmente ilegal e inválido", disse o porta-voz do Ministério das Relações Exteriores, Wang Wenbin, num briefing nesta quinta-feira.

"O relatório é uma miscelânea de desinformação e é uma ferramenta política que serve como parte da estratégia do Ocidente de usar Xinjiang para controlar a China", acrescentou.

Bachelet, que enfrentou fortes críticas dos EUA por visitar a China em maio e não divulgar imediatamente o relatório, disse que decidiu que era necessária uma avaliação completa da situação dentro da Região Autónoma Uigur de Xinjiang (XUAR).

A ex-presidente do Chile estava determinada a divulgar o documento antes de o seu mandato de quatro anos como Alta Comissária da ONU para os Direitos Humanos expirar no final de agosto - e fê-lo quando faltavam 13 minutos para a meia-noite em Genebra. "Eu disse que iria publicá-lo antes do fim do meu mandato e fi-lo", disse Bachelet em e-mail à AFP nesta quinta-feira.
"A politização dessas sérias questões de direitos humanos por alguns estados não ajudou."

Guterres mostrou-se "preocupado" com o que leu no relatório, disse o seu porta-voz Stephane Dujarric.
"O secretário-geral espera muito que o governo da China leve em consideração as recomendações apresentadas na avaliação do HCHR", acrescentou o Alto Comissário para os Direitos Humanos.

A China é acusada há anos de deter mais de um milhão de uigures e outros muçulmanos na região. Pequim rejeitou veementemente as alegações, insistindo que está a administrar centros de educação profissional destinados a conter o extremismo islâmico.

"As alegações de padrões de tortura ou maus-tratos, incluindo tratamento médico forçado e condições adversas de detenção, são críveis, assim como as alegações de incidentes individuais de violência sexual e de género", diz o relatório.

O Escritório de Direitos Humanos da ONU não pôde confirmar quantas pessoas foram afetadas pelos centros, mas concluiu que o sistema operava em "ampla escala" em toda a região.

Ativistas também acusaram a China de esterilizar mulheres à força, e o relatório citou "indicações confiáveis ​​de violações dos direitos reprodutivos por meio da aplicação coerciva de políticas de planeamento familiar".

Grupos ativistas disseram que o relatório deve funcionar como uma plataforma de lançamento para ações futuras.
A diretora da Human Rights Watch na China, Sophie Richardson, disse que as descobertas "condenáveis" de amplos abusos de direitos humanos mostraram por que Pequim "lutou com unhas e dentes" para impedir a publicação deste relatório.

A resposta da comunidade ativista uigur foi mista, com alguns grupos a elogiar o relatório, enquanto outros desejavam que ele tivesse ido mais longe na sua condenação.

O diretor executivo do Uyghur Human Rights Project, Omer Kanat, apelidou o relatório de "um divisor de águas" para a resposta internacional à situação uigur, mas Salih Hudayar, um uigur-americano que faz campanha pela independência de Xinjiang, notou que o documento não contém a palavra "genocídio".

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