Estudo sobre carga viral em vacinados lança alerta: certificado não substitui uso de máscara

Os EUA foram dos primeiros a deixar cair o uso de máscara. Foi logo em maio, quando tinham cerca de 60% da população vacinada. Mas as conclusões de um estudo da Universidade de Massachussets sobre a carga viral em vacinados e em não vacinados fizeram-nos voltar atrás. As regras básicas de proteção são fundamentais. Especialistas portugueses dizem que a informação traz novos desafios, como a discussão da terceira dose e da validade do certificado digital.
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O Estado de Massachusetts, tal como muitos outros estados norte-americanos, levantou todas as restrições associadas à covid-19, inclusive o uso de máscara, no final de maio. Mas há uns dias voltou a instituir a sua obrigatoriedade. A decisão tem por base um estudo realizado pela universidade do Estado que demonstra que a carga viral de uma pessoa vacinada, que acabou por contrair a doença, é idêntica à carga viral de uma não vacinada. Ou seja, uma pessoa vacinada, mesmo que não fique doente, também pode transportar o vírus e transmite-lo.

"Este dado vem mudar muita coisa, sobretudo o conceito de transmissibilidade. A vacinação é muito importante, mas antes pensava-se que a carga viral de um vacinado era reduzida, não permitindo a transmissão, mas, pelos vistos, não é assim. E isto vem lançar novos desafios", diz ao DN o imunologista Manuel Santos Rosa e professor catedrático da Faculdade de Medicina de Coimbra.

Aliás, o professor alerta mesmo para o facto de se ter de repensar uma estratégia como a que seguimos em que o certificado digital de vacinação é uma arma de combate à infeção. "O certificado de vacinação deveria ser um instrumento que nos dissesse que, neste momento, temos quase a certeza de que esta pessoa não está infetada e que não é transmissora do vírus. Ora bem, esta nova informação vem demonstrar que o que parecia ser um certificado de garantia, de que não havia riscos, não é. Aquilo que um certificado pode comprovar é que a pessoa vacinada está protegida e que, provavelmente, não irá desenvolver doença grave, mas no que toca ao conceito de transmissão penso que se deve repensar as estratégias de luta contra a infeção", defende o médico. Argumentando: "Neste momento, um teste negativo diz-nos mais do que o certificado sobre alguém que vai viajar, que está num restaurante, num espetáculo ou num evento familiar. Diz-nos que essa pessoa não está mesmo infetada". Como imunologista, Manuel Santos Rosa sublinha que "a informação do estudo da universidade de Massachusetts é muito importante e deve ser tida em conta".


O bastonário dos médicos, Miguel Guimarães, concorda que os resultados dos estudos da Universidade de Massachusetts colocam em cima da mesa a importância do certificado digital e de uma terceira dose, referindo mesmo ao DN que o assunto ainda não foi discutido no Gabinete de Crise para a Covid-19 da ordem, mas que deverá ser. "Esta informação vem colocar um novo desafio que terá implicações na estratégia que seguimos para controlar a infeção", afirma.

Embora, sustente que "a estratégia não terá de ser muito diferente da que seguimos, mas tem de fazer passar a mensagem que as regras de proteção individuais, como o uso de máscara, distanciamento físico e higienização das mãos, têm de continuar a ser cumpridas, mesmo pelas pessoas vacinadas. Isto é fundamental. É preciso que as pessoas percebam que o certificado de vacinação dá-nos algumas garantias, de que a pessoa está mais protegida contra a doença grave, mas não substitui o uso de máscara. Esta é das medidas que mais no protege".


Para o pneumologista Carlos Robalo Cordeiro, também presidente da Sociedade Respiratória Europeia (ERS), este estudo, no fundo, vem comprovar o que a comunidade científica tem vindo a dizer. Ou seja, "o facto de se estar vacinado não pode fazer com que se deixe de cumprir integralmente as regras de proteção determinadas pela OMS e pela DGS".

Carlos Robalo Cordeiro assume mesmo "se a evidência científica mostra que vacinado, que é infetado, tem uma carga viral semelhante à de um não vacinado, devemos pensar então se a questão da terceira dose não deve ser discutida de forma universal". O pneumologista, também diretor de serviço nos Hospitais Universitários de Coimbra, considera que "a imunidade celular é igualmente importante no combate à infeção e, se calhar, deveria ser mais discutida do que está a ser".

No entanto, admite que "o certificado digital de vacinação também o é, porque, apesar de tudo, atesta maior proteção, e deve ser válido agora e mais para a frente". Agora, concorda, que a vacinação e um certificado "não podem desobrigar as pessoas a cumprirem as regras e os cuidados a ter para evitar a doença", mencionando a máscara e o distanciamento social, bem como a testagem frequente.


De acordo com o Centro de Controlo de Doenças (CDC na sigla inglesa) dos EUA, o estudo da universidade de Massachusetts teve como base um surto ocorrido no condado de Princetown, numa estância turística no Cabo Cod. O surto atingiu mais de 900 casos, tornou-se persistente e três quartos dos infetados eram pessoas vacinadas. E o motivo que levou os cientistas a quererem saber o porquê deste surto foi precisamente o ter ocorrido no condado do Estado com maior taxa de vacinação e a maioria dos infetados estar vacinada.

As conclusões parecem não deixar dúvidas: o surto está associado às festividades em Provincetown, que incluíram eventos com muitas pessoas, em espaços fechados e abertos, em bares, restaurantes, casas de aluguer e outras habitações, e os investigadores, que fizeram testes a uma parte do universo de mais de 900 pessoas, "encontraram sensivelmente o mesmo nível de vírus nas pessoas que foram vacinadas e nas outras".

Mais. De entre os que tinham as duas doses da vacina, cerca de 80% sentiram sintomas, como tosse, dor de cabeça, febre, dores de garganta e dores musculares. Após a divulgação dos resultados desta investigação, as autoridades de Massachusetts voltaram a impor o uso de máscara e o próprio CDC, segundo relata o Washington Post, também está a considerar outras alterações no aconselhamento da luta contra o SARS CoV-2 nos EUA, como o regresso generalizado do uso de máscara e a exigência da vacinação de médicos e de outros trabalhadores da saúde.

O jornal revela ainda que "dirigentes do CDC confirmaram haver mais estudos, e de âmbito superior, a serem feitos, onde estão a seguir seguidos dezenas de milhares de vacinados e não vacinados em todo o país". Uma coisa parece estar garantida é que esta mudança no conceito de transmissibilidade está associada à variante Delta, que o CDC dos EUA, confirma ter um grau de contágio idêntico ao da varicela.


Miguel Guimarães recorda igualmente que, neste momento, o mundo está a lutar contra uma variante com "um grau de transmissibilidade muito idêntico ao da varicela, em que uma pessoa pode infetar oito a nove pessoas, o que é uma coisa brutal", sublinhando que "este estudo está a fazer com que se volte ao básico, às medidas de proteção individual e coletivas".


O bastonário mantém, "para se controlar a infeção, a vacinação é essencial - se não a tivéssemos a nossa incidência seria quatro a cinco vezes superior - mas as outras medidas também o são. É preciso que restaurantes e outras entidades com espaços onde se realizam grandes eventos exijam o uso de máscaras, cumpram a lotação, o distanciamento entre lugares e mesas". Como diz, "estas medidas são fundamentais, se as pessoas as cumprirem à risca estarão protegidas".


Quanto ao certificado de vacinação, que neste momento é solicitado para a entrada em espaços fechados ao fim de semana, "tenho muitas dúvidas que se continue a exigir", pois, justifica, "um teste de laboratório é mais importante, comprova que, de facto, não há carga viral". Aliás, para Miguel Guimarães, para grandes eventos, como festas familiares, casamentos, batizados e outros, esta medida deveria ser a única aceite.

"Os grandes surtos têm ocorrido sobretudo em situações destas em que as pessoas estão mais à vontade e o tempo todo sem máscaras", recomendando que "nos restaurantes a máscara só se deveria retirar no período em que se está a comer", de forma a diminuir o tempo de exposição a um eventual contágio. O representante dos médicos reforça que o certificado digital de vacinação "é importante, mas não substitui o uso da máscara. A infeção só cai a pique se estivermos confinados ou se andarmos sempre de máscara, e mudando-a de seis em seis horas".


O estudo realizado nos EUA veio alertar para o seguinte, e como menciona o Washington Post, "a guerra mudou" e agora há preocupação crescente com a possibilidade de os vacinados poderem ser fonte de contágios generalizados.

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