A decisão de ir estudar para fora é tomada tendo em conta muitos fatores: o curso não existir cá, não se ter notas para entrar em Portugal ou porque se procura uma experiência no estrangeiro. Depois começa a escolha do país. E é aí que se descobre quais os sítios onde não se paga propinas ou onde há um empréstimo estatal para estudar. Além de ser mais fácil encontrar um trabalho em part-time para conciliar com os estudos..É isso que garantem os jovens portugueses que escolheram estudar fora. Gonçalo Reis está em Copenhaga a estudar Gestão Hoteleira e Turismo, numa turma internacional. Está desde setembro de 2018 na capital dinamarquesa, depois de sete anos de interregno entre o secundário e o início da licenciatura. "Tinha o curso de Técnico de Turismo e depois do secundário quis começar a trabalhar, fui nadador salvador e segurança privado. Tinha feito estágio num parque de aventura e o meu patrão começou a dizer que para fazer coisas mais radicais precisava de uma licenciatura." Esperou pelos 23 anos para se poder candidatar a esse contingente, mas não passou no teste de candidatura à Escola Superior de Hotelaria e Turismo do Estoril - "já não estudava há cinco anos" -, e aí começou a pensar nos custos do ensino superior em Portugal.."As propinas eram caríssimas e aqui na Dinamarca não pago; lá tinha de ir de carro porque teria de fazer em pós-laboral e a essa hora os transportes não são eficazes, e aqui ando de bicicleta.".Na Dinamarca, os estudantes recebem um apoio para fazer o ensino superior. "São 5500 coroas, cerca de 750 euros por mês." Um apoio automático para todos os dinamarqueses e para todos os estudantes da União Europeia que encontrem trabalho. Não podem fazer mais de 12 horas semanais, mas esse trabalho acaba por ser mais bem pago do que em Portugal..Dois fatores que, para Gonçalo e João Pedro Santos (outro português na Dinamarca), compensam os custos mais elevados, por exemplo da renda de casa. "O que acaba por ser vantajoso é o rácio do que se ganha e do que se gasta." Ou seja, aos dois alunos ainda lhes sobra dinheiro no fim do mês, graças ao apoio estatal - cuja única regra é não chumbar mais do que três vezes à mesma disciplina - e ao trabalho, que gerem facilmente com as aulas..João Pedro Santos está a começar a tese em Engenharia Civil numa vertente energética na Universidade Técnica da Dinamarca. Já foi nesse país que completou a licenciatura em Engenharia Civil, depois de cinco anos em que apenas completou dois curriculares do curso no Politécnico de Leiria. "Tive várias dificuldades com o tipo de ensino e avaliações muito pouco flexíveis. Em Portugal não é avaliado se a pessoa pensou bem no exercício, só se chegou ao resultado. Por motivos financeiros e por estar farto desse modelo de ensino, quando tive a oportunidade de vir para a Dinamarca, vim.".Em Portugal, João já trabalhava em part-time - "em caixas de supermercados, em bares, em lojas de desporto" -, o que lhe dava 250/270 euros por mês, e tinha de pagar propinas, mais a casa (é natural de Torres Vedras). "Tinha de haver ajuda dos pais", confessa. Desde que chegou à Dinamarca, para onde se mudou com a namorada, já acabou a licenciatura (converteu alguns dos créditos feitos em Leiria), está a fazer o mestrado e sempre trabalhou ao mesmo tempo. Recebe 700 euros pelo part-time de 12 horas semanais e o apoio do Estado para estudar. "Paga-se mais na renda de casa e nas coisas, mas é mais fácil sobrar algum dinheiro ao fim do mês." Com experiências tão diferentes, João admite: "Adoro Portugal, a única coisa de que não gosto é do mercado de trabalho."."A carga horária em Portugal é muito superior".Em Inglaterra, Margarida Vieira e Telmo Sousa também elogiam a facilidade em conquistarem autonomia financeira, muito mais do que teriam em Portugal. A algarvia estuda Biologia Marinha em Portsmouth, trabalha 15 horas por semana num supermercado, ganhando 500 libras por mês (cerca de 568 euros). Paga de renda 425 a 455 euros (despesas incluídas), dando folga para pagar os outros gastos. "Quando sinto que estou mais apertada de dinheiro peço para trabalhar mais horas. Aqui há essa flexibilidade." Conta também com a ajuda estatal. "Candidatamo-nos ao student finance e é-nos emprestado o valor da propina, só começamos a pagar dois anos depois de acabar o curso, e se ganharmos mais de 25 mil libras por ano, eles descontam 30% do ordenado", explica. No seu caso, o empréstimo é de 10 500 euros, um valor que, admite, não teria condições de pagar. Sente que em Portugal seria mais difícil conseguir conciliar os estudos com o trabalho: "A carga horária em Portugal é muito superior.".O madeirense Telmo fez a licenciatura na terra natal, mas tinha o desejo de emigrar. Primeiro pensou ainda fazer o mestrado em Lisboa, mas acabou por não entrar e decidiu emigrar logo nessa altura. "Vim por causa do mestrado em Produção Cinematográfica, que já acabei e agora comecei uma pós-graduação em Efeitos Visuais." Na primeira formação também teve o empréstimo, agora foram os pais que financiaram os 4258 euros da especialização. Telmo trabalha mas, como vive em Londres, são os pais que lhe pagam a renda de 739 euros. Os cerca de 140 euros que ganha no part-time servem para as outras despesas. Mas esta ajuda está a terminar: Telmo já arranjou trabalho numa empresa da sua área e vai deixar de precisar da ajuda dos pais. "O que vou ganhar vai dar sem problemas para a casa e para as despesas.".Tomé João está na Alemanha, em Dusseldorf, a aprender a língua para em setembro começar a estudar Cinema. Não foi para estudar que emigrou, mas acabou por decidir fazer a licenciatura que há muito sonhava. As propinas são 250 euros por semestre, mas esse valor inclui um passe para os transportes em todo o Estado e descontos noutras formações (como cursos de línguas ou cursos online). O valor da renda de casa é semelhante a Lisboa, onde Tomé, natural do Algarve, vivia antes de emigrar. Com trabalho bem pago como intérprete, Tomé, que já foi gerente de vendas em Lisboa, diz que para ganhar o mesmo e estudar em Portugal "teria de trabalhar como um escravo"..Pouca flexibilidade e falta de residências.Os estudos feitos em Portugal, como o de Susana da Cruz Martins, mostram a maior dificuldade cá em conciliar o trabalho com os estudos. "Ainda temos das cargas horárias letivas mais pesadas da Europa, o que pode ser um obstáculo a essa conciliação", admite a investigadora do ISCTE que integrou o estudo "Condições de vida dos estudantes do ensino superior". Também por cá, as ajudas do Estado pesam apenas 6% no rendimento dos estudantes, quando na Dinamarca, por exemplo, são 52% dos rendimentos..Mas o principal problema, sublinha o reitor da Universidade de Lisboa, António Cruz Serra, é o alojamento: "Não há alojamento. São precisas mais residências e já estamos a tratar disso.".Segundo o estudo do ISCTE, as despesas com alojamento são 11% do orçamento dos estudantes portugueses, o quarto país europeu onde este valor é mais elevado.