Estratégia nacional para a droga é exemplo. Vai ser explicada na ONU

Assembleia Geral das Nações Unidas dedicada aos problemas ligados à droga tenta pressionar países a mudar da penalização dos toxicodependentes para o tratamento
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A política de descriminalização da posse e do consumo de droga colocada em prática por Portugal desde 2001 é cada vez mais apontada como exemplo de boas práticas a nível mundial. Nesta semana volta a ser referida como bom exemplo em Nova Iorque, num dos eventos paralelos à sessão especial da Assembleia Geral das Nações Unidas que tem as drogas como tema.

Os elogios à decisão do governo liderado por António Guterres têm aumentado ao longo dos anos devido aos resultados positivos que a opção pelo encaminhamento de toxicodependentes para tratamento e multas a quem é detido com droga para consumo tem conseguido. A redução de mortes associadas à toxicodependência como nas infeções de VIH/sida também demonstra que a opção de colocar esta questão no âmbito da saúde pública em vez do da justiça é positiva.

É por isso que na quarta-feira será apresentada num evento paralelo às cinco principais mesas-redondas (ver caixa) que integram a sessão especial da Assembleia das Nações Unidas - a primeira ocorreu em 1998 -, a qual começa amanhã e termina na quinta-feira.

Desde 2001 quem é detido em Portugal e prove que a droga que tem na sua posse - dentro do limite definido - é para consumo individual passou a ser punido com multa e colocado em programas de tratamento em vez de ser detido e presente a tribunal.

Também a criação de comissões para a dissuasão da toxicodependência, na alçada do Ministério da Saúde e não da Justiça, para onde é encaminhada qualquer pessoa que seja detida com substâncias ilícitas, é um dos fatores que surgiram como inovadores e que, na altura, não foram bem recebidos a nível mundial. Muitos países, nomeadamente na América Latina e em alguns estados dos Estados Unidos, preferem aumentar a pressão judiciária sobre os consumidores e regular o mercado, isto devido à opção por legalizar a venda de droga.

"A experiência portuguesa, na altura, era condenada. Agora é tido como uma boa prática", sublinhou em declarações ao DN João Goulão, presidente do Serviço de Intervenção em Comportamentos Aditivos e Dependências (SICAD). "Tem existido uma evolução como as nações olham para estas experiências. A nossa influência, nomeadamente a nível europeu, foi mudar o foco da justiça para a saúde", adiantou. Lembrando que com este entendimento a pessoa deixa de poder ser condenado a pena de prisão e de ficar com essa menção no registo criminal: "As pessoas têm de pagar coima ou ser encaminhadas para tratamento. Isso é um salto civilizacional e até no caso da empregabilidade a pessoa não fica com esse registo no cadastro."

João Goulão refere que Portugal está na expectativa do que sucederá em outros países que estão com experiências diferentes. "O Uruguai e alguns estados dos Estados Unidos estão a saltar etapas passando do nível da saúde para o da criminalização", explicou.

Acordo negociado durante um ano

Além das declarações políticas, a sessão especial das Nações Unidas tem como objeto principal cinco mesas-redondas onde se discutirão as várias temáticas relacionadas com a droga, seja no âmbito do tratamento, dos direitos humanos, da penalização, do uso de drogas para fins terapêuticos ou de investigação. Portugal está presente em dois desses encontros: sobre a prevenção, tratamento e controlo de substâncias (que decorrerá amanhã) e no segundo dia na discussão sobre os direitos humanos, dos jovens, mulheres e das comunidades.

Deste encontro, onde estarão todos os países da ONU, sairá um documento negociado durante um ano e que refletirá uma pressão sobre os países mais defensores da criminalização para que mudem práticas. "Gostaria que o documento fosse um pouco mais além, mas a pressão será exercida sobre os países com pena de morte e que colocam em causa os direitos humanos", diz João Goulão.

Nas 27 páginas do documento há, todavia, referências que são consideradas um avanço: o tratamento de substituição, em programas de troca de seringas (sem se referir a palavra). Ou seja, coloca-se a toxicodependência como um problema de saúde pública. Afinal o que Portugal começou a fazer em 2001.

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