"Muitas das decisões tomadas unilateralmente pela bastonária levaram a Ordem a incorrer em ilegalidades", acusa esta enfermeira, com 24 anos de experiência. A lista é longa: ajudas de custo decididas de forma informal, casas de função, salários pagos a dobrar, interferência no mundo sindical..Para Graça Machado, a greve dos enfermeiros tem sido "instrumentalizada como arma de arremesso pela Ordem". Para esta ex-vice de Ana Rita Cavaco, "muitos dos que estão na atual equipa a gerir a Ordem têm ambições próprias, muito além da Ordem e da enfermagem". É isso que justifica, garante nesta entrevista, a contratação de várias pessoas "com ligações ao PSD", e sem qualquer experiência na área da saúde..Além de dirigente da Ordem, Graça Machado foi também amiga próxima de Ana Rita Cavaco. A amizade deu lugar a um "filme de terror" descrito nesta entrevista, com vários processos judiciais pelo meio. Desde janeiro, Graça Machado está impedida - por cinco anos - de exercer enfermagem. Não recebe qualquer salário. Foi condenada pela Ordem, de que era vice-presidente, sem nenhuma acusação de teor profissional. Todos os factos por que foi condenada dizem respeito à sua curta passagem (de menos de um ano) pela Ordem..Como tomou a decisão de se candidatar à Ordem dos Enfermeiros, nas eleições de 2016? Era um projeto antigo? Lembro-me bem desta conquista. Mas, após o primeiro mandato da enfermeira Maria Augusta de Sousa, a Ordem perdeu o encanto e foi-se tornando mais distante. Utilizava uma linguagem diferente, caminhava num percurso próprio sem ouvir os enfermeiros. Que eu saiba não existe nenhum estudo realizado em Portugal sobre a satisfação dos enfermeiros para com a sua Ordem, mas seria decerto negativo. Mais desanimada ficava quando as quotas aumentavam e via uma aparente inércia, perguntando o que faziam a tanto dinheiro... Neste clima de insatisfação, com a troika à porta, surgiu um convite de um amigo e colega para fazer parte de uma lista. Era um projeto inovador. Uma lista composta por enfermeiros da prática, que partilhavam a mesma insatisfação com a sua ordem profissional, mas com ambição de ser e ter uma enfermagem melhor. Fomos a eleições sem candidata a bastonária, pois a enfermeira Ana Rita Cavaco foi afastada por não ter 15 anos de exercício profissional, conforme é exigido. Perdemos, mas contestámos. Fomos mesmo a tribunal e em 2015 este veio dar-nos razão..Nessa altura não conhecia Ana Rita Cavaco, pois não? Não. Aliás, fui ao seu local de trabalho após ter aceitado o convite do meu amigo, oferecendo a minha ajuda e disponibilidade. Convivemos durante a campanha e sobretudo no dia das eleições. Depois foram três anos em que pouco falávamos, e voltámos a ver-nos no dia em que fomos a tribunal. Era para a Ana Rita uma altura complicada, em termos pessoais. Fiquei preocupada e passei a ligar-lhe mais. Estava a enfrentar um processo disciplinar na Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo (ARSLVT) que terminou com um mês de suspensão sem remuneração. Passámos muito tempo juntas, e, sim, éramos amigas. Decidimos concorrer de novo as eleições..Como correram os primeiros tempos? Após ganharmos as eleições, o tempo não parava de correr. Ainda não me tinha refeito do desgaste que a campanha teve. Dediquei muitas horas, andava numa roda-viva... Mas tínhamos ganho as eleições e eu era vice-presidente da Ordem. Num projeto em que eu acreditava. Sentia que finalmente tinha a possibilidade de fazer mais e melhor. Mas foi estranho. A Ordem tem uma estrutura pesada, com muitos vícios... Perceber como aquela máquina com vida própria trabalhava era prioritário. Nenhum de nós sabia como. Nenhum de nós tinha estado em qualquer cargo..Que imagem passou a ter de Ana Rita Cavaco? A Ana Rita Cavaco tem uma história de vida muito diferente da minha, em tudo. Mas saliento o facto de ela ter crescido e vivido intensamente num ambiente político e ganho competências a esse nível. Na campanha eleitoral apercebi-me dessas suas competências, o caciquismo, a vertente de combate, a estratégia... Como bastonária, essas características sobressaíram. Desconfiava de todos os que trabalhavam na Ordem, pois no seu entender eram cúmplices dos anteriores mandatos. Logo nos primeiros dias teve uma reunião com todos os funcionários e esclareceu a todos que para ela a Ordem devia ter funcionários apenas por quatro anos, cargos de confiança, e que iria dispensar muitos dos que ali estavam..Ou seja, a bastonária defende que a Ordem deve seguir uma linha de confiança pessoal? Mas não era só com os funcionários. Até connosco. Um sentimento constante de posse e controlo sobre tudo e todos: "A 'minha' vice, os 'meus' presidentes." Fica-se desconfortável por discordar dela, com medo até, porque nunca sabemos os seus limites. Uma conversa entre nós metia gritos e coisas como "não sabes o que estás a dizer" ou mesmo denegrir o outro seja à frente de quem fosse..As vossas divergências começaram a tornar-se inconciliáveis logo no início do mandato? Éramos amigas mas era difícil. Na campanha já tinha acontecido, mas na OE foi mais complicado gerir..Um dos temas principais dessa vossa divergência era a forma de pagar as "ajudas de custo" aos dirigentes da Ordem. Porquê? Quando na primeira reunião de conselho diretivo se falou de ajudas de custo não lhe dei a devida importância, confesso. No mandato anterior foi decidido dar a alguns membros do conselho (bastonário e vice-presidentes) um valor que corresponderia a um adiantamento para gastos em atividades, ajudas de custo... O estatuto da Ordem também dá a possibilidade de os seus órgãos serem remunerados, tendo de ser aprovado em assembleia geral. O problema começou quando o diretor administrativo e financeiro da Ordem informou que os valores assumidos não poderiam configurar ajudas de custo - e foi proposto passar um recibo verde do valor em questão. Assim o fiz. Seria provisório até se entregar uma proposta em AG. Mas a bastonária não concordou com esta solução e com o enfermeiro Ricardo Matos, presidente da secção regional do centro, deu indicação para os tais valores aprovados serem pagos através do registo de quilómetros "fictícios", em viatura própria, até se arranjar uma melhor solução. Assim o fizemos....Passaram a ser pagas ajudas de custo calculadas pela atribuição de quilómetros fictícios? Pelo menos até novembro de 2016, por todos os elementos do conselho diretivo nacional e mais alguns elementos como a enfermeira Ana Fonseca, presidente do conselho de enfermagem..Um dos dirigentes regionais da Ordem é também sócio de uma empresa de contabilidade. Isso não é incompatível, ou pelo menos desaconselhável? O enfermeiro Ricardo Correia de Matos, presidente da secção regional do centro, é enfermeiro e técnico oficial de contas. Por sua vez, é sócio gerente de uma empresa de contabilidade em Aveiro. As empresas contratadas pela Ordem foram recomendadas por ele. E ele, com elas, organiza, supervisiona a contabilidade de toda a OE. É completamente desaconselhável ou até mesmo promíscuo. Nunca concordei. Isto para não falar que o vice-presidente do conselho fiscal nacional pediu renúncia do cargo para que foi eleito, e foi contratado a tempo inteiro pela secção regional do sul para ficar responsável pela comunicação..Qual o valor pago em ajudas de custo aos principais dirigentes da Ordem? Conforme consta na ata número um de 2 de fevereiro de 2016, a bastonária tem direito a 2800 euros mensais, os vice-presidentes e os presidentes das secções regionais a 1400 euros, o tesoureiro e as secretárias a 466 euros..E acumulam esse valor com os salários que recebiam antes, estando requisitados? Quando iniciámos funções na Ordem, para os enfermeiros que ficaram a tempo inteiro foi pedida cedência por interesse publico. Assim, recebíamos o vencimento igual ao que receberíamos na nossa entidade de origem. Isto até novembro de 2016 e para todos os elementos do conselho diretivo. Acrescentando ainda pagamentos mensais por ajudas de custo no estrangeiro, almoços ou jantares justificados com o NIF da Ordem e despesas de deslocação reais..Outros dirigentes da Ordem têm, também, outro tipo de benefícios como casas de função? O vice-presidente, Luís Barreira, mora em Braga, e a enfermeira Ana Fonseca, presidente do conselho de enfermagem, em Évora, e estão ambos a tempo inteiro na Ordem. A Ordem alugou dois apartamentos, ambos T2, um na Avenida de Roma e outro num condomínio nas Laranjeiras. Comprou-se mobílias e eletrodomésticos. Tudo isto foi decidido e autorizado pela bastonária, que nunca levou a CD nem para ratificar..Essas decisões eram tomadas como? Pela bastonária, oralmente ou por e-mail. Autorizava, assinava. Nunca em CD como os estatutos obrigam. Não podem ser celebrados contratos, sejam eles de prestação de bens ou serviços, ou até de trabalho sem que haja deliberação ou ratificação em reunião do conselho diretivo. Ou seja, a bastonária, incumpriu o estatuto da Ordem. Muitas das decisões tomadas unilateralmente pela bastonária levaram a Ordem a incorrer em ilegalidades. Outro exemplo de ilegalidade é o pagamento de dois vencimentos ao vice-presidente Luís Barreira, com a alegação de que este originalmente trabalhava em duas instituições, com horário de 40 horas semanais em cada uma delas, quando na verdade uma das instituições é particular e esta, num protocolo assinado também pela bastonária, atribui ao enfermeiro Luís Barreira uma licença sem vencimento. A estes dois vencimentos acresce o pagamento dos 1400 euros em quilómetros, as ajudas de custo... pagamento das viagens a casa e ainda o arrendamento suportado pela Ordem, mais despesas num condomínio de luxo. Sendo tudo isto por decisão apenas da bastonária..Os enfermeiros conhecem essa realidade? Os enfermeiros, com exceções, como é lógico, não fazem a menor ideia de como funciona a Ordem. É difícil explicar esta realidade a quem não a conhece. A classe profissional de enfermagem está nestes últimos anos só focada em si, na sua carreira. E até se esquecem de que todos os meses, para poderem continuar a exercerem a sua profissão, desses 980 euros pagam nove euros mensais para a Ordem, que vive apenas das quotas de 72 mil enfermeiros..Em novembro de 2016 decidiu demitir-se das suas funções na Ordem. Porquê? Quando me candidatei para integrar uma lista ao conselho diretivo da Ordem dos Enfermeiros, fi-lo no espírito de missão. Em 22 anos de enfermagem vivi muitas coisas boas e más, mas, infelizmente, não fiquei preparada para os acontecimentos que vivi dos últimos meses na Ordem. Sempre acreditei que a nossa profissão era uma profissão justa e dedicada ao cuidado do outro. De um momento para o outro fui alvo por parte da bastonária de desconfianças sucessivas e propositadamente descontextualizadas. Fui desautorizada em várias situações e afastada de grupos de trabalho e de projetos que tinha iniciado, sem outra fundamentação que não fosse um vago conceito de "desconfiança, traição". No dia 9 de novembro de 2016 fui convocada de modo surpresa para uma reunião com alguns membros do CD e membros das secções regionais do norte e centro. Fui humilhada, acusada e sobretudo maltratada pela bastonária, tal como por todos os outros elementos que se encontravam na reunião. Expus os factos e provas que consegui apurar sobre as acusações que me eram feitas. Era impossível confessar erros que não compreendia e crimes que não tinha cometido. Comuniquei que estaria de férias até ao final do ano conforme combinado com a bastonária na reunião, aproveitando para me restabelecer de um forte desgaste físico e sobretudo psicológico pelo qual nunca tinha passado em 22 anos de enfermagem, e que durante o mês de dezembro apresentaria a minha renúncia ao cargo de vice-presidente..Como se desenrolou tudo, depois? Era diariamente confrontada com várias chamadas da Ana Rita a denegrir-me e, quando não era para mim, era para amigos pessoais. Ameaçava esses meus amigos de que se se mantivessem ao meu lado não poderiam estar do lado da Ordem. Era tudo completamente louco, inacreditável. Mais incrédula fiquei quando me apercebo de que fui retirada de todos os grupos de partilha de informações ou meras conversas onde estavam muitos enfermeiros ligados a OE e não só, em novembro. Juntamente com tudo isto, e com profunda tristeza, vi uma "dispensa" sistemática de colegas e colaboradores que demonstraram proximidade pessoal comigo, sem outro fundamento que não fosse o facto de manterem essa mesma relação de amizade. Tendo tudo isto por base, informei o CD a 4 de janeiro de 2017, por escrito, de que ia tomar as necessárias providências legais para que vários factos fossem investigados..Acabou por devolver todo o dinheiro que tinha recebido a mais? Claro que sim. Após a Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo emitir a guia de reposição procedi, para o seu NIB, à devolução da quantia líquida de 10 771,07 euros, transferida indevidamente para a minha conta. Sobre este assunto gostaria de acrescentar que fui eu e não a Ordem que deu conta do erro e assim desencadeei todo este processo. Foi após eu ter desencadeado este processo que o meu contrato de cedência supostamente tratado pela Ordem foi feito, enviado e assinado, mas em fevereiro de 2017, altura em que já não me encontrava a prestar funções na Ordem. Em momento algum a Ordem ficou prejudicada com esta situação, pois teria sempre de me pagar o vencimento, como assim o fez, até dezembro de 2016..E pode provar tudo isso? Sim, claro..Qual é, então, a acusação da Ordem? A acusação baseia-se nestes pontos: mantinha um caso com o diretor financeiro. Permiti ao diretor administrativo e financeiro, através dos meus códigos do home banking, o acesso à conta da ordem no banco Montepio, para retirar extratos bancários e entregá-los à empresa de contabilidade da Ordem que os solicitava. Utilização indevida do cartão do multibanco da Ordem dos enfermeiros, tendo feito pagamentos e apresentado faturas de almoços de trabalho em que a bastonária não concorda que seja a Ordem a pagar esses mesmos almoços. Estamos a falar das faturas com os valores de 29, 179,02, 44,20, 59,30, 138,30 euros durante 2016. Remuneração transferida pela ARSLVT no âmbito do Acordo de Cedência por Interesse Público, acumulando com a remuneração da Ordem. E por fim acusa-me da utilização do cargo de vice-presidente da Ordem dos Enfermeiros para arranjar um emprego para o meu filho, através do diretor administrativo e financeiro, que pediu a um funcionário de uma empresa fornecedora da Ordem para arranjar um estágio profissional numa empresa de carros elétricos..Essas são as acusações que ditaram a Ordem a suspendê-la do exercício da enfermagem por cinco anos? Existem outros casos semelhantes ao seu? Uma suspensão por cinco anos do exercício profissional? Por estas acusações? De certeza que não....Como é que um processo administrativo na Ordem pode ditar uma consequência profissional destas? Não pode. Segundo os estatutos, a sanção de suspensão por cinco anos é a segunda mais grave. Apenas pode ser aplicada em situações específicas do exercício profissional como seja colocar a vida de outrem em risco, ou em situações em que as ações e ou omissões causem graves lesões da integridade física, da saúde. Sou enfermeira há 24 anos, exerci sempre a minha profissão de forma impoluta, sendo considerada pelos meus pares como uma profissional competente e empenhada. Sou funcionária do Estado desde sempre, não tendo nunca cometido qualquer infração nem tido qualquer processo disciplinar. Recorri, como será óbvio, várias vezes à Ordem durante todo este processo, e finalmente ao tribunal administrativo, agora, após a sentença final do processo disciplinar, a 21/12/2018 e com uma providencia cautelar a 15/01/2019.Não recebe qualquer salário, nesta altura? Desde o dia 10 de janeiro que me encontro suspensa sem receber vencimento..Como classifica a intervenção de Ana Rita Cavaco neste caso? Como uma cena de um filme de terror, em que num piscar de olhos, porque sim apenas, a amizade intensa virou ódio profundo..Cortaram relações pessoais? Sim, claro..Em duas entrevistas à TVI, teceu duras críticas à forma como a Ordem geriu o seu caso. Sofreu alguma represália? Parece um filme. Durante quase dois anos respondia às acusações com documentos e era como se nada tivesse feito ou escrito. Só fui ouvida pelo conselho jurisdicional no final do processo, durante cinco horas e de nada valeu, pois não alteraram uma vírgula. A sentença encomendada desde o primeiro dia era aquela e pronto. E, sim, fui perseguida, difamada, ameaçada e levantaram-me um processo a que fui chamada na PSP e sete processos cíveis todos por difamação e falsificação de documentos e assinatura, pela peça apresentada pela TVI, sendo que são pedidas avultadas indemnizações. O que me faz mais confusão é o uso desvairado do dinheiro dos enfermeiros para estas brincadeiras. São advogados conhecidos da praça, que se fazem pagar bem. Com o meu ordenado de 900 euros por mês não consigo brincar assim... Mas a Ordem tem o dinheiro das quotas dos enfermeiros, e a bastonária gere conforme entende e levantar processos é a sua praia..Tem colaborado com as autoridades que investigam este caso? Já prestei declarações na PJ e entreguei mais documentos. Relativamente ao processo que decorre no Ministério Público, não assumo a qualidade de sujeito processual. Mas requeri e foi aceite constituir-me como assistente. Passei a ter um estatuto que me permite colaborar diretamente com o Ministério Público..Qual é, na sua opinião, o lado mais grave deste caso? A 12 de fevereiro de 2017, através do canal de televisão TVI, denunciei várias irregularidades na Ordem dos Enfermeiros, no mandato 2016-2019, ao qual também pertencia. Entreguei em mão a mesma denúncia na Procuradoria-Geral da República. Denuncio irregularidades consideradas de natureza criminal, nomeadamente abuso de poder, fraude/corrupção, fuga ao fisco e gestão danosa. O processo encontra-se em segredo de justiça e ainda não foram constituídos arguidos. Tudo é grave, mas a lentidão da justiça quase que faz que tudo pareça uma brincadeira, uma guerra de comadres e, para piorar, a manipulação da informação por parte da Ordem e mais especificamente da bastonária é alarmante. Estou cansada, magoada, muito desiludida, mas não mudo uma única vírgula ao que denunciei. Ainda há poucos dias passou num canal de TV outra reportagem, A Desordem, que mereceu por parte da Ordem um comunicado que vem ao encontro do que acabei de dizer. Diz a Ordem nesse comunicado que o processo referido que levou a buscas não visa a atual gestão da ordem. Como não? Desmente também que a bastonária foi constituída arguida em nenhum processo-crime durante o ano de 2017. Como não? Há provas, mas, e isso é que me deixa perplexa, apesar de haver provas, muitas pessoas, enfermeiros, não estão interessados. Na verdade, estão dispostos a acreditar na mentira, mesmo contra todas as evidências e isso talvez aconteça porque a mentira é geralmente mais fácil de entender do que a verdade..Acredita que a Ordem está a ser instrumentalizada? Acredito e sei que muitos dos que estão na atual equipa a gerir a Ordem têm ambições próprias, muito além da Ordem e da enfermagem. E assim utilizam a Ordem..Fala de ambições políticas? Um dos pontos polémicos deste mandato é a contratação para a Ordem de alguns ex-dirigentes do PSD? Foram contratados pela bastonária. Contratações diretas e com ordenados decididos pela própria. Não foram algumas, mas foram sim muitas, com ligações ao PSD. A Ana Rita cresceu dentro de um meio político, de um partido com uma cultura própria, com grupos formados dentro dele com ambições próprias e modos de ação próprios. Faz parte do statu quo, cresceu nele e a cultura é esta, quando se domina uma determinada instituição há cargos e empregos a distribuir, mesmo que digam e tentem fazer o contrário. Há favores que deixam um sentimento de profunda gratidão....Acha que há alguma relação entre estas contratações, como a de Sérgio Vieira, ex-deputado, e a tensão política atual entre a Ordem e o governo? A contratação de Sérgio Vieira talvez seja mais uma mera coincidência. Foi uma escolha clara da Ana Rita, tal como o cargo que não existia, de secretário-geral. Sérgio Vieira, ex-presidente da concelhia do PSD Porto, tendo sido também deputado e chefe de gabinete de Marco António Costa, não tendo no seu currículo, penso eu, nada com a área da saúde. Faz parte do tal grupo dentro do partido com a tal cultura própria....Durante o mandato da bastonária foram criados dois novos sindicatos de enfermeiros. Houve alguma participação dos dirigentes da Ordem nesse processo?.Na ASPE sei que não houve. Fiz parte da sua comissão instaladora. No entanto, antes da sua criação, e ainda estava eu na Ordem, a bastonária tinha sugerido à enfermeira Lúcia Leite criar um sindicato, pois, na sua opinião, fazia falta no atual momento da enfermagem. Este era um assunto falado desde o início do mandato, principalmente pelo enfermeiro Ricardo Matos, presidente da secção regional do centro. Bem no início, até deu a ideia de se arranjar pessoas da confiança da equipa da Ordem para concorrerem nas eleições do Sindicato dos Enfermeiros. Mas não sei como ficou esse assunto. Quanto ao Sidepor, nada sei, só o que oiço, penso e associo... e isso deixo para mim..Porque desejaria a Ordem criar um novo universo sindical? Havia alguma intenção política de enfraquecer os dois sindicatos históricos? As Ordens existem para a defesa e a salvaguarda do interesse público e dos direitos fundamentais dos cidadãos e para a autorregulação de profissões cujo exercício exige independência técnica. Estão expressamente proibidas de atuar ou participar no exercício de funções próprias das associações sindicais. É verdade que cabe à ordem zelar pela função social, dignidade e prestígio da profissão de enfermeiro. E para tal faz sentido que a Ordem se reúna com os sindicatos para estar a par das negociações destes com o governo. Perceber e convergir caminhos. Não faz sentido, por exemplo, a Ordem atribuir títulos de enfermeiro especialista e os sindicatos negociarem uma carreira que não contempla tal título. Se os órgãos da Ordem, tal como os dos sindicatos, são enfermeiros, então o objetivo final serão os enfermeiros, mas não se podem confundir na sua essência e na sua função. Parece-me que houve sim uma intenção da Ordem, não sei se política, de enfraquecer os sindicatos. Porque os órgãos sociais da Ordem perceberam desde cedo que a resolução dos problemas que ocupavam os enfermeiros não estavam nas mãos da Ordem mas sim dos sindicatos. Assim, no entender deles, a ordem perde espaço, protagonismo. A Ordem percebeu que o poder estava na palavra, na forma como esta era apresentada. Pegando assim nesta equação, a ordem descobriu a eureka. Mais do que os feitos importantes que competem à Ordem fazer, a bastonária, através de um discurso sindicalista, eloquente, textos encantadores, leva os enfermeiros a acreditar que alguém os está a defender, a falar por cada um e assim influencia muitos enfermeiros com as suas habilidades comunicacionais, ótima postura presencial e gestual, que, somadas à sua comunicação eficaz, a tornam carismática. E assim chegamos a este momento histórico. Dois dos sindicatos mais antigos estão perdidos, sem saber como lidar com as pressões internas e externas, não querendo fugir ao que acreditam, mas não querem igualmente perder sócios, o seu garante para a sua existência. Mais dois sindicatos novos que são dominados por movimentos ditos espontâneos amparados pela Ordem..Acredita que a greve cirúrgica nasce deste plano? As reivindicações dos enfermeiros são mais do que justas e atendíveis e não estão ainda respondidas, apesar de muitas horas de negociação. Sempre fiz greve independentemente do sindicato que a decretava. No entanto, não concordo com os moldes em que foi organizada e popularizada esta greve cirúrgica. Foi instrumentalizada como arma de arremesso pela Ordem que a utilizou para mediar os conflitos, mas também para acicatar. Nunca se falou tanto de enfermeiros, mas pelos piores motivos e de uma forma muito leviana. E, principalmente, não tiveram o cuidado de proteger os nossos maiores aliados, os utentes. Para exigirmos respeito temos também de saber respeitar e isso não é fraqueza, não nos diminui..Tem recebido reações à greve dos enfermeiros? Como sente que a veem os portugueses? Está tudo numa enorme confusão. Ninguém está a perceber nada, e muito menos estão a perceber os enfermeiros. Perdemos o respeito de quem cuidamos e perdemos força negocial, pois os sindicatos passaram para segundo plano. Já ninguém aguenta ouvir falar de enfermeiros. Na verdade, a forma como se tem falado dos enfermeiros só interessa aos intervenientes neste conflito descontrolado. Os vários interesses dos intervenientes juntaram-se e explodiu uma bomba sem controlo. Estamos em ano de eleições. De eleições europeias e legislativas e também para a Ordem. E os que estão no poder querem manter-se. Assim utilizam todos os meios para se fazerem ouvir, para mostrarem o seu valor. Os enfermeiros estão no meio e são úteis para ambos.
"Muitas das decisões tomadas unilateralmente pela bastonária levaram a Ordem a incorrer em ilegalidades", acusa esta enfermeira, com 24 anos de experiência. A lista é longa: ajudas de custo decididas de forma informal, casas de função, salários pagos a dobrar, interferência no mundo sindical..Para Graça Machado, a greve dos enfermeiros tem sido "instrumentalizada como arma de arremesso pela Ordem". Para esta ex-vice de Ana Rita Cavaco, "muitos dos que estão na atual equipa a gerir a Ordem têm ambições próprias, muito além da Ordem e da enfermagem". É isso que justifica, garante nesta entrevista, a contratação de várias pessoas "com ligações ao PSD", e sem qualquer experiência na área da saúde..Além de dirigente da Ordem, Graça Machado foi também amiga próxima de Ana Rita Cavaco. A amizade deu lugar a um "filme de terror" descrito nesta entrevista, com vários processos judiciais pelo meio. Desde janeiro, Graça Machado está impedida - por cinco anos - de exercer enfermagem. Não recebe qualquer salário. Foi condenada pela Ordem, de que era vice-presidente, sem nenhuma acusação de teor profissional. Todos os factos por que foi condenada dizem respeito à sua curta passagem (de menos de um ano) pela Ordem..Como tomou a decisão de se candidatar à Ordem dos Enfermeiros, nas eleições de 2016? Era um projeto antigo? Lembro-me bem desta conquista. Mas, após o primeiro mandato da enfermeira Maria Augusta de Sousa, a Ordem perdeu o encanto e foi-se tornando mais distante. Utilizava uma linguagem diferente, caminhava num percurso próprio sem ouvir os enfermeiros. Que eu saiba não existe nenhum estudo realizado em Portugal sobre a satisfação dos enfermeiros para com a sua Ordem, mas seria decerto negativo. Mais desanimada ficava quando as quotas aumentavam e via uma aparente inércia, perguntando o que faziam a tanto dinheiro... Neste clima de insatisfação, com a troika à porta, surgiu um convite de um amigo e colega para fazer parte de uma lista. Era um projeto inovador. Uma lista composta por enfermeiros da prática, que partilhavam a mesma insatisfação com a sua ordem profissional, mas com ambição de ser e ter uma enfermagem melhor. Fomos a eleições sem candidata a bastonária, pois a enfermeira Ana Rita Cavaco foi afastada por não ter 15 anos de exercício profissional, conforme é exigido. Perdemos, mas contestámos. Fomos mesmo a tribunal e em 2015 este veio dar-nos razão..Nessa altura não conhecia Ana Rita Cavaco, pois não? Não. Aliás, fui ao seu local de trabalho após ter aceitado o convite do meu amigo, oferecendo a minha ajuda e disponibilidade. Convivemos durante a campanha e sobretudo no dia das eleições. Depois foram três anos em que pouco falávamos, e voltámos a ver-nos no dia em que fomos a tribunal. Era para a Ana Rita uma altura complicada, em termos pessoais. Fiquei preocupada e passei a ligar-lhe mais. Estava a enfrentar um processo disciplinar na Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo (ARSLVT) que terminou com um mês de suspensão sem remuneração. Passámos muito tempo juntas, e, sim, éramos amigas. Decidimos concorrer de novo as eleições..Como correram os primeiros tempos? Após ganharmos as eleições, o tempo não parava de correr. Ainda não me tinha refeito do desgaste que a campanha teve. Dediquei muitas horas, andava numa roda-viva... Mas tínhamos ganho as eleições e eu era vice-presidente da Ordem. Num projeto em que eu acreditava. Sentia que finalmente tinha a possibilidade de fazer mais e melhor. Mas foi estranho. A Ordem tem uma estrutura pesada, com muitos vícios... Perceber como aquela máquina com vida própria trabalhava era prioritário. Nenhum de nós sabia como. Nenhum de nós tinha estado em qualquer cargo..Que imagem passou a ter de Ana Rita Cavaco? A Ana Rita Cavaco tem uma história de vida muito diferente da minha, em tudo. Mas saliento o facto de ela ter crescido e vivido intensamente num ambiente político e ganho competências a esse nível. Na campanha eleitoral apercebi-me dessas suas competências, o caciquismo, a vertente de combate, a estratégia... Como bastonária, essas características sobressaíram. Desconfiava de todos os que trabalhavam na Ordem, pois no seu entender eram cúmplices dos anteriores mandatos. Logo nos primeiros dias teve uma reunião com todos os funcionários e esclareceu a todos que para ela a Ordem devia ter funcionários apenas por quatro anos, cargos de confiança, e que iria dispensar muitos dos que ali estavam..Ou seja, a bastonária defende que a Ordem deve seguir uma linha de confiança pessoal? Mas não era só com os funcionários. Até connosco. Um sentimento constante de posse e controlo sobre tudo e todos: "A 'minha' vice, os 'meus' presidentes." Fica-se desconfortável por discordar dela, com medo até, porque nunca sabemos os seus limites. Uma conversa entre nós metia gritos e coisas como "não sabes o que estás a dizer" ou mesmo denegrir o outro seja à frente de quem fosse..As vossas divergências começaram a tornar-se inconciliáveis logo no início do mandato? Éramos amigas mas era difícil. Na campanha já tinha acontecido, mas na OE foi mais complicado gerir..Um dos temas principais dessa vossa divergência era a forma de pagar as "ajudas de custo" aos dirigentes da Ordem. Porquê? Quando na primeira reunião de conselho diretivo se falou de ajudas de custo não lhe dei a devida importância, confesso. No mandato anterior foi decidido dar a alguns membros do conselho (bastonário e vice-presidentes) um valor que corresponderia a um adiantamento para gastos em atividades, ajudas de custo... O estatuto da Ordem também dá a possibilidade de os seus órgãos serem remunerados, tendo de ser aprovado em assembleia geral. O problema começou quando o diretor administrativo e financeiro da Ordem informou que os valores assumidos não poderiam configurar ajudas de custo - e foi proposto passar um recibo verde do valor em questão. Assim o fiz. Seria provisório até se entregar uma proposta em AG. Mas a bastonária não concordou com esta solução e com o enfermeiro Ricardo Matos, presidente da secção regional do centro, deu indicação para os tais valores aprovados serem pagos através do registo de quilómetros "fictícios", em viatura própria, até se arranjar uma melhor solução. Assim o fizemos....Passaram a ser pagas ajudas de custo calculadas pela atribuição de quilómetros fictícios? Pelo menos até novembro de 2016, por todos os elementos do conselho diretivo nacional e mais alguns elementos como a enfermeira Ana Fonseca, presidente do conselho de enfermagem..Um dos dirigentes regionais da Ordem é também sócio de uma empresa de contabilidade. Isso não é incompatível, ou pelo menos desaconselhável? O enfermeiro Ricardo Correia de Matos, presidente da secção regional do centro, é enfermeiro e técnico oficial de contas. Por sua vez, é sócio gerente de uma empresa de contabilidade em Aveiro. As empresas contratadas pela Ordem foram recomendadas por ele. E ele, com elas, organiza, supervisiona a contabilidade de toda a OE. É completamente desaconselhável ou até mesmo promíscuo. Nunca concordei. Isto para não falar que o vice-presidente do conselho fiscal nacional pediu renúncia do cargo para que foi eleito, e foi contratado a tempo inteiro pela secção regional do sul para ficar responsável pela comunicação..Qual o valor pago em ajudas de custo aos principais dirigentes da Ordem? Conforme consta na ata número um de 2 de fevereiro de 2016, a bastonária tem direito a 2800 euros mensais, os vice-presidentes e os presidentes das secções regionais a 1400 euros, o tesoureiro e as secretárias a 466 euros..E acumulam esse valor com os salários que recebiam antes, estando requisitados? Quando iniciámos funções na Ordem, para os enfermeiros que ficaram a tempo inteiro foi pedida cedência por interesse publico. Assim, recebíamos o vencimento igual ao que receberíamos na nossa entidade de origem. Isto até novembro de 2016 e para todos os elementos do conselho diretivo. Acrescentando ainda pagamentos mensais por ajudas de custo no estrangeiro, almoços ou jantares justificados com o NIF da Ordem e despesas de deslocação reais..Outros dirigentes da Ordem têm, também, outro tipo de benefícios como casas de função? O vice-presidente, Luís Barreira, mora em Braga, e a enfermeira Ana Fonseca, presidente do conselho de enfermagem, em Évora, e estão ambos a tempo inteiro na Ordem. A Ordem alugou dois apartamentos, ambos T2, um na Avenida de Roma e outro num condomínio nas Laranjeiras. Comprou-se mobílias e eletrodomésticos. Tudo isto foi decidido e autorizado pela bastonária, que nunca levou a CD nem para ratificar..Essas decisões eram tomadas como? Pela bastonária, oralmente ou por e-mail. Autorizava, assinava. Nunca em CD como os estatutos obrigam. Não podem ser celebrados contratos, sejam eles de prestação de bens ou serviços, ou até de trabalho sem que haja deliberação ou ratificação em reunião do conselho diretivo. Ou seja, a bastonária, incumpriu o estatuto da Ordem. Muitas das decisões tomadas unilateralmente pela bastonária levaram a Ordem a incorrer em ilegalidades. Outro exemplo de ilegalidade é o pagamento de dois vencimentos ao vice-presidente Luís Barreira, com a alegação de que este originalmente trabalhava em duas instituições, com horário de 40 horas semanais em cada uma delas, quando na verdade uma das instituições é particular e esta, num protocolo assinado também pela bastonária, atribui ao enfermeiro Luís Barreira uma licença sem vencimento. A estes dois vencimentos acresce o pagamento dos 1400 euros em quilómetros, as ajudas de custo... pagamento das viagens a casa e ainda o arrendamento suportado pela Ordem, mais despesas num condomínio de luxo. Sendo tudo isto por decisão apenas da bastonária..Os enfermeiros conhecem essa realidade? Os enfermeiros, com exceções, como é lógico, não fazem a menor ideia de como funciona a Ordem. É difícil explicar esta realidade a quem não a conhece. A classe profissional de enfermagem está nestes últimos anos só focada em si, na sua carreira. E até se esquecem de que todos os meses, para poderem continuar a exercerem a sua profissão, desses 980 euros pagam nove euros mensais para a Ordem, que vive apenas das quotas de 72 mil enfermeiros..Em novembro de 2016 decidiu demitir-se das suas funções na Ordem. Porquê? Quando me candidatei para integrar uma lista ao conselho diretivo da Ordem dos Enfermeiros, fi-lo no espírito de missão. Em 22 anos de enfermagem vivi muitas coisas boas e más, mas, infelizmente, não fiquei preparada para os acontecimentos que vivi dos últimos meses na Ordem. Sempre acreditei que a nossa profissão era uma profissão justa e dedicada ao cuidado do outro. De um momento para o outro fui alvo por parte da bastonária de desconfianças sucessivas e propositadamente descontextualizadas. Fui desautorizada em várias situações e afastada de grupos de trabalho e de projetos que tinha iniciado, sem outra fundamentação que não fosse um vago conceito de "desconfiança, traição". No dia 9 de novembro de 2016 fui convocada de modo surpresa para uma reunião com alguns membros do CD e membros das secções regionais do norte e centro. Fui humilhada, acusada e sobretudo maltratada pela bastonária, tal como por todos os outros elementos que se encontravam na reunião. Expus os factos e provas que consegui apurar sobre as acusações que me eram feitas. Era impossível confessar erros que não compreendia e crimes que não tinha cometido. Comuniquei que estaria de férias até ao final do ano conforme combinado com a bastonária na reunião, aproveitando para me restabelecer de um forte desgaste físico e sobretudo psicológico pelo qual nunca tinha passado em 22 anos de enfermagem, e que durante o mês de dezembro apresentaria a minha renúncia ao cargo de vice-presidente..Como se desenrolou tudo, depois? Era diariamente confrontada com várias chamadas da Ana Rita a denegrir-me e, quando não era para mim, era para amigos pessoais. Ameaçava esses meus amigos de que se se mantivessem ao meu lado não poderiam estar do lado da Ordem. Era tudo completamente louco, inacreditável. Mais incrédula fiquei quando me apercebo de que fui retirada de todos os grupos de partilha de informações ou meras conversas onde estavam muitos enfermeiros ligados a OE e não só, em novembro. Juntamente com tudo isto, e com profunda tristeza, vi uma "dispensa" sistemática de colegas e colaboradores que demonstraram proximidade pessoal comigo, sem outro fundamento que não fosse o facto de manterem essa mesma relação de amizade. Tendo tudo isto por base, informei o CD a 4 de janeiro de 2017, por escrito, de que ia tomar as necessárias providências legais para que vários factos fossem investigados..Acabou por devolver todo o dinheiro que tinha recebido a mais? Claro que sim. Após a Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo emitir a guia de reposição procedi, para o seu NIB, à devolução da quantia líquida de 10 771,07 euros, transferida indevidamente para a minha conta. Sobre este assunto gostaria de acrescentar que fui eu e não a Ordem que deu conta do erro e assim desencadeei todo este processo. Foi após eu ter desencadeado este processo que o meu contrato de cedência supostamente tratado pela Ordem foi feito, enviado e assinado, mas em fevereiro de 2017, altura em que já não me encontrava a prestar funções na Ordem. Em momento algum a Ordem ficou prejudicada com esta situação, pois teria sempre de me pagar o vencimento, como assim o fez, até dezembro de 2016..E pode provar tudo isso? Sim, claro..Qual é, então, a acusação da Ordem? A acusação baseia-se nestes pontos: mantinha um caso com o diretor financeiro. Permiti ao diretor administrativo e financeiro, através dos meus códigos do home banking, o acesso à conta da ordem no banco Montepio, para retirar extratos bancários e entregá-los à empresa de contabilidade da Ordem que os solicitava. Utilização indevida do cartão do multibanco da Ordem dos enfermeiros, tendo feito pagamentos e apresentado faturas de almoços de trabalho em que a bastonária não concorda que seja a Ordem a pagar esses mesmos almoços. Estamos a falar das faturas com os valores de 29, 179,02, 44,20, 59,30, 138,30 euros durante 2016. Remuneração transferida pela ARSLVT no âmbito do Acordo de Cedência por Interesse Público, acumulando com a remuneração da Ordem. E por fim acusa-me da utilização do cargo de vice-presidente da Ordem dos Enfermeiros para arranjar um emprego para o meu filho, através do diretor administrativo e financeiro, que pediu a um funcionário de uma empresa fornecedora da Ordem para arranjar um estágio profissional numa empresa de carros elétricos..Essas são as acusações que ditaram a Ordem a suspendê-la do exercício da enfermagem por cinco anos? Existem outros casos semelhantes ao seu? Uma suspensão por cinco anos do exercício profissional? Por estas acusações? De certeza que não....Como é que um processo administrativo na Ordem pode ditar uma consequência profissional destas? Não pode. Segundo os estatutos, a sanção de suspensão por cinco anos é a segunda mais grave. Apenas pode ser aplicada em situações específicas do exercício profissional como seja colocar a vida de outrem em risco, ou em situações em que as ações e ou omissões causem graves lesões da integridade física, da saúde. Sou enfermeira há 24 anos, exerci sempre a minha profissão de forma impoluta, sendo considerada pelos meus pares como uma profissional competente e empenhada. Sou funcionária do Estado desde sempre, não tendo nunca cometido qualquer infração nem tido qualquer processo disciplinar. Recorri, como será óbvio, várias vezes à Ordem durante todo este processo, e finalmente ao tribunal administrativo, agora, após a sentença final do processo disciplinar, a 21/12/2018 e com uma providencia cautelar a 15/01/2019.Não recebe qualquer salário, nesta altura? Desde o dia 10 de janeiro que me encontro suspensa sem receber vencimento..Como classifica a intervenção de Ana Rita Cavaco neste caso? Como uma cena de um filme de terror, em que num piscar de olhos, porque sim apenas, a amizade intensa virou ódio profundo..Cortaram relações pessoais? Sim, claro..Em duas entrevistas à TVI, teceu duras críticas à forma como a Ordem geriu o seu caso. Sofreu alguma represália? Parece um filme. Durante quase dois anos respondia às acusações com documentos e era como se nada tivesse feito ou escrito. Só fui ouvida pelo conselho jurisdicional no final do processo, durante cinco horas e de nada valeu, pois não alteraram uma vírgula. A sentença encomendada desde o primeiro dia era aquela e pronto. E, sim, fui perseguida, difamada, ameaçada e levantaram-me um processo a que fui chamada na PSP e sete processos cíveis todos por difamação e falsificação de documentos e assinatura, pela peça apresentada pela TVI, sendo que são pedidas avultadas indemnizações. O que me faz mais confusão é o uso desvairado do dinheiro dos enfermeiros para estas brincadeiras. São advogados conhecidos da praça, que se fazem pagar bem. Com o meu ordenado de 900 euros por mês não consigo brincar assim... Mas a Ordem tem o dinheiro das quotas dos enfermeiros, e a bastonária gere conforme entende e levantar processos é a sua praia..Tem colaborado com as autoridades que investigam este caso? Já prestei declarações na PJ e entreguei mais documentos. Relativamente ao processo que decorre no Ministério Público, não assumo a qualidade de sujeito processual. Mas requeri e foi aceite constituir-me como assistente. Passei a ter um estatuto que me permite colaborar diretamente com o Ministério Público..Qual é, na sua opinião, o lado mais grave deste caso? A 12 de fevereiro de 2017, através do canal de televisão TVI, denunciei várias irregularidades na Ordem dos Enfermeiros, no mandato 2016-2019, ao qual também pertencia. Entreguei em mão a mesma denúncia na Procuradoria-Geral da República. Denuncio irregularidades consideradas de natureza criminal, nomeadamente abuso de poder, fraude/corrupção, fuga ao fisco e gestão danosa. O processo encontra-se em segredo de justiça e ainda não foram constituídos arguidos. Tudo é grave, mas a lentidão da justiça quase que faz que tudo pareça uma brincadeira, uma guerra de comadres e, para piorar, a manipulação da informação por parte da Ordem e mais especificamente da bastonária é alarmante. Estou cansada, magoada, muito desiludida, mas não mudo uma única vírgula ao que denunciei. Ainda há poucos dias passou num canal de TV outra reportagem, A Desordem, que mereceu por parte da Ordem um comunicado que vem ao encontro do que acabei de dizer. Diz a Ordem nesse comunicado que o processo referido que levou a buscas não visa a atual gestão da ordem. Como não? Desmente também que a bastonária foi constituída arguida em nenhum processo-crime durante o ano de 2017. Como não? Há provas, mas, e isso é que me deixa perplexa, apesar de haver provas, muitas pessoas, enfermeiros, não estão interessados. Na verdade, estão dispostos a acreditar na mentira, mesmo contra todas as evidências e isso talvez aconteça porque a mentira é geralmente mais fácil de entender do que a verdade..Acredita que a Ordem está a ser instrumentalizada? Acredito e sei que muitos dos que estão na atual equipa a gerir a Ordem têm ambições próprias, muito além da Ordem e da enfermagem. E assim utilizam a Ordem..Fala de ambições políticas? Um dos pontos polémicos deste mandato é a contratação para a Ordem de alguns ex-dirigentes do PSD? Foram contratados pela bastonária. Contratações diretas e com ordenados decididos pela própria. Não foram algumas, mas foram sim muitas, com ligações ao PSD. A Ana Rita cresceu dentro de um meio político, de um partido com uma cultura própria, com grupos formados dentro dele com ambições próprias e modos de ação próprios. Faz parte do statu quo, cresceu nele e a cultura é esta, quando se domina uma determinada instituição há cargos e empregos a distribuir, mesmo que digam e tentem fazer o contrário. Há favores que deixam um sentimento de profunda gratidão....Acha que há alguma relação entre estas contratações, como a de Sérgio Vieira, ex-deputado, e a tensão política atual entre a Ordem e o governo? A contratação de Sérgio Vieira talvez seja mais uma mera coincidência. Foi uma escolha clara da Ana Rita, tal como o cargo que não existia, de secretário-geral. Sérgio Vieira, ex-presidente da concelhia do PSD Porto, tendo sido também deputado e chefe de gabinete de Marco António Costa, não tendo no seu currículo, penso eu, nada com a área da saúde. Faz parte do tal grupo dentro do partido com a tal cultura própria....Durante o mandato da bastonária foram criados dois novos sindicatos de enfermeiros. Houve alguma participação dos dirigentes da Ordem nesse processo?.Na ASPE sei que não houve. Fiz parte da sua comissão instaladora. No entanto, antes da sua criação, e ainda estava eu na Ordem, a bastonária tinha sugerido à enfermeira Lúcia Leite criar um sindicato, pois, na sua opinião, fazia falta no atual momento da enfermagem. Este era um assunto falado desde o início do mandato, principalmente pelo enfermeiro Ricardo Matos, presidente da secção regional do centro. Bem no início, até deu a ideia de se arranjar pessoas da confiança da equipa da Ordem para concorrerem nas eleições do Sindicato dos Enfermeiros. Mas não sei como ficou esse assunto. Quanto ao Sidepor, nada sei, só o que oiço, penso e associo... e isso deixo para mim..Porque desejaria a Ordem criar um novo universo sindical? Havia alguma intenção política de enfraquecer os dois sindicatos históricos? As Ordens existem para a defesa e a salvaguarda do interesse público e dos direitos fundamentais dos cidadãos e para a autorregulação de profissões cujo exercício exige independência técnica. Estão expressamente proibidas de atuar ou participar no exercício de funções próprias das associações sindicais. É verdade que cabe à ordem zelar pela função social, dignidade e prestígio da profissão de enfermeiro. E para tal faz sentido que a Ordem se reúna com os sindicatos para estar a par das negociações destes com o governo. Perceber e convergir caminhos. Não faz sentido, por exemplo, a Ordem atribuir títulos de enfermeiro especialista e os sindicatos negociarem uma carreira que não contempla tal título. Se os órgãos da Ordem, tal como os dos sindicatos, são enfermeiros, então o objetivo final serão os enfermeiros, mas não se podem confundir na sua essência e na sua função. Parece-me que houve sim uma intenção da Ordem, não sei se política, de enfraquecer os sindicatos. Porque os órgãos sociais da Ordem perceberam desde cedo que a resolução dos problemas que ocupavam os enfermeiros não estavam nas mãos da Ordem mas sim dos sindicatos. Assim, no entender deles, a ordem perde espaço, protagonismo. A Ordem percebeu que o poder estava na palavra, na forma como esta era apresentada. Pegando assim nesta equação, a ordem descobriu a eureka. Mais do que os feitos importantes que competem à Ordem fazer, a bastonária, através de um discurso sindicalista, eloquente, textos encantadores, leva os enfermeiros a acreditar que alguém os está a defender, a falar por cada um e assim influencia muitos enfermeiros com as suas habilidades comunicacionais, ótima postura presencial e gestual, que, somadas à sua comunicação eficaz, a tornam carismática. E assim chegamos a este momento histórico. Dois dos sindicatos mais antigos estão perdidos, sem saber como lidar com as pressões internas e externas, não querendo fugir ao que acreditam, mas não querem igualmente perder sócios, o seu garante para a sua existência. Mais dois sindicatos novos que são dominados por movimentos ditos espontâneos amparados pela Ordem..Acredita que a greve cirúrgica nasce deste plano? As reivindicações dos enfermeiros são mais do que justas e atendíveis e não estão ainda respondidas, apesar de muitas horas de negociação. Sempre fiz greve independentemente do sindicato que a decretava. No entanto, não concordo com os moldes em que foi organizada e popularizada esta greve cirúrgica. Foi instrumentalizada como arma de arremesso pela Ordem que a utilizou para mediar os conflitos, mas também para acicatar. Nunca se falou tanto de enfermeiros, mas pelos piores motivos e de uma forma muito leviana. E, principalmente, não tiveram o cuidado de proteger os nossos maiores aliados, os utentes. Para exigirmos respeito temos também de saber respeitar e isso não é fraqueza, não nos diminui..Tem recebido reações à greve dos enfermeiros? Como sente que a veem os portugueses? Está tudo numa enorme confusão. Ninguém está a perceber nada, e muito menos estão a perceber os enfermeiros. Perdemos o respeito de quem cuidamos e perdemos força negocial, pois os sindicatos passaram para segundo plano. Já ninguém aguenta ouvir falar de enfermeiros. Na verdade, a forma como se tem falado dos enfermeiros só interessa aos intervenientes neste conflito descontrolado. Os vários interesses dos intervenientes juntaram-se e explodiu uma bomba sem controlo. Estamos em ano de eleições. De eleições europeias e legislativas e também para a Ordem. E os que estão no poder querem manter-se. Assim utilizam todos os meios para se fazerem ouvir, para mostrarem o seu valor. Os enfermeiros estão no meio e são úteis para ambos.