Estes deuses envelhecem mas nunca morrem
Este texto podia começar em tom de reportagem, com aquele casal acabado de sair do centro comercial Vasco da Gama assustado com "tantos gajos vestidos de preto". Ou com o taxista de boca aberta, já ao início da madrugada desta terça feira, com tanta gente a sair de um concerto na Altice Arena que nem viu anunciado em lado nenhum. E na verdade o texto até está a começar assim, com o retrato da dedicação dos fãs de metal às bandas que influenciaram milhões de pessoas. Mas o que interessa mesmo é isto: Ozzy Osbourne (69 anos) e Rob Halford (66), dois dos - ou 'os' - deuses do metal, estiveram em Lisboa na mesma noite e provaram que, apesar das dores da idade, eles e o género que ajudaram a moldar continuam bem vivos.
Sim, Ozzy já não é propriamente um louco Príncipe das Trevas a morder morcegos em palco e faz mais lembrar alguém numa aula de hidroginástica, com os seus pulinhos e palmas desajeitadas. Nem Rob Halford, com o seu passo desajeitado e vagaroso, é o vocalista magnético que era há 20 ou 30 anos, que fez dele um metal god, mais parecendo agora estar a meio de uma sessão de fisioterapia. Tal como os seus Judas Priest não são os mesmos, depois da saída do guitarrista K. K. Downing e da doença de Glenn Tipton, a quem foi diagnosticado parkinson, o que o obrigou a não fazer esta tour completa. Mas não são os mesmos, nem tinham que ser. Nada disso interessa, porque se os portugueses são acusados de cuidar mal dos seus velhos, os metaleiros tratam - justamente - bem dos seus.
A aposta de trazer a tour de despedida do Ozzy Osbourne à maior sala portuguesa podia parecer arriscada, tendo em conta que o mítico vocalista dos Black Sabath não lança um álbum relevante há quase 30 anos, desde No More Tears (1991), teve programas de reality tv duvidosos e até faltou à sua própria Ozzfest em Portugal, em 2002 (obrigado por aquele mosh monstruoso na Chemical Warfare, dos Slayer), para beijar a mão à rainha no seu jubileu. Mas talvez por isso mesmo, pela nostalgia e necessidade de ver uma das maiores lendas da música ao vivo pela última (?) vez, a aposta foi completamente ganha. A plateia encheu como em outros grandes concertos do género, e mesmo as bancadas estavam muito bem compostas de um público regra geral acima dos 40 anos, mas onde não faltavam fãs mais jovens e até crianças - sim, estou a lembrar-me de um miúdo imberbe e de óculos, que não tinha mais de 12 anos, que não parou de saltar e cantar durante toda a atuação do Ozzy.
Mas se calhar por isso mesmo, pela idade da plateia e pelo espírito de homilia, a noite não arrancou com o rebuliço de outros grandes concertos de metal. No caso dos Judas Priest, a primeira grande ovação foi mesmo conseguida pelos... Pantera. Eram 20.00 em ponto quando soaram os primeiros acordes de Walk, homenagem a Vinnie Paul, baterista da banda texana que morreu há menos de duas semanas, que dava início ao concerto da banda britânica. E pode dizer-se que esse foi mesmo o momento mais emocionante da noite até Painkiller, a música mais thrash das bandas que não são do thrash e que conseguiu levar a uns primeiros arremedos de mosh. Que por ali ficaram.
Até ao encore, quando Glenn Tipton entrou em palco para, simbolicamente, tocar Metal Gods. Lisboa foi uma das cidades brindadas com a presença do guitarrista, que teve de ser substituído na tournée de Firepower pelo produtor da banda, Andy Sneap. Quanto a Halford, o corpo pode não reagir da mesma maneira, mas os agudos continuam com a mesma força. Que o diga a famosa acústica da Altice Arena.
Mas ainda a reboque dos guitarristas que roubam o protagonismo aos headliners, é impossível não falar de Zakk Wilde, que depois de anos de ausência para seguir a su própria carreira, voltou à banda de Ozzy Osbourne. E se Ozzy é conhecido por se rodear sempre de grandes músico, Zakk está num outro nível e ontem provou que está na lista dos maiores guitarristas da história do heavy metal - e nem precisava de um solo de dez minutos em War Pigs, com direito a guitarra atrás das costas e acordes sacados com os dentes, para o provar.
Aqui, já o público mostrava uma energia sempre reprimida com os Judas Priest. As setlists também ajudaram à diferença de atitude: Os priest intercalaram músicas do último álbum com outras mais antigas, enquanto um concerto de Ozzy é um verdeiro desfile de hits, para o qual contribui alguns clássicos dos próprios Sabbath, como a apoteótica Paranoid que encerrou a noite.
Sim, os deuses do metal também envelhecem e têm misérias humanas, mas não merecem menos respeito por isso. E no final, foi isso que se sentiu ontem: respeito dos fãs, que fizeram questão de encher um pavilhão que leva bem mais de dez mil pessoas, e que tiveram como retribuição um enorme sorriso por terem visto dois grandes concertos, em especial o de Ozzy Osbourne, que muitos não esperariam tão bom. Pode ou não ter sido o último concerto de Ozzy em Portugal (o músico deixou no ar a dúvida sobre o seu regresso) e o futuro dos Judas Priest, com a doença de Tipton, pode ser incerto. Mas se esta foi uma dupla despedida, foi em grande.