"Este filme oferece um mapa do tesouro para o que é possível"
Quando perguntam aos atores se sabemos fazer alguma coisa, respondemos que sim", disse Andrew Garfield, protagonista do filme tick, tick... BOOM!, num evento da Netflix em plena temporada de prémios. "Dizemos que sabemos montar a cavalo, tocar um banjo, construir uma casa ou fazer o parto de um bebé", gracejou.
Foi isso que o ator, conhecido pelo papel de Homem-Aranha, respondeu ao realizador Lin-Manuel Miranda quando este lhe perguntou se sabia cantar. Andrew Garfield disse que sim, apesar de nunca o ter feito realmente. "Se tinha um ano para trabalhar com um professor de canto e com a equipa do Lin, achei que podia dar essa oportunidade a mim próprio", revelou o ator.
tick, tick... BOOM! é um filme biográfico baseado no musical escrito pelo dramaturgo Jonathan Larson, uma jovem promessa do teatro norte-americano que morreu antes de ver o seu trabalho consagrado. A produção da Netflix está nomeada na categoria de Melhor Filme nos Critics Choice Awards, que serão entregues este domingo, e Andrew Garfield logrou a nomeação para Melhor Ator tanto nos prémios Critics Choice como nos Óscares, que serão a 27 de março. Em janeiro, venceu o Globo de Ouro para melhor ator na categoria de comédia ou musical. Um feito para quem não sabia se conseguia cantar quando aceitou o papel principal de um musical.
"Nunca tinha tido a coragem de admitir o quanto queria ser o Fred Astaire até o Lin me abordar com este projeto. Adoro música e performances musicais", disse o ator. "Gostava de ter a confiança de ser o Justin Timberlake e de me aplicar para saber dançar e cantar. Ele sempre foi um símbolo da liberdade nesse tipo de expressão, de usar o corpo e a voz", continuou. Com um filme que sobrepõe linhas temporais e viaja ao desespero de um artista que tenta criar algo brilhante, Andrew Garfield explorou uma vontade escondida dentro de si. "O Lin deu-me a permissão de aceitar que eu queria ser o Justin Timberlake-barra-Fred Astaire."
A forma acidental como isto aconteceu é também ela uma história com o sal de Hollywood. Um dos melhores amigos de Andrew Garfield é o massagista das estrelas Greg Miele, que estava numa sessão de massagem com Lin-Manuel Miranda quando este lhe perguntou se o seu amigo ator saberia cantar.
"Ele mentiu e disse que sim, que eu era um grande cantor e o Lin ficou interessado", contou Garfield. "Miele disse-me que agora eu tinha de cantar porque era a sua reputação que ficava em risco."
A aposta correu bem. Quando Garfield viu uma das primeiras versões do filme, chorou de emoção. "Caí de joelhos em gratidão a esta equipa", disse o ator, para quem Lin-Manuel Miranda "tem um génio que é evidente."
Quando lhe foi agradecer, o realizador ficou contente e aliviado por ele ter gostado, sentindo o peso de honrar o legado do dramaturgo. "Sem ofensa, tenho muitos problemas e dispenso ser assombrado pelo espírito do Jonathan Larson", gracejou Lin-Manuel Miranda.
A responsabilidade de fazer jus a Larson, cujo popular musical Rent estreou no dia seguinte à sua morte, foi a "estrela-guia" para toda a equipa, disse Andrew Garfield.
"Quando temos um valor mais alto que estamos a servir, a energia é diferente", considerou. "O espírito do Jonathan e a sua energia infetaram o processo de todo este filme." No fundo, considerou, foi permitir que o espírito do Jonathan os assombrasse de facto.
Garfield descreveu o filme como um roteiro de sonhos e, de certa forma, uma súmula do sentido da vida. "Acredito na energia que deixamos cá. Esse é um dos propósitos e a preponderância deste filme: um testemunho da energia que deixamos cá, dos efeitos que as nossas vidas têm", afirmou.
Jonathan Larson, disse, viveu na pobreza e sabia que não ia poder levar nada com ele quando morresse. "Só queria deixar cá toda a sua alma, todo o seu trabalho", afirmou. "E agora estamos numa sala a falar dele. É uma prova viva e visceral desta ideia de que só cá deixamos a alma e a essência das nossas ações e do nosso trabalho."
Situada em Nova Iorque no início dos anos noventa, a ação acontece no contexto da epidemia de HIV e foi filmada durante a pandemia de covid-19, uma coincidência a que os atores e cineastas não foram alheios. "Houve uma estranha sincronia cósmica entre os temas da peça e o que estávamos a viver", disse Garfield. "Foi a história perfeita para contar naquele momento", acrescentou, apontando para a autorreflexão que incentiva. "Em especial para os jovens, este filme oferece uma espécie de mapa do tesouro para o que é possível", definiu. "Um caminho para os dons únicos de cada pessoa. E penso que precisamos de continuar a encorajá-los para [seguirem] esse caminho."
dnot@dn.pt