Este dicionário não é como os outros. Podia inspirar 390 romances
António de Abreu era filho de um fidalgo de Avis e foi criado do rei D. Manuel. Combateu sob as ordens de Afonso de Albuquerque nas conquistas de Ormuz e Malaca, foi ferido e a bravura valeu-lhe uma nova missão. O Grande César do Oriente - um dos vários nomes atribuídos a Albuquerque - enviou-o em busca das ilhas das especiarias mais desejadas, às Molucas do Norte e a Banda, onde crescia o cravo e a noz-moscada. O capitão da Índia deixou padrões em Java, Banda e Amboino, mas a viagem foi atribulada. Abreu regressou a Malaca em 1512 com menos de metade dos 180 homens que tinham embarcado na viagem. Morreu dois anos depois na viagem de regresso a Portugal, nos Açores, teria trinta e poucos anos.
A biografia do comandante da primeira expedição europeia a chegar tão longe, às ilhas de Banda, na Indonésia, abre o primeiro dos dois volumes do Dicionário da Expansão Portuguesa entre os anos de 1415 e 1600 lançado há pouco mais de duas semanas. Sob a direção do historiador e professor catedrático Francisco Contente Domingues, 79 especialistas ligados a 35 instituições universitárias e de investigação nacionais e estrangeiras - do Minho a Macau, literalmente - escreveram os 390 artigos do novo dicionário. Portugueses que investigam no estrangeiro e estrangeiros que investigam em Portugal os dois séculos de ouro da época dos Descobrimentos.
O projeto foi realizado em tempo quase recorde para este tipo de obra de referência: em apenas 18 meses. Contente Domingues escolheu primeiro os temas e explica o processo. "A escolha foi relativamente simples, porque se houvesse qualquer pretensão de exaustividade, o dicionário teria dezenas de milhares de entradas." Depois, procedeu-se a uma operação de síntese. Ou seja, "o dicionário tem 50 ou 60 entradas grandes, maiores do que seria normal. Em vez, por exemplo, de termos uma entrada para cada especiaria, temos uma só entrada sobre especiarias. Temos um tipo de artigos que não há normalmente em obras de referência." Como é o caso de várias outras entradas como as dedicadas à literatura de viagens, à gastronomia ou ao urbanismo.
O segundo grande passo foi a escolha dos autores, que acabou por ser mais simples e menos difícil. "Simples porque se tratava de encontrar a pessoa mais adequada para fazer cada artigo. Acabei por conseguir ter praticamente todas as que trabalham na área da Expansão em Portugal e a resposta positiva foi superior a 90%." Mais simples do que há duas décadas, quando Contente Domingues coordenou a edição do Dicionário de História dos Descobrimentos Portugueses sob a direção do professor Luís Albuquerque. "A diferença é que entretanto houve cursos de mestrado, de doutoramento, gerações de pessoas novas a trabalhar nestes temas e com imenso valor", explica, "suficientemente especializadas para podermos ter colaboração de qualidade em todas as áreas."
Metade desta qualidade está neste primeiro volume do novo Dicionário que termina com o tema Humanismo e os efeitos do choque entre a experiência vivida e contada pelos navegadores e as teorias dos autores clássicos como Ptolomeu ou Aristóteles. Afinal, os oceanos comunicavam, existiam antípodas e as terras firmes e os mares formavam um globo.
Será preciso esperar pelo fim de Fevereiro para continuar a ler a outra metade desta História: de Ielala, a rocha no rio Zaire onde Diogo Cão gravou, em 1485, uma inscrição como prova da sua passagem, até Zurara, apelido de Gomes Eanes, cronista-mor de Afonso V e guarda-mor da Torre do Tombo. É também o segundo volume que traz um apêndice de mapas para ajudar o leitor a não perder o norte à geografia. Pelo caminho, há centenas de histórias de portugueses e da influência portuguesa pelo mundo para conhecer e lembrar, que podiam dar outros tantos romances.
Dicionário da Expansão Portuguesa
1415-1600 (Vol. 1)
Direção de Francisco
Contente Domingues
Círculo de Leitores
PVP: 19,99 euros