Estado tem prejuízos anuais superiores a cem milhões com ex-BPN
Houve perdões de dívida e reestruturação de créditos decididos com "critérios subjetivos". Alguns devedores viram a Parvalorem anular os créditos que tinham obtido do falido BPN em processos "indevidamente documentados". A empresa que o Estado criou, em 2010 (governo Sócrates), para recuperar os "ativos tóxicos" do BPN é - resulta claro desta auditoria - um falhanço caro para Portugal. O Estado pagou 3956 milhões de euros por um conjunto de créditos e garantias que encarregou a Parvalorem de "gerir, recuperar e liquidar". Mas o único verbo aplicável é mesmo o último...
"Até ao final de 2015 foi recuperado o montante de 415 milhões (10,5%) em cash e 170 milhões (4,5%) em bens resultantes da execução de garantias", conclui a Inspeção-Geral de Finanças (IGF), nesta auditoria "confidencial" a que o DN teve acesso. Ou seja, apenas 15% do valor que a Parvalorem foi criada para recuperar. No mesmo período, a administração da empresa "autorizou perdões de dívida no montante de 159 milhões", acrescenta a auditoria. No final de 2015 (data em que se concentrou esta inspeção, decidida em 2016), a carteira de crédito gerida pela Parvalorem tinha 83% de "imparidades", ou seja montantes considerados irrecuperáveis. Dito de outra forma, pela IGF: "O valor ainda potencialmente recuperável era de 585 milhões."
Esta parece ser uma conclusão ainda mais estranha, mas o valor dos imóveis que foram dados como garantia para os créditos difíceis também baixou - mesmo que só se fale de um aumento do preço das casas em Portugal... Em dois anos, o valor por que foram contabilizadas essas garantias imobiliárias deixou um outro buraco nas contas da empresa: houve "perdas de valor" desses imóveis em 2014 (40%) e 2015 (38%).
Já na carteira de créditos e nos "perdões de dívida", a empresa parece ter sido expedita. Os auditores encontraram "falhas processuais" que prejudicam "a avaliação e a fundamentação" das decisões. Tudo isso, conclui a IGF, "prejudica a transparência das decisões superiores e possibilita a aplicação de critérios subjetivos".
As conclusões da IGF são graves. O que explica a existência de "anulações/perdões de dívidas" decididos pela Parvalorem e "indevidamente documentados"?
Os auditores salientam, ainda, que a empresa possui um quadro de 175 trabalhadores (custo, em 2015, de 8,4 milhões de euros) mas que, mesmo assim, a administração da empresa "contrata externamente" serviços no valor de 1,7 milhões.
Tudo isto tem um custo: "Os encargos reais do Estado ascenderam a 4319 milhões de euros." Com a sua "atividade deficitária", a Parvalorem "depende do financiamento do Estado, provocando prejuízos anuais superiores a cem milhões de euros", conclui a IGF.
"A Parvalorem não cumpriu algumas das disposições a que se encontra obrigada", acusa a IGF. A lista é grande: desde o cumprimento das regras de contratação pública, na compra de serviços e bens, até ao cumprimento das obrigações fiscais para com o Estado (que é, recorde-se, o dono e financiador da empresa).
Numa empresa que tem 15 elementos a receber salários acima dos 5001 euros que recebe o primeiro-ministro, há ainda um parque automóvel significativo: 23 carros de pessoal. Estes são, explica a IGF, usados como benefício salarial, mas a Autoridade Tributária não recebeu o que devia por isso.
Francisco Nogueira Leite é o presidente do conselho de administração da Parvalorem desde 2012. Nomeado por Vítor Gaspar e reconduzido, desde então, por Maria Luís Albuquerque e Mário Centeno, o administrador é amigo do ex-primeiro-ministro Pedro Passos Coelho. Os dois conhecem-se desde os tempos em que foram dirigentes da JSD. E continuaram a ter percursos próximos. Até 2007, Passos e Nogueira Leite geriram a Tecnoforma, de onde saíram juntos.