Estado pagou 1,3ME por ligações fantasma à internet

Tribunal de Contas alerta para despesa com cartões SIM que não chegaram aos alunos e aponta irregularidades nos contratos de atribuição de computadores a instituições privadas.
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O Estado gastou 1,3 milhões de euros com cartões SIM para ligação à internet que nunca chegaram às mãos dos alunos, entre setembro de 2020 e agosto de 2021, no âmbito da digitalização das escolas decidida pelo governo para responder à pandemia de covid-19 e às exigências do ensino à distância. O alerta consta do relatório do Tribunal de Contas (TdC) "Aquisição de computadores e conectividade para alunos com Ação Escolar - Fase Zero", publicado esta terça-feira.

A auditoria verificou que a Secretaria-Geral da Educação e Ciência (SGEC) pagou mais de três milhões de euros em cartões SIM, mas o valor relativo à conectividade foi de apenas 1,6 milhões de euros, o que dá uma diferença de 1,3 milhões, ou seja, uma despesa que não se traduziu num serviço efetivo. De referir, contudo, que estes valores foram totalmente suportados por fundos comunitários. "Constatou-se que foi paga a prestação de serviço de conectividade de equipamentos entregues às escolas, mas não aos alunos e, portanto, sem qualquer ativação", concluiu a instituição, liderada por José Tavares. E acrescenta que "as verificações realizadas em 2022 evidenciaram existirem hotspots e cartões SIM que ainda permanecem por entregar aos alunos, não obstante a conectividade ter sido paga e faturada".

Ao Tribunal de Contas, a SGEC esclareceu que "está a coligir elementos para apurar os valores a repor ", admitindo estar agora "em condições de submeter ao Ministério da Educação uma proposta de decisão sobre a matéria". "A reposição será subsequentemente notificada às operadoras", remata.

Ainda assim, o TdC recomenda que a tutela "prossiga o apuramento de desconformidades entre os montantes faturados e pagos, no âmbito dos contratos de aquisição de hotspots e serviços de conectividade, e os montantes devidos à luz das correspondentes obrigações contratuais".

A atribuição de computadores portáteis e kits de conectividade a 14 estabelecimentos do ensino privado com contrato de associação foi outra das irregularidades assinaladas. Segundo o Tribunal de Contas, os contratos das aquisições celebrados em 2020 abrangiam apenas escolas públicas com alunos da Ação Social Escolar dos ensinos básico e secundário. Porém, o governo decidiu alargar a atribuição de portáteis às instituições privadas com estudantes carenciados, sem que tenha retificado o contrato inicialmente firmado. Só um ano depois uma resolução do Conselho de Ministros veio alterar a disposição contratual e incluir as escolas do privado com contrato com o Estado. "A distribuição de computadores portáteis e conectividade às escolas decorreu em desconformidade com o estabelecido nos contratos, uma vez que abrangeu também estabelecimentos de ensino particulares e cooperativos, com contratos de associação que não estavam previstos", lê-se no relatório do Tribunal de Contas.

Ao todo, o Estado comprou cem mil kits de computadores portáteis para as escolas públicas por 24,4 milhões de euros, valor totalmente financiado por fundo europeus, tendo depois o Orçamento do Estado suportado mais 318 mil euros de modo a acomodar o alargamento do contrato aos estabelecimentos do ensino privado.

O TdC aponta ainda o dedo ao atraso na entrega de computadores e de equipamentos de ligação à internet. A auditoria demonstra que o governo não cumpriu os prazos previstos com as escolas: os portáteis e os kits de conectividade agendados para setembro e outubro de 2020 só chegaram aos estabelecimentos de ensino em dezembro daquele ano. "Consequentemente, as entregas aos alunos ainda se alongaram pelos primeiros meses de 2021", sublinha o TdC. Por isso, o auditor recomenda que a SGEC "adote as medidas necessárias para (...) melhorar os sistemas de acompanhamento, gestão e controlo dos equipamentos". A tutela alegou, contudo, que "o atraso não lhe pode ser imputado, uma vez que não lhe competia a definição da afetação do número de kits e de escolas", que foi "realizada em articulação pelos gabinetes dos então ministro da Educação" [Tiago Brandão Rodrigues] "e do Secretário de Estado da Transição Digital" [ André de Aragão Azevedo], lê-se no documento.

A SGEC tem agora entre dois a seis meses para responder às recomendações do Tribunal de Contas. A auditoria vai ser remetida ao Ministério Público.

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