O Sistema de Informações da República Portuguesa (SIRP) continua a pagar o vencimento, cerca de 2500 euros líquidos mensais, ao espião condenado por espionagem para a Rússia e corrupção passiva. A situação causa perplexidade, não só internamente mas também noutros setores, como o da Administração Interna ou da Justiça, que já viram altos funcionários a ficar sem salários, apenas como arguidos, antes sequer da acusação e da condenação..Frederico Carvalhão Gil, que está a cumprir a pena em prisão domiciliária, foi detido a 21 de maio de 2016 em Roma, numa operação hollywoodesca das autoridades italianas e portuguesas, juntamente com o seu controlador das secretas russas, extraditado para Portugal e detido pela Polícia Judiciária (PJ)..Esteve em prisão preventiva, em sua casa, até ao julgamento e condenado em fevereiro de 2018 a sete anos e quatro meses de prisão, mantendo-se na sua residência com pulseira eletrónica. Em maio deste ano, o Tribunal de Relação confirmou a sentença da primeira instância..Durante todo este tempo, apesar de estar suspenso de funções, continuou a receber o seu ordenado todos os meses. Carvalhão Gil entrou para o SIS em 1987 e na altura da sua detenção estava no topo da carreira como oficial de informações..Secretas não comentam.O DN questionou o gabinete da secretária-geral do SIRP, Graça Mira Gomes, sobre qual era a sustentação legal para esta decisão, tendo sido respondido que não iam "fazer comentários"..Confrontado, no passado dia 7 de julho, pelo DN, com esta situação, o gabinete do primeiro-ministro, que tutela o SIRP, pediu esclarecimentos ao gabinete de Mira Gomes, não tendo sido ainda enviada resposta..Ficou também por responder a questão sobre o resultado do processo disciplinar instaurado a Carvalhão Gil, que poderia ter como sanção a perda de remunerações, pela suspensão do exercício de funções..Internamente nas secretas, a explicação que tem sido ouvida é a de que até a pena de condenação transitar em julgado, o que acontece quando for decidido o último recurso possível, a presunção de inocência mantém-se. E a remuneração do espião também..O DN tentou saber junto ao Tribunal de Relação e ao Supremo Tribunal de Justiça se tinham dado entrada outros recursos, desde a última decisão da Relação, mas não foi possível até este momento..Arguidos do caso "Vistos Gold" ficaram sem salários.Este princípio de manutenção do vencimento, não foi, no entanto, válido noutros casos judiciais que envolveram altos quadros do Estado e perderam mesmo o salário ainda arguidos, acusados e antes do julgamento..Cortar os ordenados foi o entendimento de outros serviços e tutelas (no caso os ministérios da Administração Interna e da Justiça), invocando a Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, segundo a qual a suspensão da remuneração acontece sempre que, a partir dos 30 dias, as faltas do funcionário não possam ser justificadas pelos motivos previstos na lei. Faltar porque se está detido não está incluído na lista..Exemplo disso foi, na Operação Labirinto - processo que ficou conhecido como o dos "Vistos Gold "-, os casos, pelo menos, do ex-presidente do Instituto de Registos e Notariado António Figueiredo e o ex-diretor do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) Manuel Palos..Figueiredo foi detido a 13 de novembro de 2014 (tal como Palos) e, segundo o Ministério da Justiça confirmou ao DN, "cessou a sua comissão de serviço a 18 de novembro, tendo em virtude da cessação do vínculo público deixado de auferir o respetivo vencimento"..António Figueiredo foi acusado de 12 crimes e acabou por ser condenado, em janeiro passado, a quatro anos e sete meses de pena suspensa, apenas por três: um de corrupção ativa, um de corrupção passiva e um de prevaricação..Só em 2017, depois de a medida de suspensão de funções ter terminado o prazo e voltar a exercer funções no IRN, como conservador, voltou a receber o salário..Situação idêntica sucedeu com o ex-diretor do SEF, que esteve 18 meses sem ordenado, por determinação dos próprios serviços jurídicos daquele organismo, até cessar a medida de suspensão de funções e voltar a ser integrado em 2017..Manuel Palos esteve preso preventivamente, com pulseira eletrónica, e foi absolvido de todos os crimes de que era acusado, um de corrupção passiva e dois de prevaricação, também em janeiro deste ano. Este coordenador superior do SEF, que foi de novo integrado no serviço em fevereiro de 2017, contestou a decisão, reclamando a devolução dos vencimentos, mas ainda aguarda a decisão do Supremo Tribunal Administrativo..Mais recentemente, o diretor do SEF de Albufeira, detido por suspeita de corrupção há um ano e suspenso de funções, está também, desde essa altura, sem ordenado..Em nenhum destes três casos a sentença transitou em julgado. O Ministério Público recorreu da sentença de primeira instância no caso dos "Vistos Gold". No processo do SEF de Albufeira ainda nem foi deduzida acusação.-.No caso dos quadros do SEF, as respetivas defesas usaram como argumento o facto de, desde 2014, este serviço, tal como as outras forças de segurança e os militares, terem sido excluídos da aplicação da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, tendo ficado ao abrigo de uma lei anterior (1999) que inclui a prisão preventiva como motivo de força maior para justificar as faltas..Não é o caso do SIRP nem do IRN, embora só no segundo caso tenha sido cumprida a determinação legal.