A ministra da Justiça afirma hoje ao DN que o objetivo do novo portal/dashboard da Justiça é "acabar com a imagem negativa que os casos mediáticos deram à justiça". Não tenho dúvidas, senhora ministra, de que este esforço de transparência é positivo. A questão é que o problema da má imagem da justiça não se resolve apenas com páginas bonitas na internet..Essa "imagem negativa" nasce de uma coligação muito pouco virtuosa entre investigações mal conduzidas, um sistema lento, anquilosado e que não sabe comunicar (e não estou a falar de resultados e estatísticas), e uma comunicação social disponível para servir de câmara de ressonância..Há uns dias, o advogado Rui Patrício dizia ao DN que existe um abuso da prova indireta em casos de corrupção. Processos construídos sobre uma imensa narrativa de deduções, com muito pouca ou nenhuma prova material ou direta. Casos em que é apresentado ao juiz um conjunto de conclusões, baseado em ilações do género "está-se mesmo a ver que...", esperando a acusação que o meritíssimo juiz se deixe convencer pelos méritos da narrativa. No fundo, que o trabalho do Ministério Público crie, no juiz, uma convicção de culpabilidade..Ora, quando uma destas torres de dedução acaba por ruir - e têm sido várias as derrocadas -, seja na fase de investigação, seja já em julgamento, seja anos mais tarde em recurso para instâncias superiores, o essencial da tal narrativa já passou por manchetes de jornal e aberturas de telejornal. Muitas vezes sem que este lado de cá, do jornalismo, faça o que deve fazer - duvidar, questionar e contraditar..À parte a questão de estarmos a lidar com uma real inversão do ónus da prova nestes casos, com os arguidos forçados a apresentar provas materiais e diretas contra uma acusação baseadas em deduções; passando ao lado da questão da defesa do bom nome, é na tal coligação de interesses convergentes que nasce a perceção de que Portugal é um país de corruptos. Há um problema. Os factos não confirmam essa intuição do público. Pode ser que o portal ajude...