Ana Capeta: "Essa bola ao poste ninguém se vai lembrar amanhã. O orgulho que sentimos vai permanecer"

"Foi um Portugal incrível durante todos os minutos que se jogaram no Mundial", segundo o selecionador nacional, lembrado que as "as jogadoras foram brilhantes", nos três jogos e não só no empate com os EUA.
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Portugal empatou com os EUA (0-0) e disse adeus ao primeiro mundial de futebol feminino da sua história... que podia ter um final diferente caso a bola rematada por Ana Capeta, já depois dos 90 minutos, tivesse entrado em vez de bater no poste e frustrar o sonho português da passagem aos oitavos de final. "Essa bola ao poste ninguém se vai lembrar amanhã. O orgulho que sentimos umas pelas outras vai sempre permanecer", disse a autora do remate ainda na emoção do final do jogo, talvez tentando esquecer aquilo muitos lhe lembrarão.

"Foi por meros centímetros que não concretizámos mais um sonho. O maior sonho de todas enquanto jogadoras de futebol foi concretizado. Estivemos no primeiro Mundial de Portugal. Acho que fomos competentes e merecíamos mais, não só por aquilo que fizemos hoje, mas pelo que produzimos nos três encontros. Sinceramente, acabo por nem ver o meu remate, porque caí no chão e só vi a bola a ressaltar no poste. Confesso que sonhei naqueles milésimos de segundo em que fui ao chão. Sonhei que poderíamos estar a fazer história e eliminar os Estados Unidos pela primeira vez numa fase de grupos. Quem viu esta partida em casa e não souber que os Estados Unidos são campeões do mundo, acho que não ficou a saber. Fomos muito superiores. Estragar a série da Netflix [que está a ser rodada em pleno Mundial junto da seleção dos Estados Unidos] ia ser qualquer coisa, mas pronto...", confessou a avançada do Sporting.

Para Ana Capeta, a seleção nacional foi "a melhor equipa em campo" e merecia mais hoje do que um empate. O mesmo sentimento foi verbalizado por Kika Nazareth. A mais jovem das 23 eleitas de Francisco Neto para o Campeonato do Mundo fez um esforço enorme para controlar as emoções na hora de fazer um balanço, ainda a quente, do adeus mundial. "Temos de sair daqui orgulhosas. Não nos podemos esquecer que jogámos num estádio com 43 mil pessoas frente às bicampeãs do mundo e o jogo foi nosso. Saímos com a certeza que, neste patamar, não podemos desperdiçar as oportunidades que criámos. Também saímos com um sabor um bocadinho amargo. Faltou-nos um bocadinho de sorte, o resto esteve lá. O talento, o trabalho, a equipa, o esforço e a dedicação...", disse a jogadora.

Foi com a voz embargada que Kika lembrou que daqui a quatro anos há outro Mundial, com outras equipa e outras jogadoras e isso "é o que mais custa". Porque este foi o Campeonato do Mundo das gerações antes da dela: "Se Deus quiser, eu hei de ter mais Mundiais pela frente. O futebol para mim são as pessoas, e saio mais triste daqui por não poder ter mais nenhum Mundial com esta equipa. Claro que isso deixa um sabor amargo. Saber que o próximo Mundial não vai ser com estas pessoas deixa-me assim... O que me faz sorrir mais é tudo o que está atrás das câmaras. São os almoços, as atividades de equipa, as praxes, os treinos. As cuecas [túneis] que eu levo, as que dou... São esses pequenos/grandes pormenores que as pessoas não veem. São pequenas coisas que nos fazem ser grandes dentro de campo."

Agora, depois deste jogo com os EUA, "isto [do futebol feminino] tem tudo para andar para a frente em Portugal", segundo a jogadora do Benfica. E por isso, ainda lavada em lágrimas, Jéssica Silva pediu: "Faltou-nos esse bocadinho de sorte. Estou mesmo muito triste por este resultado, mas também estou muito orgulhosa pelo que fizemos, batemo-nos contra uma das melhores equipas do mundo, as bicampeãs mundiais. Não se esqueçam de nós, continuem a dar-nos a mão porque este grupo é incrível."

A jogadora tem a certeza que quando olharem para esta participação mais a frio, as internacionais portuguesas vão saber retirar coisas úteis para crescer, evoluir, e ter mais maturidade: "A verdade é que somos as tais principiantes. Disseram-nos que precisávamos de um milagre e acho que hoje mostrámos que no futebol não há impossíveis e muito menos milagres. Queríamos ter dado esta vitória aos que estão connosco e aos que duvidaram da nossa competência. Agora é seguir em frente. Vamos estar cá para lutar e para mostrar o Portugal que somos."

Dolores Silva capitaneou a seleção em dois dos três jogos e não escondeu o orgulho na equipa: "O nosso objetivo era chegarmos aqui a depender só de nós, e fazer o que fizemos contra as bicampeãs do mundo não é para qualquer equipa. Todas as meninas que nos viram... Entrámos em campo por todas elas, para sermos uma inspiração para todas as mulheres de Portugal. Não posso estar mais orgulhosa deste grupo. Fica um sabor muito frustrante, agridoce, por aquilo que poderíamos ter acabado por conseguir."

Para o atleta do Sp. Braga "não dá sequer para explicar" o que sentiu e o que "isto representa para todas as internacionais, para as meninas e mulheres que sonharam jogar futebol". "Por muito respeito que teríamos hoje, mostrámos maturidade. E isto só serve para inspirar quem nos vê de casa. Espero que, a partir de agora, olhem para a jogadora portuguesa com mais respeito e dignidade. O talento está lá, e quando se trabalha e se acredita no processo. Acreditem sempre. Estou muito orgulhosa de toda a equipa e merecíamos muito mais".

E Ana Borges lembrou que a equipa sabia o que fazer para travar as norte-americanas sem desistir de procurar ganhar: "Não aconteceu isso mas demos uma grande resposta e demonstrámos que não somos nenhumas coitadinhas e podemos jogar olhos nos olhos com qualquer seleção (...) Na segunda parte sabíamos que elas viriam mais forte, queriam outro resultado, mas conseguimos manter-nos. A ultima ocasião e nossa e podíamos manter-nos em competição (...) Foi um poste de distância."

Para a mais internacional de sempre (162 jogos) não vale a pena proclamar que o resultado foi injusto: "Jogamos olhos nos olhos com a número 1 do ranking. Infelizmente não aconteceu e é isso que conta." E se os portugueses podem estar orgulhosos delas, elas também têm "muito orgulho de ser portuguesas".

Que "faltou um bocadinho de sorte" Tatiana não tem dúvidas. "Fizemos um jogo incrível. Essa bola ao poste foi um milagre, colocámos os Estados Unidos a defender, tiraram as melhores jogadoras porque não estava a dar e colocaram uma defesa central e terminaram o jogo com cinco atrás. Estou triste, mas muito orgulhosa", disse a jogadora avisando que, a partir de agora, "é obrigatório estar sempre as melhores e chegar sempre o mais longe possível".

Para o selecionador nacional "está fora do Mundial a equipa que não merecia". Francisco Neto enalteceu a exibição portuguesa, um das "melhores dos últimos anos": "Fomos coletivos, não tivemos medo de ninguém, fizemos aquilo que tínhamos de fazer. Fomos muito competitivos. Eu, enquanto treinador, e todos os portugueses, só têm de estar orgulhosos."

"As jogadoras foram brilhantes, interpretaram à risca aquilo que era a nossa estratégia. Tivemos as nossas oportunidades e, para mim, as melhores do jogo. Não as conseguimos concretizar. Vamos embora, mas de cabeça erguida", disse o técnico, lembrando que aquilo que hoje "é amargo, amanhã, será orgulho". Um sentimento, que, segundo Francisco Neto se deve estender a toda a gente que está envolvida no futebol feminino.

Resumindo: "Foi um Portugal incrível durante todos os minutos que se jogaram no Mundial."

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