Especialistas defendem rastreio ao cancro da próstata
Nunca foi consensual o rastreio ao carcinoma da próstata em homens saudáveis, mas começa a surgir uma nova corrente em defesa de uma orientação abandonada há mais de uma década. Nos grandes centros de decisão da urologia mundial, o tema está novamente em cima da mesa e para o médico português, Abranches Monteiro, será uma questão prioritária em 2022.
O eventual regresso da política de rastreio e a nova visão dos especialistas sobre o assunto foi a nota dominante da entrevista do presidente cessante da Associação Portuguesa de Urologia (APU) ao DN, JN e TSF durante o congresso dos urologistas que decorreu no último fim de semana, em Lisboa.
Abranches Monteiro terminou dois mandatos e quatro anos como rosto da APU. "Permanentemente vi surgirem inovações nesta área, mas realço sobretudo a maneira como passamos a olhar para esta doença. Tive oportunidade de estar em contacto com os grandes centros de decisão na Europa e, no fundo, é a Associação Europeia de Urologia que, em contacto com as associações em cada país, toma as decisões e a grande resolução que está em equação é voltar ao rastreio do cancro da próstata abandonado em todo o mundo há 10 ou 12 anos".
São os números altos da mortalidade e os custos elevados dos tratamentos que justificam a nova atitude. "Há condições para voltar a ter este rastreio porque estão a aparecer, em muito maior número, homens com a doença em estado muito avançado. Esses doentes têm uma taxa de mortalidade bem mais elevada que outros". O argumento das despesas com tratamentos, que por muito inovadores que sejam não são plenamente curativos, é outro fator. "Tratar estes doentes em fase avançada pode custar, ao longo da vida, até vinte vezes mais do que os tratamentos na fase precoce", justifica.
Apesar de discutido internacionalmente, o regresso ao rastreio do cancro da próstata ainda é apenas uma probabilidade porque a pandemia travou as reuniões dos grandes fóruns onde as decisões são tomadas.
"Deveríamos ter conseguido reunir os centros de decisão, mas não foi possível e estamos agora ainda, em cada país, a discutir o que fazer para encontrar consensos e levar a decisão a outras instâncias". Abranches Monteiro acredita que em Portugal as opiniões dos urologistas "estão em linha com os novos raciocínios e novas visões do problema". A política de rastreio obriga, na opinião do especialista, a maior facilidade de acesso às estruturas de saúde por parte dos utentes, a começar, desde logo, pelos cuidados primários, o que atualmente já constitui um desafio. Mais grave ainda, lembra, é garantir consultas com os especialistas em tempo útil. "O número de pacientes que vai enfrentar estas situações aumentará exponencialmente. A batalha vai ser em várias frentes", defende o médico que esteve à frente da Associação Portuguesa de Urologia.
À questão sobre como enfrentar uma nova realidade, Abranches Monteiro não encolhe os ombros, mas descarta responsabilidades. "Não podem ser os urologistas a dar essa resposta. O nosso papel é apenas o de alertar". Nesse propósito e em jeito de recado lembra que "só vale a pena fazer diagnósticos precoces se tivermos celeridade nos processos para dar andamento aos resultados desse rastreio".
Os números não estão confirmados, mas por estimativa, no ano passado foram diagnosticados em Portugal sete mil novos casos de cancro da próstata. Na concretização da eventual política de rastreio, a medicina geral e familiar ganhará novo protagonismo. Atualmente são já os médicos dos cuidados primários de saúde que, ao observarem determinados pacientes, ativam procedimentos e exames de diagnóstico como análises sanguíneas e o toque retal. As análises detetam o marcador tumoral PSA e o toque retal é necessário para avaliar o tamanho da próstata, a glândula masculina do tamanho de uma noz que aumenta consoante a idade. Com novas orientações essa prática passará a fazer parte da rotina.
"A partir de certa idade (45-50 anos) todos os doentes, mas sobretudo os indivíduos que tenham determinado perfil e historial familiar, serão alvo de análises sanguíneas pedidas pelos médicos de família", exemplifica o urologista Abranches Monteiro. "São análises muito simples e que podem detetar as primeiras suspeitas. Não são análises diagnósticas, mas podem despoletar o processo de confirmação de casos suspeitos e, nesse momento, já será o especialista a decidir avançar ou não para exames mais pormenorizados até chegar a um diagnóstico e à terapêutica a propor ao doente".