Escritaria celebra Alice Vieira e a literatura para jovens
"Já havia o Dia das Mentiras no 1º de Abril de 1910?" Esta foi uma das perguntas que Alice Vieira colocou enquanto escrevia o seu mais recente livro, Diário de um Adolescente na Lisboa de 1910. Um entre os muitos que já lançou em quase quatro décadas de carreira literária. Mas não é só mais um livro para o público infanto-juvenil, o seu leitor privilegiado, trata-se do volume que será apresentado na maior homenagem que se realiza em Portugal aos escritores: a Escritaria.
Após terem sido homenageados em Penafiel vários autores - Urbano Tavares Rodrigues, José Saramago, Agustina Bessa-Luís, Mia Couto, António Lobo Antunes, Mário de Carvalho, Lídia Jorge e Mário Cláudio -, nesta nona edição é a vez de Alice Vieira. Que terá a partir de amanhã as ruas principais da cidade decoradas com imagens suas, aspetos da obra destacados em exposições e irá inscrever numa parede da cidade uma frase que escolheu para deixar como memória deste fim de semana prolongado em que o autor convive com os leitores.
Quanto ao 1º de Abril, Alice Vieira foi investigar e confirmou que na altura já existia esse hábito de os portugueses pregarem mentiras uns aos outros, tanto que mete na boca do seu protagonista de 14 anos alguma admiração por os anti-monárquicos escolherem tal dia para uma das muitas tentativas nesse ano de 1910 para se instaurar a República.
Satisfeita e surpreendida com a homenagem, Alice Vieira não nega que lhe tenha dado alegria: "Ando nisto há tantos anos que sabe bem o reconhecimento." Não se fica por aí, pois considera que ao ser escolhida também se presta uma homenagem a este género de literatura: "Que nem sempre é valorizado da forma que merece."
A autora sabe do que fala, porque percorre repetidamente várias escolas em encontros com os alunos e revê nas suas opiniões o prazer da leitura: "Por muita tecnologia que haja, os jovens ainda gostam de ler um livro. E eu tenho sorte porque os meus estão entre os eleitos." Até porque muitos são oficialmente recomendados como leitura, como Chocolate à Chuva, e vários representados nas encenações teatrais realizadas nas escolas, o caso de Leandro, Rei da Helíria.
Entre as histórias que Alice Vieira evoca neste Diário estão as muitas peripécias políticas e sociais daquele tempo. O protagonista vai observando as mudanças por ele próprio mas também através da família e da escola. Com interligações entre a realidade e a ficção bem montadas, como as saudades do seu anterior professor, o Buíça, autor do assassinato do rei D. Carlos, as opiniões monárquicas da avó e as republicanas do pai. A investigação, diz, "deu-me um trabalhão". O que se confirma logo ao início, quando o leitor é informado de que dois livros foram lançados no dia em que o protagonista nasceu: Salomé, de Eugénio de Castro, e História de Um Palhaço, de Raul Brandão.
Quanto a ter uma Escritaria só para si, Alice Vieira diz o seguinte: "É uma terrível responsabilidade e ando muito preocupada nestes últimos dias porque não sou de homenagens. Não me importo que os leitores falem comigo na rua, mas assim é muito diferente." A escritora conhece bem Penafiel, aonde costuma ir à Biblioteca, mas aflige-a exposição pública. No entanto, refere: "Fico muito agradecida que se tenham lembrado de mim."Foi preciso alguma preparação mental? "Tenho a vida facilitada porque há mais gente a falar de mim do que eu, o que me cria alguma curiosidade e facilita a minha presença", confessa, antes de acrescentar: "Como tenho amigos ao meu lado, não será difícil." Entre os oradores estão Tolentino Mendonça a comentar a poesia ou Mário Zambujal a parte jornalística.