Escapou a uma bomba do IRA. Agora é primeira mulher a liderar a Irlanda do Norte
Quando Arlene Foster tinha 8 anos, o pai - um agricultor que trabalhava em part-time na Royal Ulster Constabulary (que havia de se tornar a polícia da Irlanda do Norte) - foi baleado na cabeça por militantes do IRA. Nove anos depois, já adolescente, foi a própria Arlene quem escapou a uma bomba do Exército Republicano Irlandês colocada no seu autocarro escolar. O alvo era o motorista, militar no Regimento de Defesa do Ulster, mas a rapariga sentada ao lado de Arlene ficou gravemente ferida.
Estes dois acontecimentos marcaram a vida daquela que agora se tornou a primeira mulher a chefiar um governo na Irlanda do Norte, depois da demissão de Peter Robinson. Habituada a ser uma pioneira, Foster, de 45 anos, é a mais jovem líder norte-irlandesa, depois de em dezembro se ter tornado a primeira mulher à frente do Partido Unionista Democrático (DUP, na sigla em inglês).
Com conhecimento próprio do que acontece quando o processo democrático falha, esta mãe de família tem agora de trabalhar de perto com os antigos colaboradores dos homens que a tentaram matar a ela e ao pai. O acordo de partilha do poder, obriga de facto a primeira-ministra unionista a uma estreita colaboração com o seu vice, neste caso Martin McGuinness, do Sinn Féin e antigo comandante operacional do IRA. Mas os dois já trabalharam juntos, tendo mesmo visitado um centro de acolhimento para refugiados sírios em finais do ano passado. À Reuters, Foster explicou sobre a sua relação com McGuinness: "Pomos mãos à obra, é para isso que somos eleitos."
Para ela, lidar com o Sinn Féin é "um desafio". E, numa recente entrevista à Sky News, recorda que os republicanos têm "um mandato, o povo votou neles e eles comprometeram-se a fazer as coisas de forma democrática". Estabelecido em 1998 pelos Acordos de Sexta-Feira Santa que puseram fim aos Troubles, três décadas de conflito entre nacionalistas e unionistas, com os primeiros (predominantemente católicos) a lutar pela independência da Irlanda do Norte em relação ao Reino Unido e a reunião com a República da Irlanda e os segundos (na maioria protestantes) a defender a integração. A violência fez mais de 3600 mortos.
Quanto a saber quem esteve por detrás dos ataques contra ela e contra o pai, Foster confessava em dezembro ao 'The Guardian': "Se queria saber quem pôs a bomba [contra o autocarro em que seguia]? Sim, queria. Isso vai acontecer? Esse é o desafio para as agências que investigam os crimes [praticados na Irlanda do Norte durante os Troubles]". E confessou: "O que uma vítima quer, outra não quer."
Infância na fronteira
Nascida e criada em South East Fermanagh, onde ainda vive com o marido, Brian, e os três filhos, foi na Queen"s University de Belfast que Foster se começou a interessar pela política. Formada em Direito, a advogada juntou-se à Associação Unionista de Queen"s, ligada ao Partido Unionista do Ulster (UUP). Mais tarde foi líder da Juventude do UUP, mas o desacordo com o líder, David Trimble, que se opunha aos Acordos de Sexta-Feira Santa e à partilha de poder com o Sinn Féin, acabou por a levar a deixar o partido em 2003.
Dois anos depois, já como candidata do DUP, era eleita para Stormont, o parlamento da Irlanda do Norte, tendo entretanto ocupado vários cargos ministeriais, sendo responsável pelas pastas do Ambiente, Comércio e Investimentos.
Apaixonada por literatura, esta praticante de badminton e de natação tem pela frente vários desafios. O primeiro é conquistar um partido ainda dominado pela velha guarda: homens, urbanos e presbiterianos. Como jovem mulher, com um passado rural e anglicana, a nova primeira-ministra tem, contudo, uma vantagem: o apelo junto dos eleitores do seu antigo partido, o UUP. Mas não se pense que Foster está disposta a quebrar a linha de pensamento do partido que durante anos esteve associado à imagem do veterano Ian Paisley: nem no que se refere à oposição ao aborto nem em relação ao casamento entre pessoas do mesmo sexo.
Com oito deputados também no Parlamento de Londres, Foster e os seus unionistas podem tornar-se aliados importantes do primeiro-ministro britânico, David Cameron. Para já a nova líder norte-irlandesa terá de gerir um governo disfuncional, que nos últimos anos já esteve várias vezes à beira do colapso devido às tensões em torno da partilha de poder.