ESA aprova orçamento recorde e parte a caminho da Lua e de Marte

Os países membros da organização aprovaram a sua maior verba de sempre, de 14,4 mil milhões de euros para cinco anos. Para Portugal, que tem uma nova estratégia para o espaço, a conferência também foi um marco
Publicado a
Atualizado a

Esperava-se que os 22 países membros da ESA concordassem num aumento do orçamento global da organização na conferência ministerial de dois dias que esta quinta-feira terminou em Sevilha, tal como o DN noticiou. Mas as expectativas do diretor-geral da agência espacial, Jan Wörner, acabaram por ser superadas, como ele próprio confessou no final. "É uma surpresa, é mais ainda do que eu propus, e isso é bom", comentou satisfeito.

Para os próximos cinco anos, os países-membros da ESA concordaram em colocar uma verba global de 14,4 mil milhões de euros, dos quais, 12,5 mil milhões estarão disponíveis ao longo dos próximos três anos.

Para Portugal, esta também foi uma cimeira decisiva, já que marca o início de uma nova etapa para o setor do espaço no país. Além da proposta de uma nova constelação de satélites para observação dos oceanos no âmbito da ESA, que vai avançar e na qual vai liderar a parte do Atlântico, Portugal passa a partir de agora a participar em novos programas da ESA que vão permitir alavancar esse projeto, mas também o do porto espacial dos Açores, com potenciais mais-valias na economia.

Com essa aposta, e com essa perspetiva de crescimento, Portugal vai também aumentar a sua contribuição financeira para ESA, que se cifrará num total de 102,7 milhões de euros para os próximos cinco anos, distribuídos pelos diferentes programas, esperando o governo conseguir captar mais verbas para o setor junto dos programas da Comissão europeia - o futuro programa para o espaço, a iniciar-se em 2021, o Horizonte Europa, o programa-quadro para a investigação, tecnologia e investigação, ou ainda os fundos estruturais.

A possibilidade de um astronauta europeu na Lua

O ministro da Ciência Manuel Heitor, que conduziu os trabalhos em Sevilha, no âmbito da presidência da ESA que Portugal assume juntamente com a França por um período de três anos, já tinha manifestado a sua convicção, no primeiro dia da conferência, de que o orçamento da organização sairia reforçado do conselho ministerial de Sevilha.

Foi isso que na altura adiantou ao DN, ao referir "o espírito de solidariedade" entre os países durante a reunião, e notando a existência de "um reconhecimento de que a competição não é entre os vários países, mas da Europa no seu todo com os Estados Unidos e a China, que estão a fazer investimentos brutais no espaço", comentou na altura.

O orçamento histórico agora aprovado é prova disso e permite, justamente, que a ESA mantenha a sua posição competitiva no setor espacial, face aos outros grandes atores internacionais, sobretudo os Estados Unidos e a China, mas também um privado americano, a Space X, de Elon Musk, que está a desenvolver a bom ritmo o seu lançador de grande tonelagem para viagens a Marte que já anunciou.

O orçamento histórico aprovado em Sevilha vai permitir que a ESA avance a partir daqui com novos e ambiciosos projetos, que passam pela colaboração com a NASA para levar astronautas à Lua, incluindo a possibilidade de um - ou uma - astronauta europeu nessa missão, e recolher e trazer para Terra amostras do solo marciano durante a década que entra, mas também desenvolver missões de nova geração para estudar os buracos negros e as ondas gravitacionais, ou ainda construir e operar um space shutle europeu, o Space Rider, no qual Portugal também vai participar, planeando investir ali um milhão de euros, no âmbito do orçamento agora aprovado.

Multiplicar por 10 a economia do espaço até 2030

Nos últimos 20 anos, desde que se tornou membro da agência espacial europeia, Portugal investiu na consolidação da sua capacidade tecnológica, sobretudo no desenvolvimento de componentes, softwares e equipamentos para satélites, no âmbito dos programas obrigatórios da organização, em que todos os países membros têm de participar com os seus contributos financeiros.

Agora, pela primeira vez, o país chegou a um conselho ministerial da ESA com propostas próprias e a participação garantida em programas opcionais que são críticos para os objetivos traçados pelo governo para esta área, e que passam no essencial por liderar parte de uma nova constelação de satélites para observação dos oceanos, que já se sabe que vai avançar, e pela instalação e operação de um pequeno porto espacial europeu nos Açores.

Com esses projetos em mente, e todo um mundo de aplicações que daí decorrem com potencial de mercado no lançamento de pequenos satélites e impacto na economia, através de novos serviços de distribuição de dados de satélites para apoio à agricultura, pescas, gestão de navegação e outros, Portugal garante um aumento da sua contribuição financeira para ESA em mais 20% para os próximos cinco anos, passando de 70 milhões para 102,7 milhões de euros em termos globais, o que se traduz num aumento anual de 18 milhões para 20 milhões de euros.

Para além de continuar a sua participação no programa obrigatório da ESA, o país passa também a subscrever outros,, através dos quais espera concretizar a ideia de criação de um segmento económico ligado ao espaço, mais expressivo do que tem sido até agora, e com com metas muito concretas: a multiplicação por 10 da faturação do setor em 2030, dos atuais 40 a 50 milhões de euros para pelo menos 500 milhões de euros, e com a criação de pelo menos mil novos empregos qualificados no setor espacial, no país.

Satélites para os oceanos

Um dos novos programas em que o país vai apostar é o da observação da Terra, o que quer, sobretudo, dizer satélites. O país participará aí com uma verba global de 15 milhões de euros, que serão distribuídos entre outros pela constelação para observação dos oceanos (4 milhões), pelo programa conjunto da ESA e da União Europeia Copernicus (5 milhões) ou ainda o satélite para observação climática do Ártico (1,5 milhões), entre outros.

Em relação à proposta portuguesa, que foi aceite na ESA, do desenvolvimento de uma nova constelação de satélites para observação dos oceanos, Chiara Manfletti, a presidente da Portugal Espaço, a agência espacial portuguesa, adiantou ao DN que as sua especificações "vão agora ser definidas em colaboração com os parceiros que aceitaram o desafio", entre os quais se contam a França, a Alemanha, a Itália e a Grécia.

Dependendo da frequência de transmissão e do período de revolução, o número de vezes que o satélite passa sobre um determinado ponto, a futura rede "poderá ser usada para gestão e segurança da navegação marítima, observação do ambiente marinho, robótica submarina, análise da erosão costeira, avaliação das marés para desenvolvimento de energias limpas, ou outras", sublinha a responsável da Portugal Espaço.

À procura de apoios para o porto espacial dos Açores

Outros programas da ESA agora subscritos pelo governo português são o das telecomunicações (um valor global de 12,5 milhões de euros), o de navegação (1,5 milhões) e, desta vez também, o transporte espacial, através do desenvolvimento de serviços de transporte comercial (2,1 milhões), essenciais para a ambição de ter lançadores com capacidade até 500 Kg a ir para o espaço a partir dos Açores, e no Space Rider (1 milhão), o pequeno space shutle europeu reutilizável, que será também um laboratório espacial para experiências em microgravidade, e que poderá vir a aterrar nos Açores, como espera o ministro Manuel Heitor.

Essa possibilidade foi de resto referida ao DN pelo próprio diretor-geral da ESA, Jan Wörner. "O Space Rider terá de ser lançado na Guiana, a partir do centro espacial de Kourou, uma vez que exige um lançador de grande capacidade, e poderá utilizar o porto espacial dos Açores para aterrar", adiantou o responsável, sublinhando que "essa foi uma das discussões" feitas no âmbito da conferência.

Embora o porto espacial dos Açores não se enquadre nos programas da ESA, a organização abriu nesta conferência a porta à criação de pequenos portos espaciais europeus, e o do Açores, não sendo o único que está em cima da mesa - Suécia, Noruega e Reino Unido também estão nesta corrida - "pela sua localização geográfica, no meio do mar, é claramente um favorito", garante Jan Wörner.

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt