Desde 2005, foram realizados em Portugal 1863 ensaios clínicos. Destes, apenas 194 envolveram crianças, tendo os ensaios exclusivamente pediátricos sido 92, de acordo com os dados enviados ao DN pela Autoridade Nacional do Medicamento. Representam 10%, uma percentagem que ainda é pequena mas que, segundo o vice-presidente do Infarmed, tem vindo a aumentar nos últimos anos.ensaios clínicos Infogram.Neste ano foram realizados, até ao início do mês de agosto, 11 ensaios clínicos que envolveram crianças, mais três do que no ano passado e menos um do que em 2017. "Nunca são muitos. Nós queremos sempre mais", admite António Faria Vaz, vice-presidente do Infarmed. "Mas estamos, em termos percentuais, ao nível de diversos países, da Holanda, da Noruega, da Áustria, da Dinamarca", acrescenta..Heitor Costa, diretor executivo da Associação Portuguesa da Indústria Farmacêutica (Apifarma), olha para os números de forma diferente: "Mantemo-nos abaixo dos ensaios clínicos feitos na Europa. Precisamos de trabalhar mais nos procedimentos administrativos. Não são dadas condições aos médicos para fazerem investigação, nomeadamente tempo, porque têm de manter a sua atividade clínica em simultâneo. São precisas mais pessoas para estarem nos centros de investigação, cuja contratação não é fácil.".Esta não é uma realidade independente dos ensaios clínicos em geral, lembra Heitor Costa. "Os ensaios clínicos em população pediátrica aumentam se os restantes também forem apoiados, pelas instituições, pelas empresas que os financiam", diz..Ensaios clínicos em crianças: mudança de paradigma."Durante muitos anos, considerámos que as crianças deveriam ser protegidas da investigação clínica e não se preconizava a realização de ensaios clínicos, nem era socialmente muito aceitável", explica António Faria Vaz. Por isso, não foi feito investimento significativo na área. Estudos internacionais divulgados antes de 2016 indicavam que a percentagem de medicamentos utilizados em crianças apenas comprovados pelo uso e não testados cientificamente rondava os 80%..As publicações europeias mais recentes sobre a mesma matéria demonstram uma diminuição desta percentagem. Em 2017, um estudo realizado nos hospitais universitários Marañón e Del Niño Jesús em Madrid, Espanha, nas unidades de cuidados intensivos com crianças até aos 18 anos revelava que a quantidade de medicamentos sem o atestado de um ensaio clínico representava 53,9%. "Melhorámos bastante. Ainda não atingimos a perfeição", diz o vice-presidente da Autoridade Nacional do Medicamento.."Fomos sendo questionados com esta prática e mais tarde chegámos à conclusão de que o organismo das crianças e a forma como estas reagem aos fármacos afinal era diferente da dos adultos. E tanto podíamos estar a administrar fármacos em quantidades insuficientes como em demasia", refere António Faria Vaz..A regulação desta prática é hoje mais apertada. Nem todos os medicamentos devem ser testados em crianças, até porque há doenças que não dizem respeito a esta população, mas quase todos têm esta preocupação. Heitor Costa recorda que é inclusivamente dado um incentivo (mais um ano de patente) aos medicamentos testados em crianças..Esta preocupação voltou a receber atenção no início deste verão, quando surgiu a hipótese de Matilde, uma bebé diagnosticada com atrofia muscular espinhal de tipo 1 (uma doença rara causada por mutações no gene SMN1), poder ser medicada com um fármaco que não se encontrava aprovado em Portugal e nunca tinha sido administrado numa criança tão pequena. Apesar disto, e tendo em conta a opinião médica, o Infarmed aprovou, sob um regime especial, o Zongensma, o medicamento mais caro do mundo (1,9 milhões de euros).