Embaixadores da América
Está para breve a chegada a Lisboa de Randi Charno Levine, a nova embaixadora dos Estados Unidos em Portugal e apenas a segunda mulher a ocupar o cargo. Confirmada pelo Senado, prestou já juramento perante a vice-presidente Kamala Harris e declarou-se comprometida a reforçar a relação com Portugal, um tradicional aliado, e até, relembrou, estar este entre os primeiros países que, no século XVIII, reconheceram a independência americana. Mostrou que a lição está bem estudada e que será bastante ativa, mesmo não sendo diplomata de carreira, o que tem, aliás, sido a regra nos últimos anos, pelo menos desde que Elizabeth Bagley foi nomeada por Bill Clinton em 1994.
Descrita como filantropa e diplomata cultural, Levine é uma escolha de Joe Biden, tal como George Glass foi de Donald Trump e Robert Sherman e Allan Katz foram de Barack Obama. Refiro só estes três antecessores por terem sido os que conheci melhor e ter ficado impressionado com o empenho com que representaram o seu país, sem deixarem de tentar criar pontes com Portugal (ficaram célebres os vídeos de apoio de Sherman à seleção de futebol no Euro 2016), mas também defendendo interesses nacionais quando necessário, mesmo que em duas situações Sherman e Glass tenham sido menos diplomáticos do que o esperado por recorrerem à comunicação social (as dúvidas em 2015 do governo do PS depender do apoio parlamentar de dois partidos anti-NATO e o conselho a Portugal para saber escolher entre a América e a China em questões como o 5G ou o porto de Sines).
Simplificar que estes embaixadores que chegam a Lisboa são meros doadores para as campanhas presidenciais é isso mesmo, simplificar. Nenhum presidente se arrisca a ser mal representado, e o Senado lá está para garantir que só chega a embaixador quem tem mesmo características certas. Além disso, e do acesso privilegiado à Casa Branca, não esquecer toda a máquina do Departamento de Estado, os diplomatas de carreira e outros funcionários que apoiarão agora Levine, como antes os seus antecessores. Tem sido a experiente Kristin Kane que há mais de um ano está como Encarregada de Negócios em Lisboa, um período em que Portugal reelegeu um presidente, presidiu à União Europeia, foi a votos para escolher um governo e a Europa viu uma guerra começar no seu flanco leste.
Isto de embaixadores nomeados por presidentes - e países como a Argentina ou o Chile também o praticam - tem desvantagens, pode sempre ser argumentado. Mas no caso dos americanos há uma vantagem curiosa, observável nos últimos anos, que é a ligação que os antigos embaixadores criam a Portugal, a ponto de regressarem e passarem longas temporadas por cá. Isso só acontece porque não há um novo posto a exigir atenção, mas também diz muito sobre como Portugal sabe cativar quem vem de fora, e que, ao viajar pelo país, se deixa encantar por um dos mais antigos países da Europa. Esperemos que isso aconteça também com Levine, mesmo que agora se adivinhe que a situação geopolítica obrigará a muitas conversas sobre a NATO e sobre Sines como importante para fazer do GNL americano uma alternativa na Europa ao gás russo.
País de vocação atlântica, posição reforçada pelos Açores e pela Madeira, Portugal sempre acautelou boas relações com os Estados Unidos, ainda que sem descurar a procura de novos parceiros, que não são o mesmo que um aliado. Os embaixadores que têm passado por Lisboa percebem esse atlantismo e não faltam as situações em que lutaram por ele, mesmo quando em Washington havia dúvidas. Frank Carlucci, embaixador nos anos pós-25 de Abril, é um excelente exemplo e não posso deixar de contar como em conversa com jornalistas, numa vinda a Lisboa a convite de Glass, a viúva relembrou a conspiração do marido com Mário Soares para manter Portugal no campo ocidental, naturalmente o seu.
Carlucci era diplomata de carreira, mais tarde foi até secretário de Estado. Como ele, e antes desta vaga de embaixadores nomeados, houve mais. Termino só recordando um, Herbert Pell, que apanhou em Lisboa o início da Segunda Guerra Mundial. Muito poderia dizer do seu trabalho num Portugal salazarista, neutral. Mas o assunto é o filho e secretário privado do embaixador, Claiborne Pell, que jovem aprendeu português, combateu depois no Pacífico e já como senador de Rhode Island, onde são numerosos os luso-americanos, se fez campeão da causa de Timor-Leste. Estive em dezembro em Díli e conversei com figuras históricas da resistência. O nome do falecido senador Pell foi falado, como um aliado dos portugueses e dos timorenses.
Diretor adjunto do Diário de Notícias