Em Medyka-Shehiny não há fronteira para a solidariedade
Ei! Para onde vais?", grita Carlo Petruzzi a um estudante africano que, sozinho com a sua mala de rodas, se faz à estrada. À volta há malas abandonadas, roupas espalhadas pelo chão, um carrinho de bebé, como o cenário de um desastre. "Para Varsóvia", responde. Por baixo do capuz sobressaem uns olhos de quem está há muitas horas, demasiadas, sem descansar. O italiano indica-lhe que tem pela frente uma dúzia de quilómetros até chegar a uma cidade. Aí sim, pode seguir para Varsóvia, explica enquanto abre uma aplicação no telemóvel e mostra o quanto aquele jovem está atarantado. "Tens de voltar para trás, virar à esquerda e apanhar um autocarro que te leva à estação de comboios. Lá dão-te um bilhete de comboio para Varsóvia", diz o italiano.
Não é caso único. Na estrada em obras que liga Medyka a Przemysl encontram-se vários, por falta de informação. Quem põe o pé em território polaco fica por sua conta, o que torna a missão dos voluntários determinante.
Antes de se despedir, Carlo pergunta ao estudante se tem dinheiro. Este conta que tentou cambiá-lo numa agência logo ao cruzar a fronteira, mas não aceitaram hryvnias. O ativista oferece zlotys. Foi o fim da missão de Carlo Petruzzi na manhã de ontem junto ao posto fronteiriço de Medyka-Shehiny. Dali ia para a cidade ver no que podia ajudar.
Chegara na véspera de Florença, a cidade natal. E mostrou-se surpreendido com o número de estudantes asiáticos e africanos na Ucrânia, por um lado; e por outro, no pequeno contingente de voluntários na fronteira para dar uma mão a quem chega. "Um voo low cost e três horas de viagem de comboio", argumenta, é o suficiente para que mais pessoas possam fazer a diferença.
Além de polícias e de condutores de camionetas de passageiros, as autoridades polacas não destacaram ninguém para o local. A tenda de assistência médica é da ONG israelita Rescuers Without Borders. Os autocarros foram fretados pela Índia e pela Turquia, a avaliar pelas bandeiras. Há voluntários, mas falta organização. "Esta gente chega aqui ao fim de dias ao frio e com fome. Nem sabem onde estão. Não estão capazes de tomar as melhores decisões", diz Jacob. O jovem polaco envolveu-se na causa através da rede de mensagens Signal. Chegou na véspera de Varsóvia e o seu nível de inglês faz a diferença num sítio onde não há uma indicação em inglês. Explica a uns onde podem ir buscar comida, a outros que não devem ficar naquela terra de ninguém. "Permanecer aqui é contraprodutivo. Não podem fazer nada", diz a dois indianos, enquanto atrás um grupo se aquecia junto a um braseiro.
Saifullah trabalhava numa loja de reparações de telemóveis em Karkhiv, Lahish era trabalhador-estudante. Os dois afegãos dizem que estiveram cinco dias para conseguir passar a fronteira. E agora não sabem o que fazer. Carlo encaminha-os para o autocarro. Mas a preocupação sobre o futuro fazem-nos perder a ligação. Perguntam se há uma embaixada britânica em Przemysl, como podem pedir asilo. "Ao contrário dos ucranianos, estas pessoas têm um visto válido só por 21 dias. A maior parte não tem dinheiro. O que vão fazer? Para onde vão?", pergunta o italiano.
A maioria das mulheres e das crianças ucranianas não enfrenta estes problemas. Além de poderem ficar em território europeu, têm familiares ou conhecidos que os esperam. Mas há exceções e foi a pensar nestas que Bartosz e Nikola, dois jovens de uma vila a cem quilómetros de Varsóvia, decidiram agir. Viajaram com um motorista e, munidos de um cartaz em ucraniano, oferecem viagem e estadia até 20 mulheres e crianças. "Tínhamos de fazer qualquer coisa", diz Bartosz.
Jacob sente orgulho no seu povo. "É reconfortante ver como as pessoas estão a mobilizar-se para ajudar. Na Polónia isto não era óbvio. Estamos tão polarizados que discutimos sobre toda e qualquer coisa. E agora, em cinco dias, formou-se uma meta comum: ajudar pessoas. Este é o momento em que podemos fazer algo pelos outros."