Em julgamento ou em campanha, Donald Trump vai continuar no centro das atenções

A política norte-americana gira à volta do presidente e tudo indica que assim vai continuar, pelo menos até 3 de novembro, dia das eleições presidenciais.
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Donald Trump é um caso ímpar na política. Salvo motivo de força maior, será o primeiro candidato na história dos Estados Unidos a concorrer à reeleição, após ter sido destituído pela Câmara dos Representantes, a câmara baixa do Congresso. E o que podia à partida ser uma condicionante pode ser um trunfo eleitoral para o empresário nova-iorquino.

Há dois momentos-chave em 2020 para as aspirações do presidente norte-americano: o julgamento, no Senado, que confirma ou não as acusações aprovadas na Câmara dos Representantes, e a deliberação do Supremo Tribunal sobre as declarações de impostos de Trump e os registos financeiros da sua empresa. Os nove juízes do Supremo irão avaliar três casos a partir de março.

Julgamento por definir

Já o julgamento no Senado não tem data prevista para começar. A presidente da câmara, Nancy Pelosi, recusou passar formalmente os artigos de impeachment ao Senado, tendo alegado estar à espera de "um acordo justo" entre os republicanos, que controlam a câmara alta, e os democratas. A câmara tem também ainda de aprovar uma resolução sobre a nomeação dos responsáveis que irão apresentar os artigos da destituição ao Senado - como se fossem os advogados de acusação.

O acordo a que Pelosi alude depende do líder da maioria, Mitch McConnell, e do líder da minoria, Chuck Schumer. As regras sobre as testemunhas são o ponto mais complicado. McConnell rejeitou o pedido de Schumer para que altos funcionários da Casa Branca testemunhassem, mas, por outro lado, não excluiu a possibilidade de haver testemunhas.

Antes de a Câmara dos Representantes ter votado, o republicano anunciou que iria "trabalhar em total coordenação com o gabinete de advogados da Casa Branca". Uma declaração que causou mal-estar inclusive entre alguns republicanos, como a senadora do Alasca, Lisa Murkoswski. "Para ser honesta, fiquei perturbada quando ouvi isso", disse em entrevista à KTUU, tendo desejado um "processo justo e completo".

Após o julgamento, presidido por John Roberts, presidente do Supremo, o Senado vota os artigos. Seriam necessários 67 votos em cem para condenar Trump. Isso significaria que 20 republicanos teriam de se juntar aos democratas, uma perspetiva improvável, uma vez que até hoje nenhum senador republicano se mostrou inclinado para condenar o chefe de Estado. Já a absolvição de Trump das acusações requer apenas 51 votos, mas não se sabe se esta votação poderá decorrer de forma separada.

Este julgamento só tem efeitos políticos. Se Trump fosse condenado teria de sair da Casa Branca e ser substituído pelo vice, Mike Pence, mas tal não o impediria de voltar a concorrer nem ele sofreria consequência penais.

Falsidades e golfe

Os meios de comunicação a que Donald Trump não se cansa de chamar fake news escrutinam o seu quotidiano. O The Washington Post - que viu o seu colunista Jamal Khashoggi, residente nos EUA, ser assassinado no consulado da Arábia Saudita em Istambul sem daí advirem consequências políticas -, contabilizou mais de 15 400 afirmações falsas ou enganadoras desde o início do mandato até 16 de dezembro.

Com Trump a passar a quadra natalícia na sua estância de Mar-a-Lago, na Florida, o diário de referência da capital norte-americana também se deitou a fazer contas sobre o tempo que o presidente passa na Casa Branca. E concluiu que em 2019 passou 117 dias numa propriedade sua, dentro ou fora do país, e que dos 1075 dias na presidência esteve 31% do tempo em Mar-a-Lago ou noutra "Trump qualquer-coisa", como chamam genericamente às suas instalações hoteleiras na notícia.

As dificuldades com os factos ou passar parte substancial do tempo a jogar golfe não diminuem a base de apoio de Donald Trump. Nem, pelos vistos, o processo de destituição, cuja primeira fase foi concluída no dia 18 de dezembro. Os representantes votaram favoravelmente os dois artigos de impeachment, abuso de poder e obstrução à investigação do Congresso.

No Twitter, pouco depois, Trump respondeu com uma fotografia sua a preto e branco acompanhada das frases "Na verdade, eles não estão atrás de mim. Eles estão atrás de vocês. Eu estou apenas a meio do caminho".

Campanha de vitimização

A resposta foi o início de uma campanha de vitimização que tem como objetivo apelar às bases de apoio. "O lado bom do impeachment para o presidente é que isso lhe dá uma contínua justificação para concorrer como o intruso que está a ser atacado pelas elites por tentar levar grandes mudanças para Washington", disse à AP o conselheiro de Trump na primeira campanha Sam Nunberg. Que conclui: "Como qualquer presidente em exercício, ele não só será capaz de apontar o que conseguiu, como também poderá dizer 'fui capaz de fazer tudo isto apesar de não ter tido um verdadeiro primeiro mandato por estar sob ataque desde o primeiro dia'."

Segundo os republicanos, desde o início do processo de destituição o partido recebeu dinheiro de 600 mil novos doadores. E só na semana em que foi destituído o Comité Nacional Republicano afirma ter recebido dez milhões de dólares de pequenos doadores.

O que, para o atual diretor da campanha de Trump, é um ativo. "Isto reacendeu a nossa base, despertou as pessoas que apoiam o presidente. Eles estão frustrados e irritados e isso motiva os eleitores", disse Brad Parscale.

Os republicanos apontam para 8,8 milhões de eleitores que, dizem, continuam a estar do lado de Trump, mas que não votaram nos republicanos nas eleições intercalares.

Sondagens deixam tudo em aberto

As sondagens relativas à taxa de aprovação do presidente continuam a mostrar um país polarizado e com mais norte-americanos insatisfeitos do que satisfeitos, mas longe dos picos de impopularidade de dezembro de 2017 (58% contra) e de janeiro de 2019 (55,5%), segundo a média de sondagens realizada pela Real Clear Politics. Nas últimas semanas a diferença entre opiniões negativas e positivas caiu para menos de 9%.

E quanto aos cenários de embates com adversários democratas, é Joe Biden quem apresenta melhores números. Na sondagem publicada no dia 31 de dezembro pela Mason-Dixon, relativo à Florida e à Virgínia, o ex-vice-presidente é o único, entre Bernie Sanders, Elizabeth Warren e Pete Buttigieg, a ganhar a Trump - na Florida pela diferença de dois pontos percentuais e na Virgínia por quatro.

O cenário é um pouco melhor para os democratas nas sondagens nacionais. Na da CNN, de 20 de dezembro, só Buttigieg perde para Trump, e na da Emerson, de dia 18, o mayor de South Bend empata com o candidato republicano.

O facto de haver 15 candidatos nas primárias democratas e de dois dos principais - Bernie Sanders e Elizabeth Warren - serem considerados muito à esquerda e dois deles de idade avançada - Sanders tem 78 anos e Biden 77 - são mais pontos a favor de Donald Trump. Além disso, os eleitores só irão saber quem é o candidato democrata em julho (pelo menos de forma oficial), quando a convenção nacional, a realizar-se em Milwaukee, o determinar.

Já no campo republicano, há outros dois candidatos às primárias, Joe Walsh e Bill Weld. Mas em sete estados as primárias foram canceladas e as sondagens apontam para números esmagadores em favor do presidente.

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