Em Espanha, o Islão lamenta o terrorismo e exige a paz

Imã do município de Ripoll, que pode estar em fuga ou ter morrido na explosão em Alcanar, seria o cérebo da célula jihadista. Corpos de vítimas portuguesas chegam hoje a Lisboa
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O Islão é uma coisa. O terrorismo é outra. Foi esta a mensagem que a comunidade islâmica de Madrid quis ontem passar numa manifestação pela paz junto à Puerta del Sol. "Não em meu nome" ou "Desde quando o terrorismo tem religião?" foram dois dos gritos entoados pelos mais de cem muçulmanos que ontem saíram à rua na capital espanhola para condenar os atentados da Catalunha e sublinhar que o Islão não defende o terror.

Ao mesmo tempo que tenta demarcar-se dos ataques, a comunidade islâmica espanhola está a ser alvo de algumas manifestações de ódio. Em Tarragona, cidade situada a sul de Barcelona, surgiram ameaças de morte e insultos pintados na parede da mesquita de Montblanc. Já em Granada, na Andaluzia, um grupo de extrema-direita lançou potes de fumo contra a Mesquita Maior. A polícia catalã viu-se obrigada a fazer um apelo para que não se vandalizem os espaços de culto e sublinhou que era "muito injusto" vincular a comunidade muçulmana com a radicalização e o terrorismo. Segundo a contabilidade do diário El País, desde os ataques de 11 de março de 2004, o jihadismo já fez mais de 600 vítimas mortais na União Europeia, com ataques distribuídos por oito países: Espanha, Reino Unido, França, Suécia, Alemanha, Bélgica, Dinamarca e Bulgária.

O primeiro-ministro português, António Costa, e o presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, estiveram ontem presentes, ao lado dos reis de Espanha, numa missa pela paz celebrada na basílica da Sagrada Família, em Barcelona. A seguir à cerimónia os líderes portugueses deslocaram-se ao local do ataque, nas Ramblas, onde prestaram homenagem às vítimas. Angelino Alfano, ministro italiano dos Negócios Estrangeiros, também esteve presente no local.

De acordo com os últimos desenvolvimentos da investigação, a célula terrorista que atacou na quinta-feira em Barcelona teria entre 13 e 15 membros. Quatro estão presos, cinco foram abatidos pela polícia na cidade de Cambrils, três morreram numa explosão em Alcanar na véspera do atentado e um, Younes Aboyaaqoub - presumível condutor da carrinha que arremeteu contra as pessoas nas Ramblas -, encontra-se em fuga. Restam dúvidas relativamente a dois suspeitos, Youssef Aalla e Abdelbaki Es Satty, o imã de Ripoll. Há duas hipóteses: ou estarão a monte, ou morreram em Alcanar, uma vez que no local da explosão foram encontrados restos mortais de três pessoas diferentes que continuam por identificar.

O duplo atentado na Catalunha, reclamado pelo Estado Islâmico, fez 14 mortos - 13 nas Ramblas, em Barcelona, e um num segundo ataque, na mesma noite, na localidade de Cambrils. Ontem chegou a confirmação, depois de o pai ter identificado o corpo, que uma das vítimas mortais é a criança australiana de sete anos que estava desaparecida. Duas portuguesas, avô e neta, com 74 e 20 anos, morreram no atropelamento. Os corpos de ambas chegam hoje a Lisboa num avião da Força Aérea.

Os investigadores estão convencidos de que Es Satty, o imã de Ripoll - município nos Pirenéus catalães, junto à fronteira com França -, seria o cérebro da célula terrorista e que terá sido ele a radicalizar os restantes membros. Es Satty, que estará em fuga ou terá morrido em Alcanar, andará na casa dos 40 anos. Desde junho deixou de ser visto em Ripoll, anunciando que iria passar três meses de férias a Marrocos. Apesar de ausente, continuou a pagar a renda de 150 euros de um pequeno apartamento situado junto ao mosteiro da cidade. Dizem os vizinhos, ouvidos pela imprensa espanhola, que era reservado e que quase não se fazia notar. Dava aulas de árabe a crianças.

Segundo fontes ouvidas pela agência Europa Press, em 2010 Abdelbaki Es Satty foi condenado a quatro anos de prisão depois de ter sido intercetado num ferry, entre Ceuta e Algeciras, com um carregamento de haxixe. Acabou por ser libertado em 2012. No ano passado, entre janeiro e março, esteve na Bélgica, na localidade de Vilvoorde - um antigo feudo jihadista - à procura de trabalho. A informação foi ontem confirmada por Hans Bonte, o presidente da câmara local.

Vários dos jovens envolvidos no duplo atentado na Catalunha residiam ou tinham ligações a Ripoll, município com 10 mil habitantes. Os cerca de 500 muçulmano aí residentes representam cerca de 5% da população local e, segundo a imprensa espanhola, nunca se registaram quaisquer problemas de integração. Acredita-se que terá sido Abdelbaki Es Satty a radicalizar os jovens que o acompanharam no planeamento e execução dos ataques. Numa entrevista à TV3, o presidente da comunidade islâmica de Ripoll, Ali Yassine, revelou que não tinha conhecimento do passado prisional de Es Satty.

Ontem ao final da tarde estavam já identificadas 12 das 14 vítimas mortais. Ainda havia 51 feridos hospitalizados, dez dos quais em estado considerado crítico. As autoridades mantiveram em quatro o nível de alerta, numa escala em que o máximo é cinco e representa risco de ataque iminente.

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